Autor

O Gráfico

 

Data

24 de Dezembro de 2023

 

Secção

Repórter de Ocasião

 

Competição

Torneio Cultores do Policiário

Problema Policiário nº 1

 

Publicação

Blogue Repórter de Ocasião

 

 

O MISTERIOSO DESAPARECIMENTO DE UMA ALIANÇA VELHA

O Gráfico

 

Quando me reformei, no ano de 2018, estava longe de pensar que iria encontrar na Pastelaria Kimi que comecei a frequentar assiduamente, um ror de gente, de elevado espírito comunicativo, abertura fraterna de receber novos rostos e um atendimento público (mais tarde denominado como “CAC” – “com amor e carinho”!) de categorizada e inigualável distinção, todas estas coisas boas, de enaltecer, entre habituais clientes, pessoal ali empregado e respectivos gerentes.

O quotidiano é acolhedor e quando se chega à Quadra Natalícia, os sorrisos, os beijos, os abraços, o partilhar de mesa, os apertos de mãos, os votos de felicidade e desejos de um Bom Natal e um Novo Ano Feliz… transcendem-se! Entretanto passámos por uma Pandemia, a tal de “Covid-19”, e as faculdades intelectuais e a energia dos habituais clientes entrelaçada com os trabalhadores da Kimi mantiveram-se inalteráveis se bem que ainda me recordo de tomar o meu pequeno-almoço, cá fora, no parapeito das janelas do estabelecimento e do uso obrigatório da máscara que só era retirada para o consumo dos alimentos. 

 

Nos primeiros meses de 2018 comecei a ouvir falar, entre colegas e outras pessoas com a minha mesma idade, 60 anos, de que os trabalhadores, em Portugal, com 46 anos de “descontos” para a Segurança Social, já se poderiam reformar… por “inteiro”, ou seja, reforma antecipada usufruindo do valor mensal igual ao actual vencimento! Haveria no país poucos milhares de pessoas com esta particularidade e o Governo do Primeiro-Ministro António Costa lançou esta iniciativa! Ora, pelas minhas “contas” eu já descontava para a antiga Caixa Nacional de Pensões desde 1970 o que daria, se tudo estivesse documentado e registado, muito próximo de 48 anos de “descontos”… entre 1970 e 2018. Não hesitei um segundo… telefonei para Entre Campos, Lisboa, Atendimento por marcação no Centro Nacional de Pensões e marquei uma consulta. Creio que foi em Junho de 2018, já com 60 anos feitos ou muito próximo disso… que fui, então, a Entre Campos. Lá chegado, ao ser atendido, somente me pediram o Cartão de Cidadão e passados alguns segundos responderam-me “que já me podia reformar”, dentro dos requisitos enumerados pelo Governo, pois, desfrutava, tal e qual como tinha pensado, de 48 anos de “descontos” para a Segurança Social. Não esperei pela demora… preenchi, no imediato, os documentos necessários, comuniquei a minha decisão à Entidade Patronal vigente e… no mês de Agosto, seguinte, já estava reformado, contente da vida! Pensado e executado. Valeu a pena, pelo menos neste capítulo, ter começado a trabalhar com tenra idade, apesar dos 48 anos árduos de labuta. 

 

A Pastelaria Kimi, situada no Laranjeiro, Feijó, Concelho de Almada, apresenta-se estruturalmente numa forma muito original que tem como base um triângulo, imaginando-se a olharmos para um desenho de uma Árvore de Natal, com três entradas e saídas para clientes. Olhando de frente, o leitor, depara-se com a entrada principal, a porta maior, que está instalada na base do mencionado triângulo, dando lugar a uma esplanada que preenche uma parte da praceta onde se encontra. No lado direito, sensivelmente a meio do triângulo, existe a segunda porta, digamos assim e no vértice uma outra porta, mais pequena, que aparentemente está vedada à entrada de clientes semiobstruída por duas cadeiras. Esta entrada serve especialmente para entrada e saída de fornecedores, mais usada pelos Padeiros que durante todo o dia vão entrando por ali com caixas repletas de pão, nomeadamente carcaças, os chamados papos-secos e saindo com as mesmas vazias evitando o passar pela maioria das pessoas que se aglomeram na sala entre a primeira e um pouco mais além da segunda entrada. Eles chegam, num ápice, após pedido, com os recipientes do pão, passam pelo lavatório que antecede as chamadas “casas de banho” (estas encontram-se por trás do lavatório, mas estão, sempre, fechadas à chave pelo que homens e senhoras terão de solicitar as respectivas, ao balcão, para efectuar as suas necessidades de obrigação imprescindível) descem dois degraus entram pela segunda abertura do balcão, percorrem todo o seu curto comprimento, cerca de 10 metros, despejam o conteúdo nos receptáculos adequados para o efeito, entre “bons-dias” e sorrisos e fazem o trajecto de regresso.

O primeiro ingresso do citado balcão encontra-se logo à esquerda da entrada principal que se apresenta direccionada para a esplanada e está quase tapado pela refrigeradora das bebidas, do lado de fora e da máquina dos sumos de laranja, na parte de dentro. Logo a seguir, mas inserta na parede da frente, ainda por detrás do balcão, em cima de uma pedra de mármore está a caixa registadora, depois estantes envidraçadas com pão que fica por cima dos recipientes dos papos-secos, elevador de comunicação e transporte de géneros alimentícios entre rés-do-chão e cave, grande máquina dos cafés e estantes de vidro que terminam na entrada da segunda abertura onde estão, em cima, o tabaco e bugigangas e por baixo, à altura da cintura de um ser humano, adulto, as várias bebidas alcoólicas, tais como Brandys, Whiskys, Vinho do Porto, Aguardentes e outros de muitas marcas. Por baixo, do lado de cá e do lado de lá, do balcão, existem armários de armazenamento. Para os clientes que consomem ao balcão e eu sou um deles, estão as vitrinas com as especialidades de arregalar a vista! No lado direito, da abertura do balcão, mais próxima das casas-de-banho, que não têm qualquer abertura para o exterior, foi arquitectado também uma pequena espécie de arrecadação, num aproveitamento de espaço, que fica por baixo das escadas que levam ao equivalente a um 1.º andar onde igualmente se fornecem refeições. Nas vésperas de Natal uma corrente impede o acesso aquele local porque não se servem almoços. Estas escadas encontram-se entre o lavatório e ao lado dos degraus que dão entrada para o balcão, por aquele lado. Neste reduzido cubículo os empregados que se vão revezando por períodos horários guardam os seus pertences, casacos, malas, sacos com compras, etc.

 

No dia-a-dia a azáfama é intensa e muitos vendedores ambulantes e de rua que ali vão tomar o seu pequeno-almoço levam consigo grandes sacos com muita e diversificada indumentária, além de lençóis, material de pano para cozinhas, etc., na tentativa de seduzir alguns compradores. Uma vez comprei um par de lençóis… por uma pechincha.

O Miguelito, um jovem de 16 anos é uma das atracções principais que aprecio e aplaudo, das minhas manhãs, na Pastelaria Kimi. Por volta das 11 horas, todos os dias, sem falhar nenhum, sábados e domingos, entra de rompante, pela entrada principal, vindo da praceta e com a sua pequena máquina fotográfica “dispara” em todos os sentidos e direcções repetindo incessantemente “–Olha a foto!”… “–Olha a foto!”… e lá vai ele obtendo fotografias dos três empregados e gerente que habitualmente estão atrás do balcão, de clientes que estão no compartimento de entrada, uns sentados ou em pé ingerindo os alimentos ao balcão. O jovem Miguelito que diz um dia querer ser Jornalista Fotográfico delicia-se com as fotografias e toda-a-gente faz poses originais e colabora, com os largos sorrisos da praxe! É um momento de enorme animação.

Chegamos à época Natalícia e é tudo igual, vivência, camaradagem e procedimentos à excepção que a porta do meio é encerrada a entradas e saídas porque no lado direito da entrada pela praceta até sensivelmente a meio do espaço é montada uma mesa em “L” para venda de produtos apropriados e lá se encontram de fazer crescer água na boca… BOLO REI, BOLO RAINHA, TRONCOS DE NATAL, LAMPREIA, TORTAS VARIADAS, FILHOZES, COSCORÕES, SONHOS DE ABÓBORA E VARIADOS, AZEVIAS DE GILA, GRÃO E BATATA-DOCE, FATIAS PARIDAS, ENTREMEIOS DIVERSOS, SORTIDOS E OUTRAS VARIEDADES. Uf! Que pena não se conseguir ingerir de tudo… um pouco!

Uma vez considerei que o pão com manteiga tinha pouco fiambre e a partir daí começaram a pôr 3 fatias do mesmo produto e quando lá aparecia… logo gritavam para o micro do elevador que fazia ligação com a cozinha: “–Atenção, essa carcaça que vai para baixo… é para colocar três fatias de fiambre! Três fatias de fiambre!” E noutras vezes acrescentavam: “–É para o senhor Rodrigues!”. Ultimamente achei um exagero e mandei reduzir somente, a sandes, para duas fatias! 

 

Hoje, pela manhã, precisamente, neste dia em que escrevo estas linhas, Domingo, 24 de Dezembro de 2023, o insólito aconteceu na Pastelaria Kimi. Como sou bem tratado e muito bem recebido naquele estabelecimento resolvi oferecer uma Garrafa de Aguardente Aliança Velha ao gerente, meu amigo, Rui Marino. Dizem que este produto é o mais vendido no mercado e fiz questão de mostrar os meus agradecimentos com esta simbólica oferta de Natal! Cheguei à Kimi por volta das 10h e 45m e quando entreguei a prenda foi uma alegria, para todos! O Rui Marino agradeceu-me olhou para a garrafa com os olhos a brilhar e colocou-a, bem vistosa, à minha frente, numa das estantes de vidro, junto com as outras bebidas do género e… disse bem alto, para o “seu” pessoal: “–Atenção, nesta… ninguém mexe, ok!?”. E voltou às lides.

A Pastelaria Kimi, naquela hora, estava a transbordar pelo que durante uma quinzena de minutos ninguém entrava nem saía, a não ser clientes para as guloseimas de Natal. Entravam, compravam o necessário e saíam pela mesma porta. Vendedores de rua tentavam convencer alguns clientes a adquirir as suas “coisas boas”! Alguns, homens e mulheres, necessitando de ir às casas-de-banho solicitavam as chaves que estavam penduradas no cimo do cubículo dos empregados. A próxima mudança de turno seria somente ao meio-dia. Eu tomava o meu pequeno-almoço descansado e a observar como os Troncos de Natal, os Sonhos de Abóbora e os Coscorões “voavam” dali para fora… do Bolo-Rei, então, nem os conseguia contar… até que um enorme alvoroço sucedeu em simultâneo… com mais pão a chegar e o Miguelito a entrar pelo meio das pessoas de máquina no ar e a gritar “–Olha a foto!”… “–Olha a foto!”… Uma alegria e diversão imensas! Até que o insólito aconteceu… no meio de tanto entusiasmo, passados uns breves momentos…, o Rui Marino gritou alto e em bom som com enorme aflição: “–Onde está a garrafa!?” Ui… virei-me para a estante das Aguardentes e o Rui estava branco como a cal da parede! A agradável Aguardente Aliança Velha que eu lhe tinha oferecido… tinha desaparecido misteriosamente! “–Ninguém sai daqui!” Gritou ele. Toda a gente obedeceu fecharam-se as portas e mais nenhuma pessoa entrou ou saiu do Estabelecimento e no imediato todos foram revistados e… nada de se descobrir onde estava a Aliança Velha! O cubículo dos empregados foi analisado… sem sucesso! O andar de cima, também. A cozinha, lá em baixo, outrossim e a garrafa sem aparecer! Todos os sacos, enormes, dos vendedores de rua foram despejados e nada de garrafa! Nos cestos do lixo… também não se encontrava a Aliança Velha! Casas-de-banho vistas de alto a baixo e buscas infrutíferas! Na refrigeradora… nada! Em lugar nenhum foi encontrada a Aliança Velha! Resignado o Rui Marino ordenou que tudo regressasse à normalidade!

Que coisa!? Quem teria feito desaparecer misteriosamente a garrafa de Aliança Velha!?

Pensativo… despedi-me e regressei a casa.

Absorto e arrebatado nos meus pensamentos, sobre o sucedido, foi quando me sentei ao computador para mais umas publicações no Blogue do “Repórter de Ocasião” e pensando que este seria mais um interessante caso para o “Inspector Rodriguinho” e o seu famoso “Ajudante Lumafero”… que me veio uma “proposta de solução” deste misterioso caso… à ideia! “–Pois… é!” “–Só pode! …” Deduzi.

Regressei, ainda esta tarde, à Pastelaria Kimi… conversei com o Rui… ele boquiaberto concordou comigo e… posteriormente o caso foi deslindado!

 

PERGUNTA-SE AO LEITOR:

– Como teria desaparecido misteriosamente a Garrafa da Aguardente Aliança Velha?

Escreva a II PARTE da história relatando como tudo teria sucedido narrando a sua opinião sobre o caso elaborando a sua “proposta de solução”!…

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO