Autor

Onaírda

 

Data

29 de Junho de 2008

 

Secção

Policiário [884]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2007/2008

Prova nº 6

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

A CONFRARIA DO TERROR

Onaírda

 

Na parte de investigação criminal, apenas se refere que Orion foi assassinado com uma punhalada no coração, dentro do escritório de sua casa, num período temporal entre as 17h00 e as 17h25. Não foi suicídio, porque o punhal não estava lá. Não são fornecidas pistas de quem possa ter sido o criminoso. E desta maneira temos de fazer uma selecção das figuras enunciadas no texto para saber qual delas tinha a possibilidade de cometer o crime naquele espaço de tempo. Isto é, aquelas que não tinham álibis a provarem a impossibilidade de estar na casa de Orion naquele período temporal.

Artemisa, Vénus e Ceres juntaram-se a partir das 16h00 e ficam afastadas desta hipótese. Também não há referências, de que as três mulheres, em conjunto, tivessem interesse em matar o marido de Artemisa. Minerva estava na sede desde as 16h00 e teve a companhia do secretário às 16h45. O vice-presidente e o tesoureiro estavam reunidos num local desde as 16h00 e lá estiveram até saírem e irem para a sede aonde chegaram pelas 18h30. Não se reconhece que, conluiados, tivessem interesse na morte do presidente, embora este estivesse “a pôr o rabo”; mas a situação convinha-lhe para ser beneficiado, eventualmente, por ele.

As mulheres do tesoureiro e as dos três vogais estiveram juntas naquele período em plena sessão de cinema.

Resta assim Artur, o motorista, que só aparece às 18h30, quando vai buscar os três vogais, havendo a hipótese de ser ele o criminoso. Pode estar na casa do presidente entre as 17h00 e as 17h25, tem a chave de casa dele e o acesso facilitado. É esta a pista que Garçôa vai seguir. E será possível a sua confissão, se o “teórico” lhe der a entender que descobriu a verdade em teoria, através de algo em que um “Escorpião” é peça fundamental e manipulada sem o saber. E o desespero de ter sido enganado vai levá-lo a confessar que assassinou Ruy d’Orey.

Sabe-se que o “teórico” ajustava a sua cultura para levar a bom termo as investigações a seu cargo. Neste caso aproveitou a leitura da noite anterior para introduzir um tema cultural, como se de um caso real se tratasse. É um sistema muito usado em provas deste tipo, para testar a cultura dos candidatos. Estamos a falar de mitologia clássica. O texto refere que ele leu uma obra de A. R. Hope Moncrieff – este escritor é o autor do Guia Ilustrado da Mitologia Clássica. Daí que “o teórico”, para compor a sua história, se vá servir de figuras lendárias no ramo da mitologia. Das figuras masculinas interessa-nos retirar Orion (o gigante caçador que estragava as caçadas de Artemisa) e Escorpião, que são as alcunhas do presidente e do motorista. Das figuras femininas retira-se Artemisa, a deusa grega da caça. Há ainda uma referência a um animal, Tubarão, que é a alcunha do vice-presidente, que por ambicionar o lugar do presidente se comporta como um autêntico tubarão. O facto de andar envolvido com a mulher do presidente também faz jus à alcunha. E a escolha do restaurante de nome Mithos, sendo comunicado à mulher do presidente, tinha o objectivo de nela instalar – e não afastar a crença – de que deveria eliminar o marido, cumprindo a verdade mitológica. Trabalho de sapa, para um Tubarão, já se vê. Além disso, também temos a figura de Aurora (ajustada como sendo mulher de um dos vogais) como sendo amante de Orion. Portanto, será o Víbora o vogal atraiçoado pelo presidente.

Escalpelizemos, então, as sagas destas figuras mitológicas e as coincidências com o assassínio do Presidente da Confraria do Terror.

Orion (alcunha do presidente) nasce numa cova, onde estavam enterrados os restos mortais de um touro e no qual Zeus, Poseidon e Hermes, a pedido de Hireu, tinham impregnado uma gota de sémen de cada um. Concebido sem mãe, cresceu forte, mas sem sentimentos morais, e foi um “gigante caçador”.

Mais tarde ele estrupa a mulher de Enopião e este cega-o como vingança. Mesmo assim, Orion recupera a visão, ficando com os olhos cheios de fogo (paixão). Conhece a deusa Aurora, apaixona-se por ela e esta deixa-se possuir. A partir daqui, para Orion, as mulheres significam pouco, pois ele considera-as voláteis, fracas e interesseiras. Conhece Artemisa, mas nunca consegue entrar em seu coração para lhe sondar os mistérios. Artemisa quer ver-se livre da sedução dele, bate com uma clava na lama e surge um Escorpião terrível e venenoso que persegue Orion e lhe dá uma ferroada mortal no coração. Acabou, assim, definitivamente a vida de Orion. Esta cena está imortalizada no céu na constelação Orion, tendo o Escorpião ao seu lado. Curiosamente Orion desaparece no Ocidente e Escorpião no Oriente.

António Garçôa testava assim, deste modo, a cultura dos futuros inspectores, relacionando um crime virtual com uma coincidência mitológica.

Os factos passaram-se da seguinte forma: o vice-presidente (Tubarão) quer o lugar do presidente (Orion), seduz a sua mulher (Artemisa) e convence-a a eliminar o marido. Esta, para agradar ao amante e para se ver livre do marido, convence o motorista Artur (Escorpião) a assassinar metodicamente o presidente. Artur tem a chave de casa do patrão e sabe que ele está sozinho em casa. Para ele foi fácil cometer de surpresa o crime. O presidente, que se alcunhou de Orion, conhece mitologia, sabe que sua mulher é Artemisa e que esta é amante do Tubarão, pelo que receia o seu futuro. E quando recebe a punhalada desferida pelo Escorpião reconhece os seus receios e escreve num papel que o seu destino estava escrito!

Resta concluir que o vogal atraiçoado pelo presidente é o Víbora, marido de Aurora.

© DANIEL FALCÃO