Autor

Paris

 

Data

21 de Março de 1999

 

Secção

Policiário [402]

 

Competição

Torneio “Detective Rápido"

Prova nº 2

 

Publicação

Público

 

 

DESEJO DE VINGANÇA

Paris

 

Saí do táxi e olhei para as casas em frente. Eram apenas três, juntas, rodeadas de campos. As outras casas mais próximas estavam um pouco longe, mas isso seria efémero, pois no campo em frente das três habitações estava uma tabuleta a anunciar a localização da nova urbanização dos arredores de Bragança.

A casa do meio em a maior e mais acolhedora. Tinha um jardim grande e bem tratado, muito diferente do da casa da direita, onde a relva crescia ao abandono e o aspecto das duas mesas do jardim deixava muito a desejar. Não sabia quem lá morava. Mas na do meio, sim. Era Pedro Castro Teles, o responsável pelos meus longos anos passados na prisão, longos anos que aproveitei para ler livros policiais, tirar informações sobre ele e congeminar um plano perfeito. Durante os últimos meses na prisão, tinha feito os últimos arranjos naquela que seria a minha grande vingança.

A outra casa, à esquerda da dele, era uma pequena pensão, com um aspecto exterior pouco acolhedor, embora o jardim denotasse alguns cuidados, assim como as mesas de jardim. Para já era essa que me interessava. Entrei, pedi um quarto e algumas informações à simpática mas simplória dona da pensão, Mariazinha, como ela fez questão que lhe chamasse. Por ela fiquei a saber que naquele momento só lá estavam hospedadas mais duas senhoras, que o Pedro e a sua família se encontravam em casa, de férias, e que a terceira casa, embora estivesse quase sempre desabitada, abrigava presentemente um homem dos seus 50 anos.

Depois desta breve conversa, subi para o meu quarto, arrumei as poucas coisas que trazia comigo e olhei pela janela. Tivera o cuidado de pedir um quarto com vista para a casa ao lado. O relógio marcava dez da manhã.

O almoço tomei-o na pensão. Só uma hóspede lá estava. A outra, segundo Mariazinha, fora passar o dia a Espanha. Depois do almoço, recolhi ao meu quarto, pois queria acabar de ler um livro. Foi muito a custo que acabei de ler as últimas páginas, devido ao calor infernal que se fazia sentir.

Desci e caminhei para o jardim, apesar de estar ainda mais calor e de não haver a mais pequena aragem, coisa desconhecida nesse dia. Sentei-me na segunda mesa e olhei para a ocupante da primeira. Era a outra hóspede, uma jovem muito bela, dos seus 25 anos. A sua expressão calma, que mantinha enquanto lia uma revista, endureceu quando se apercebeu que eu estava presente. Talvez quisesse estar sozinha…

A porta da casa ao lado abriu-se e de lá saiu um miúdo acompanhado do pai, Pedro. Observei-o atentamente enquanto enchia um balão ao filho. Não mudara nada durante todos aqueles anos, pelo menos fisicamente. Mentalmente, devia ter mudado muito, provavelmente para melhor. Depois de encher o balão, disse ao filho que estava sem fôlego e voltou para dentro. O miúdo ficou a brincar com o balão, e as persianas, tanto da sua casa como da pensão, fecharam-se. Sol “oblige”…

Como a jovem hóspede se mostrava ainda mais carrancuda e pouco disposta a entabular conversa, subi para o meu quarto e tentei dormir um pouco. Eram 3h30 da tarde.

Às 4h25 desci. Um burburinho instalara-se no exterior da pensão, acordando-me. Desci logo, pois, curioso como era, queria saber o motivo daquela pouco habitual quebra de silêncio. Quando saí da pensão vi um carro da polícia em frente da casa de Pedro, estando dois polícias a falar com ele e com a sua esposa, que não parava de chorar. A alguns metros estavam os doo-nos da pensão e a hóspede que estivera a ler no jardim, só que agora estava ainda mais carrancuda. Em frente da outra casa, estava um homem que eu deduzi ser o ocupante dela.

Aproximei-me de Mariazinha e perguntei-lhe a razão da presença da polícia no local.

– Que desgraça! Nem imagina o que aconteceu. Foi a menina Sofia (a outra hóspede) que me contou tudo, ela é testemunha cola… hum… como é que se diz?

– Ocular? – arrisquei.

– Sim, é isso. Ela e o senhor da outra casa viram tudo. Primeiro, por volta das 4h10 parou um carro em frente da casa do sr. Teles. O senhor da casa ao lado que nesse preciso momento se tinha instalado na mesa do jardim para ler o jornal e lanchar, reparou que o carro tinha matrícula espanhola, mas infelizmente não a fixou. Passados cinco minutos, o balão do pequeno voou para fora do jardim parando ao lado do carro. Quando ele o foi apanhar, um homem saiu do carro e raptou-o. Ai, que desgraça! – choramingou.

Muito satisfeito, embora não exteriorizasse esse sentimento, aproximei-me do homem que vivia na terceira casa Parecia muito abalado e, como já tinha prestado declarações, convidou-me para lanchar com ele na mesa do jardim.

– Ainda não tinha começado a lanchar, pois primeiro gosto de ler o jornal, quando aconteceu aquilo. Isto tudo é muito excitante não acha? – sussurrou ele, de modo a que só eu ouvisse.

Espantado com este comentário, balbuciei um sim. Com certeza o homem devia ter um “parafuso” a menos. Que outra explicação para alguém que lia o jornal e lanchava numa mesa sem guarda-sol, num dia de calor tórrido?

Entretanto, o homem continuava a falar da sua surpresa quando o homem arrancou com o miúdo dentro. A hóspede da pensão ficara muito aflita e tinha logo vindo pedir a sua opinião. Depois, estivera o tempo todo cum os Teles coitados, eram os dois muito simpáticos, não lhes devia ter acontecido aquilo logo a eles.

O homem falava, falava, falava, mas eu já não o ouvia. Enquanto tentava beber a laranjada, metade dela em gelo, a indiciar que tinha estado no congelador, sorria intimamente. Eu estava a ser vingado!

Quem teria raptado o filho de Pedro?

 

A – Eu.

B – Os ocupantes do carro descrito pelas duas testemunhas.

C – A menina Sofia e o homem da terceira casa.

D – Os ocupantes do carro, a meu mando.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO