Autor Data 4 de Junho de 2006 Secção Policiário [777] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2005/2006 Prova nº 8 Publicação Público |
ANTÓNIO, ANTONINO, ANTÃO E ANTONIETA Paulo O Jerónimo era um bom
companheiro, que tratava todos os colegas de trabalho por tu. Jamais
esquecerei os anos que compartilhei com ele na Brigada de Homicídios. Até
parece que estou a falar de um defunto, o que não é verdade, tratando-se
apenas da nostalgia de ver mais um “companheiro de armas” a sair, pedindo a
“reforma antecipada” porque já não está para aturar quem manda deste país. Mas o melhor é deixar as
maleitas nacionais e regressar ao Jerónimo, pois é sobre ele este texto.
Foram muitos os estagiários sobre quem o Jerónimo teve que elaborar um
relatório do seu desempenho, incluindo eu, e o parecer mais ou menos positivo
dependia, entre muitos outros factores, de um
pequeno caso que ele apresentava como tendo sido resolvido por si, embora
fosse nítido que se tratava de um produto da sua imaginação, e querendo que
os estagiários também o resolvessem. Para quem falhasse, o mais certo era ser
“expulso” dos homicídios. Embora não tenha a “verve”
do Jerónimo, vou tentar reproduzir o texto nos termos em que ele narrava o
caso. “Meu caro,
vou contar-te o meu primeiro caso. Já lá vão uns anitos, pelos inícios da
década de 70. Foi um caso de morte, numa vivenda, ali para os lados de Mafra.
Quando lá chegámos, já levávamos algumas informações que nos tinham sido
prestadas pela GNR, via
telefone. Era uma casa onde viviam
três irmãos: António, Antonino e Antão. António era um D. Juan
incorrigível, não podendo ver umas saias; Antonino tinha um problema
psiquiátrico, diagnosticado por vários médicos, que não lhe permitia mentir,
enquanto Antão, apesar de ser seu irmão gémeo, tinha o problema exactamente oposto: mentia sempre. Fora António quem morrera.
Umas pancadas na cabeça, dadas com uma pequena estatueta de pedra, tinham-lhe
retirado a vida. Entrámos na casa pela porta
da frente, que dava para um pequeno hall, mobilado
com um espelho, uma chapeleira e um cabide para casacos. Em frente ficava a porta da
fatídica sala, enquanto, à direita, um pequeno corredor em forma de L
conduzia para as restantes divisões da casa. Quando entrei na sala, apenas lá
estava o cadáver, à esquerda. A sala era espaçosa, com uma lareira ao fundo,
um móvel-vitrina, de tamanho quase gigantesco, que se dividia em duas partes:
uma parte servia de bar e outra armazenava louça de vidro. No centro da sala
havia uma mesa baixa, com tampo de mármore, rodeada por um sofá grande e dois
mais pequenos, todos de couro castanho. À esquerda encontrava-se a
porta fechada para a cozinha e um móvel que eu não consigo definir, onde
pousavam algumas estatuetas. Era uma delas, cheia de sangue, que se
encontrava caída junto da cabeça do cadáver. Do lado direito, além da
porta que dava acesso ao corredor e às escadas de acesso ao andar de cima,
havia alguns quadros com paisagens pintadas a óleo. Dei uma volta geral pela
sala, observando todos os quadros e objectos, e
finalmente dirigi-me para junto do cadáver. Encontrava-se vestido com
camisola cinzenta sobre uma camisa branca, calças cinzentas e sapatos pretos
bem engraxados. Debrucei-me sobre o corpo,
afastei-lhe a cabeça da porta, onde ficou algum sangue coagulado, e pude
verificar que na zona da nuca não havia ferimentos, sendo estes apenas na
fronte e na zona parietal. Depois de mais uma ligeira
vistoria pela sala, impecavelmente limpa de pó, resolvi começar com os
interrogatórios e saí do compartimento. Facilmente encontrei os dois gémeos,
com ar abatido, sentados numa pequena saleta com aspecto
de escritório e biblioteca. Depois de me apresentar,
perguntei a um deles, que estava vestido com uma camisola verde-escura. – Diga-me o seu nome? Ele resmungou qualquer
coisa que eu não percebi, pelo que perguntei ao outro, que estava vestido com
camisola azul. – Como é que ele disse que
se chamava? – Ele disse que se chamava
Antonino. Satisfeito com a resposta,
perguntei ao primeiro. – O que é que esteve a
fazer durante a manhã? – Eu levantei-me tarde, não
sei que horas eram. Hoje não tomei o pequeno-almoço, ficando pelo meu quarto
a arrumar alguns documentos relativos a umas aplicações financeiras. O resto
já sabe. Foi o meu irmão que apareceu a contar-me da desgraça que aconteceu.
Se calhar foi ele. Eles os dois não se entendiam e fartavam-se de discutir. Achei que já chegava para
ter umas primeiras ideias sobre o que ele fizera e coloquei a mesma questão
ao segundo. – Eu, depois do
pequeno-almoço, onde estivemos todos, fiquei ali na esquina do corredor
sentado a meditar no que deveria fazer, dado que tenho tido muitos conflitos
com este meu irmão. Estive a pensar se deveria sair desta casa. Vi este meu
irmão subir as escadas e pouco depois, pelas nove horas, o António entrar na
sala e fechar a porta. A outra porta, que dá para ao hall,
também estava fechada. Como as portas são antigas e grossas, não se ouve nada
do que se lá passa. Mais tarde, a Antonieta saiu da sala a dizer que o meu
irmão estava morto. Pedi-lhe que me levasse ao
local onde estivera sentado. Na esquina do corredor, lá estava uma
senhorinha. Sentei-me olhando as duas portas da sala. Somando as informações que
recebera da GNR, já tinha o quadro completo.
Antonieta, a empregada doméstica, que desde que chegara, pelas oito e meia,
estivera a arrumar a cozinha, encontrara o corpo quando entrou na sala para
fazer a limpeza; fora procurar os irmãos e estes tinham chamado a GNR, que
por sua vez contactara a Judiciária.” Era assim que o Jerónimo contava o caso,
para rematar de seguida com uma pergunta. – Quem matou o António? Eu descobri, muitos colegas
meus descobriram e todos os leitores também irão descobrir. Indiquem quem foi e
justifiquem muito bem a resposta, pois o Jerónimo também não aceitava
palpites. |
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© DANIEL FALCÃO |
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