Autor O Gráfico | Detective Misterioso Data 3 de Maio de 1991 Secção O Detective
- Zona A-Team [124] Competição Problema nº 1 Publicação Jornal de Almada |
O AMIGO DESCONHECIDO O Gráfico & Detective
Misterioso (póstumo) O
“Amigo Desconhecido”, assim lhe chamavam os habitantes daquela pequena aldeia
piscatória, facilmente cativou os gentes de tal amigável meio (até os mais
admirados por sua presença, ali, enigmática e misteriosa, continuar por
explicar) devido à sua simpatia e afectuosa maneira
de estar na vida, pois, para tudo sorria e a todos ajudava na pesca, além de
prestar outros serviços, sobre vários, inúmeros e infindáveis trabalhos,
desde, cavar no campo, fazer de serralheiro, encarregar-se da limpeza dos
contentores do lixo, pintar embarcações ou efectuar
recados permanentes! Sem dúvida, era um homem dos sete ofícios! A
sua fisionomia aparentava sessenta anos, mostrando a tez totalmente queimada
pelo sol e enormemente enrugada; todavia, na realidade, sabia-se, o bom
"Amigo Desconhecido", ainda não tinha chegado aos cinquenta anos,
aquela horripilante cicatriz, em forma de “vê”, que lhe ocupava amplamente a
face esquerda, não fazia ninguém acreditar que ele seria menos jovem. (…)
Sempre calçara uns tamancos por baixo dos pés nus, desde o dia em que após
uma medonha tempestade, aparecera misteriosamente na linda e formosa praia de
areias elegantes e dourados daquela aldeola. O calçado rústico, com a base em
madeira, fora-lhe ofertado pelo carpinteiro da terra. O “Amigo Desconhecido”
jamais se desfizera de tão estimado e útil presente. Até diziam que dormia
calçado! Com
estatura mediana, o “Amigo Desconhecido”, era forte e saudável, não
deslustrando quem sempre acreditava em si e nos “jogos” entre as aldeotas da
região, era fervorosamente o “campeão” em quase todas as disputas, desde que
ali chegara! Quem tinha muitos ciúmes dele era o “João-Braço-de-Ferro” que na
sua primeira partida com tal ilustre personagem fora destronado
impiedosamente pela valentia e humildade do “Amigo Desconhecido”, jamais
conseguindo recuperar tão invejável posição! Um dia, na brincadeira, até
chegara a afirmar que a única maneira de voltar a ser o melhor era, sem
dúvida alguma, matar aquele homem…! Mas, quem é que ousaria tal afronta se o
“Amigo Desconhecido” apresentava um arcaboiço dos diabos? Na melhor das
hipóteses, sempre seria mais saudável continuar-se a ser eternamente
“segundo” mas, lá que isso custava muito, também era uma verdade….! Quando
o acarinharam e lhe deram o sustento, depois da tempestade, logo o alcunharam
de “Amigo Desconhecido”, pois, ele afirmava constantemente: “– Eu não sou ninguém! Não tenho nome! Não tenho família!
Sou filho do mar! No mar nasci e será no mar que hei-de
morrer!… “ Com
a roupa, pouco ou nada se preocupava, qualquer calça dum pescador e mesmo uma
camisola de lã grossa, quer fosse inverno ou verão, estivesse frio ou calor,
permanecesse na pesca ou em terra firme, era o que sempre vestia. Levava, por
vezes, para a pesca, um avental impermeável, quando, sózinho,
numa pequena embarcação, lá ia em substituição do “Zé-Copos-de-Três”, para
ganhar algum dinheirito em prol da família daquele, por que o “Zé” se
embebedava duas vezes por semana! E, sem a pesca daqueles dois dias, a
pequena Marília, esposa do ébrio, com os seus três filhos, não poderia
sobreviver. Mas o “Zé” não tinha juízo e o “Amigo Desconhecido”, fazia o
frete por ele, embora o ajudado não gostasse de tais favores e uma vez
tivesse tentado sovar quem o auxiliava… Ora, a resposta óbvia foi ter levado
dois sopapos no nariz que o entortaram para o resto da vida! Até
para a pesca o “Amigo Desconhecido” levava os tamancos calçado e quanto ao
oleado nunca o utilizava sem ter a grossa camisola, por baixo, protegendo o
tronco. O impermeável não lhe fora oferecido. Tinha-o ganho numa corrida
contra o “Miguel-Pés-Leves” – que possuía a mania que ninguém naquela terra
fazia os quatrocentos metros em menos tempo do que ele, na aldeia e nas
proximidades! Tanto desafiou o “Amigo Desconhecido” para um tira-teimas,
muito o provocou, dizendo que aquele poderia ser bom em tudo, menos a correr,
que o resultado foi ter perdido o avental na aposta, já que o visitante
deixou-o, na linha da meta, a dez metros de distância! E o Miguel era um
jovem de 27 anos mas o agilidade do adversário tinha sido uma coisa
indiscritível, como, aliás, era inexplicável toda a sua perfeição em tudo que
fazia…! O
“Amigo Desconhecido”, como afirmava várias vezes, veio mesmo a morrer no mar,
pelo menos, foi lá que descobrirem o seu cadáver, inerte. Um dia, partiu para
a pesca, mesmo com o mar revolto em tempo de tempestade, não ligando aos
conselhos amigos, – que era perigoso, porque o barco do “Zé” era frágil e… a
tragédia aconteceu, ao que se supunha!… (…)
O bote abeirara-se da praia, trazido pelas ondas, durante a noite,
completamente à deriva, sem ninguém e fora recolhido pelo “Zé-Copos-de-Três”
que depois de lhe passar a bebedeira dirigira-se à praia para se reanimar com
a brisa marítima vindo do mar, – pelo que afirmara. O
corpo foi encontrado, pela madrugada, a boiar ao sabor da maré, de peito para
cima, – conforme dissera “João-Braço-de-Ferro” às autoridades da cidade mais
próxima que para ali foram chamadas a fim de presenciarem o acontecimento. As
primeiras pessoas a olharem para o cadáver, além do João, foram: o
“Miguel-Pés-Leves”, proferindo no seu depoimento que o morto trazia, somente,
ainda, um dos socos consigo; e também o “Luís-Batoteiro”, rival da vítima, no
jogo de cartas, e que dissera que fora ele quem tirara o oleado que cobria o
corpo desnudo do morto, assim, que o João o trouxera para a praia. A
Guarda-Fiscal que não atinara muito bem com as causas e consequências daquela
misteriosa morte, uma vez que o corpo não apresentava qualquer ferimento
visível, pelo menos aparentemente, resolveu solicitar paro aquele lugarejo a
digno presença de alguém superior e com créditos firmados, não fosse o caso
tornar-se complicado. Ora, quem haveria de comparecer, a não ser o
inconfundível Inspector Rodriguinho mais o seu
inseparável Ajudante Lumafero, acompanhados do
meticuloso e perspicaz Agente Prata!?… Embora
os interrogatórios feitos aos habitantes da aldeia fossem muito parcos,
registamos aqui alguns, dos principais intervenientes na descoberta do corpo,
que confirmam, aliás, aquilo que já foi narrado: “JOÃO-BRAÇO-DE-FERRO”
– De manhãzinha, ao vir até à praia, descobri o corpo a boiar de barriga para
cima! Vi logo que era o “Amigo Desconhecido” e fui lá buscá-lo, até porque o
Zé já havia recolhido o bote e vocês sabem que as notícias, nas aldeias,
correm depressa! Entretanto, apareceram logo o “Batoteiro”, o “Zé” e o
“Pés-Leves” “ZÉ-COPOS-DE-TRÊS”
– Eu cá, pata ver se me passava completamente a bebedeira, vim, de noite, atá
à praia pois, com a brisa vinda do mar, fiquei como novo! Foi quando
vislumbrei o barco à deriva e o trouxe para terra. Falei com o
“Braço-de-Ferro” e, de manhã, muita gente, ao mesmo tempo, quase, viram o
“João” ir buscar o corpo. “LUÍS-BATOTEIRO”
– Sabem, eu era amigo do homem, embora ele me desse sempre uns grandes
“bigodes” a jogar à “bisca-dos-nove”! Uma vez, ainda “afinei” com ele, mas o
“cabedal” do tipo impunha respeito, não era?… Agora, coitado, já não ganha
nada a ninguém… Quando o João o deitou na areia fui eu quem lhe despiu o
impermeável que lhe cobria o tronco nú. Devia ter
morrido assim, pois, atrás das costas ainda se notava o nó do oleado com o
laço a segurá-lo. “TÓ-BRANQUINHO”
– Olhem, senhores inspectores, quando eu cheguei à
praia, já lá estavam o “Zé-Copos-de-Três”, o “João-Braço-de-Ferro”, o
“Miguel-Pés-Leves” e o “Luís-Batoteiro”, todos em redor do corpo. Até
pareciam estar em conferência de imprensa! E só olhei para o “Amigo
Desconhecido” um bocadinho… depois emocionei-me, enquanto aqueles quatro de
davam palmadinhas nas costas e cada um falava para o seu lado que eu nem
percebia o que diziam. Coitado do “Amigo”, quem é que me vai agora ajudar na
padaria, nos momentos de aflição?… Eu bem o avisei para ele não se
meter-ao-mar com um tempo daqueles… Uma onda maior, um desequilíbrio
qualquer, seria fatal… Mas ele era teimoso e… corajoso! “MIGUEL-PÉS-LEVES”
– Fui eu quem tirou o soco ao “Amigo”, ainda o trazia, coitado! Bom tipo, bom
corredor. Olhe, agora, vou ficar, outra vez, com o impermeável, se me
permitirem tal coisa, pois claro… é que era uma recordação de família! “TIAZINHA-BARATA”
– Tinham de o matar, tinham de o assassinar, não era?… Seus malandros! Não
acredito que o “Amigo Desconhecido” se deixasse vencer pelo mar revolto, ele
que era um homem forte e inteligente! Tinham era inveja dele, da sua
valentia, da sua coragem, da sua resistência… Malvados! A
"Tiazinha-Barata”, a anciã lá da bonita aldeia, era quem tratava da roupa
da vítima e fora quem lhe arranjara um pequeno quarto, com um divãzinho para
ali pernoitar. A velhota de lânguidos cabelos brancos, reflexo da adiantada
idade, mostrava-se imensamente indisposta e indignada com a morte do seu
hóspede… Enfim,
no meio de toda aquela confusão, o Inspector
Rodriguinho e o Agente Prata teriam qualquer coisa para dizer… até porque já
haviam consultado as anotações do Ajudante Lumafero
e, afinal, o corpo do “Amigo Desconhecido” continha um evidente hematoma na
nuca, além de leves escoriações no pescoço, factos normais e plausíveis para
os associarem à tragédia, uma vez que toda a gente estava convencida, à excepção da “Tiazinha”, que o “Amigo Desconhecido” fora
vítima da tempestade e… uma queda no interior do barco, batendo com a nuca
numa das bordas da embarcação, com consequente perda de consciência e queda
no mar tumultuoso estava mesmo a condizer!… E
você, caro leitor? O que se lhe oferece dizer sobre esta história?… Raciocine
e investigue os dados que lhe são lançados no texto e apresente o seu
relatório minucioso evidenciando todas as necessárias particularidades que
mereçam esclarecimento. Leia por várias vezes o conto! Embrenhe-se no
contexto dos factos! Seja você mesmo um dos personagens da aldeia! Pense como
agiria e verá como facilmente chegará a uma resolução verosímil não deixando
de aplicar os seus conhecimentos. “Quem”? “Quando”? “Como”? “Onde”? e… “Porquê”? É uma sugestão. Pergunta-se,
para facilitar: 1)
– O “Amigo Desconhecido” terá sido assassinado ou foi vítima de um acidente
no mar agitado? 2)
– Confirme a sua resposta utilizando os dados mencionados no texto e outros
eventuais conhecimentos. |
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© DANIEL FALCÃO |
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