Autor Data 28 de Maio de 2000 Secção Policiário [463] Competição Prova nº 4 Publicação Público |
O ASSASSINATO DO AMADO MESTRE Paulo A vivenda erguia-se
solitária num bairro residencial construído nos anos 50, onde algumas das
casas se encontravam já desabitadas, à espera de serem demolidas, para em cima
se erguerem os elevados vultos dos prédios de apartamentos que já vinham
estugando o passo ao fundo da rua. A Narciso Morais fora
atribuída a missão de ir visitar a mansão e fazer as perguntas que achasse necessárias
aos moradores, com o objectivo de esclarecer o
crime ocorrido na última noite. No bolso, levava rascunhadas algumas notas,
escritas pelo seu colega que estivera de piquete e que já visitara o local do
crime. Na casa vivia uma seita,
que misturava astrologia e religião numa miscelânea incompreensível para
qualquer não iniciado. A opinião de Narciso Morais acerca da astrologia não
era a mais lisonjeira. Ele, que era um astrónomo amador, não aceitava a
crendice associada aos objectos que gostava de
observar: estrelas, planetas cometas, etc. A vítima fora o guia espiritual
da seita, professor Sirius, Tomé da Conceição
Casquinha de seu nome, que aparecera degolado num banho de sangue, perto da última
meia-noite. Fora encontrado nesse estado pelos seus três seguidores, Belmiro
Torres, Aurora Cardeal e Pedro Reis, residentes como ele naquela casa. Transpirando sob o Sol de
Julho, Narciso Morais abriu o portão do jardim, apenas encostado, e entrou.
Ao toque da campainha, a porta da cassa foi aberta com rapidez por um jovem
de face ossuda, sem carne, que lhe dava um aspecto
mais velho do que na realidade tinha. Relembrando os apontamentos do seu
colega reconheceu na figura que lhe apareceu à frente Pedro Reis. Pediu ao
anfitrião que o conduzisse ao quarto onde ocorrera o crime. O quarto, pertencente ao
professor Sirius, tinha como mobília uma cama, um
roupeiro, um pequeno sofá, uma secretária com uma pequena estante e uma cadeira.
Em cima da secretária cujo tampo estava completamente sujo de sangue, existia
uma carta de zodíaco, também ela ensanguentada. Nas paredes, havia vários quadros
com temas abstractos e com motivos ligados à
astrologia. Narciso Morais, qual Holmes, pôs-se de gatas pelo chão, espreitando debaixo
dos móveis, afastando o sofá, arrastando um pouco a cama, mas nada de
estranho notou. Apenas uma limpeza impecável. Recordou os apontamentos do
colega. “Todos os quartos são
parecidos, variando apenas os quadros nas paredes e os livros das estantes.
As camas encontram-se todas alinhadas segundo o eixo norte-sul geográfico. A
cabeceira fica sempre virada para norte. A secretária está ao fundo da cama,
encostada à parede.” “A vítima deverá ter sido
apanhada por trás. Cortaram-lhe as carótidas, pelo que rapidamente se esvaiu
em sangue. Tombou sobre a secretária com o braço direito esticado sobre o
tampo, e fazendo um ângulo de 45 graus, com o outro braço que se estendia
para a frente, tocando num dos livros da primeira fila da estante que pousava
sobre a secretária. Trata-se do famoso livro de Nostradamus.
“Do lado esquerdo, de uma
janela, pende uma Corda, amarrada à perna da cama, e que termina a cerca de um
metro do jardim.” Narciso Morais olhava em
redor tentando confirmar as notas do seu colega. Lá estava o livro de Nostradamus. Lá estava a cama perfeitamente alinhada. Lá
estava o sangue. Lá estava o giz a marcar a posição dos braços em cima. – Já alguém mexeu neste
quarto hoje? – Não! – respondeu
o jovem – Desde ontem que ninguém aqui entra. Pediu depois Narciso Morais
para Pedro lhe descrever os seus passos na última noite, levando-o aos lugares
onde estivera. – Ontem foi o meu dia de
arrumar a cozinha, pelo que me recolhi ao meu quarto um pouco mais tarde.
Seriam cerca das dez horas. Levou o polícia à cozinha
quase vazia dos electrodomésticos que hoje em dia
ajudam a realizar as tarefas domésticas. – Como vê, fazemos as
tarefas manualmente, pelo que demoramos algum tempo. Seguiram depois para o
quarto de Pedro, que Narciso pode constatar ser semelhante ao do seu mentor. A
cama alinhada, a estante, o sofá, a secretária a cadeira… tudo na mesma ordem
perfeita. Pensou Narciso que talvez aquela casa tivesse sido escolhida,
porque estava alinhada segundo a direcção que
permitia seguir os preceitos daquela estranha seita. – Fiquei aqui a estudar.
Resolvi, como estudo, analisar a carta astrológica do meu amado mestre.
Sentei-me a fazer o meu estudo. Aquilo que vi assustou-me. A morte rondava-o.
A conjunção destes planetas – e apontava para o mapa celeste, cheio de
quadrados triângulos e outras figuras geométricas – e a estrela Sirius, nesta noite de lua nova, eram um prenúncio de morte.
Hesitei algum tempo sobre o que fazer até que me decidi avisá-lo. Fui ao seu
quarto. Eram onze e cinquenta. Bati. A porta não estava fechada, abriu-se, e
viu mestre caído sobre a secretária. Depois chegaram os meus condiscípulos,
que eu chamei, e resolvemos telefonar para a polícia. Fiquei tão perturbado
que ainda não voltei ao estudo e tudo se encontra nesta secretária como quando
ontem a abandonei. – A porta da casa é fechada
à noite? – É. Eu, como iniciado-mor,
tenho o dever de fechar todas as portas e janelas, excepto
as dos quartos durante o Verão, a partir das oito horas. E a partir desse
momento ninguém mais se poderá ausentar dessa casa até às oito horas da
manhã. Narciso olhou a secretária.
Batia certo com o que Pedro dizia. Como amante da astronomia, ele sabia da
conjunção em simultâneo com a mudança de fase da lua. Só que ele não a temia,
apenas achava que se tratava de uma coincidência e de um fenómeno natural digno
de ser observado, enquanto que o outro se assustava
com a sua superstição primária. Narciso olhou os apontamentos.
– Leve-me junto de Aurora
Cardeal. Pararam junto da porta de
um quarto onde Pedro Reis bateu. Apareceu uma jovem despenteada, descalça, de
olhos inchados, com olheiras, e envergando uma túnica roxa que lhe chegava aos
pés, e que lhe dava um aspecto lúgubre. Narciso mandou Pedro
esperar à porta e entrou. O quarto era idêntico aos outros. Apenas a cama desfeita
o tornava diferente. – Estou aqui deitada há
horas, e não consigo dormir. Uso esta túnica relaxante na esperança de melhorar,
mas não está a fazer efeito. Ontem estava em meditação
quando ouvi chamar. Não sei bem que horas eram, apenas sei que não era
meia-noite. Para essa hora coloco um despertador, pois tenho que ler um pouco
da obra do grande mestre Nostradamus. A voz que me
chamava despertou-me do transe e fui ver o que sucedia. Ao chegar ao quarto
do amado mestre Sirius, desmaiei durante alguns instantes.
Quando acordei, estava deitada na cama do amado mestre. Depois de recuperar,
vi que estavam presentes o irmão Pedro e o irmão Belmiro. Narciso Morais deu uma
mirada à secretária de Aurora, onde repousava, na mesma posição que no quarto
do professor Sirius, o livro referido. A rapariga deitara-se sobre
a cama e olhava fixamente o tecto ausente. Vendo que não adiantaria
muito ali dentro, Narciso saiu. Pedro Reis aguardava-o no exterior do quarto,
e, como que adivinhando a que o polícia pretendia, levou-o ao quarto de Belmiro.
Este era jovem, também, com
ar mais pálido que Pedro e ainda mais magro. – Foi terrível. E eu soube
o que se iria passar. Depois que me recolhi, por volta das nove horas e
comecei o meu estudo, percebi que um drama se podia abater sobre o nosso
templo. Ontem era o dia de entrar em transe, elevar-me do corpo, e procurar o
futuro. Durante o transe vi o amado mestre a ser levado pelo espaço. Percebi
que era um sinal, mas pensei que o amado mestre também vira o perigo e
estivesse prevenido. Não sei quanto tempo circulei dentro deste quarto,
tentando tomar uma decisão, olhando constantemente o relógio, sem saber se
haveria de cometer a ousadia de o prevenir do perigo. Fui à janela, eram onze
horas e quarenta e nove minutas, e vi um vulto a fugir. Bem iluminado pelo
luar recortando-se entre as árvores do jardim e saltando o muro. Senti um
baque e corri ao quarto do mestre onde já estava o irmão Pedro. Depois chegou
a nossa irmã Aurora, que desmaiou, e só depois chamámos a polícia. Narciso Morais tirou o
amarrotado papel do bolso, lendo mais algumas notas. “Um grupo de gente
estranha. Com hábitos e manias incompreensíveis. Vivem numa casa com trancas
em todas as portas e janelas, são fechaduras um pouco arcaicas mas seguras.
Todas as portas e janelas se encontravam bem fechadas com excepção
das do quarto da vítima e de Belmiro.” “Todos os quartos são no
primeiro andar. A faca do crime e umas luvas ensanguentadas, com proprietário
desconhecido, estavam junto do corpo.” “Pedro é o mais antigo da
seita. É membro há cerca de dois anos. A rapariga entrou para o grupo há perto
de ano e meio. A entrada de Belmiro é mais recente. Tem apenas dois meses
como membro.” Narciso Morais abandonou a casa,
sendo acompanhado por Pedro até à porta, pensando no relatório que iria
apresentar ao seu superior. Termina aqui a narração e
pergunta-se: Que irá escrever Narciso
Morais neve relatório? A – Vai indicar Pedro Reis
como assassino. B – Vai indicar Aurora
Cardeal corno assassina. C – Vai indicar Belmiro
Torres como assassino. D – Vai sugerir que o crime
foi cometido por alguém que não os moradores. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|