Autor Data 26 de Abril de 2009 Secção Policiário [927] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2008/2009 Prova nº 6 Publicação Público |
Solução de: CRIME AO FIM DA TARDE Paulo O
inspector Ivo já tinha uma imagem daquilo que se
passara. De algo ele tinha a certeza. O sócio da vítima, Luís Vaz, mentira.
Tanto quisera enfeitar o seu crime que se enredara completamente na história
que inventara. Ivo
começara a suspeitar no momento em que ele referiu que percebera que o sócio
morrera do tiro que o atingira. Então ele afirmava que não entrara no
escritório do sócio, mas que tinham sido disparados dois tiros, e referia-se
de forma tão inequívoca ao tiro que matara Cid. Como sabia ele que não fora
atingido com os dois projécteis? Que apenas um
acertara? Não! A história começava a cheirar a mentira. Havia
ainda a história dos cigarros. Esta fora uma grande distracção.
Palavras impensadas a tentarem embelezar a narrativa. Então os dois tinham
ficado a fumar cigarros, não tinha sido feita a limpeza do escritório e o
cinzeiro estava vazio, sem qualquer vestígio de cinza no caixote do lixo que
apenas continha papel branco. Fora uma situação inventada. Poderia existir
visitante, mas a restante descrição teria que ser falsa. Depois
há o pormenor fatal. Na descrição que fizera, os disparos teriam sido efectuados do vestíbulo, estando os vidros da porta
partidos para atestarem essa versão; mas a observação do ferimento indicava
características de disparo à queima-roupa, com os tecidos esfacelados e as
chamuscadelas pela língua de fogo da arma, só possíveis com o disparo a ser
feito muito próximo da pele. Eram
estes três pontos que apontavam ao inspector Ivo a
culpabilidade de Luís Vaz. Mas
como fora cometido o crime? Haveria cumplicidade? Não lhe parecia, ou então
no prédio eram todos uns grandes mentirosos conluiados. Além de mais, aqueles
que poderiam ser cúmplices individualmente, estavam com pouca disposição para
essa atitude, dado as relações pessoais serem más. O
economista queria expulsar a vítima e o sócio do prédio. A empregada de
limpeza não tinha razões para querer ser cúmplice de alguém que a humilhara
em público. As
pessoas que estavam no gabinete de contabilidade ou no consultório ilibavam-se
umas às outras e à partida não seria lógico que fossem cúmplices em grupo
daquele crime. O
homem que saiu às 18h02 – quase de certeza o visitante do solicitador, pois
não havia mais ninguém no prédio – fê-lo antes de Cid telefonar para a
polícia. Mais um que não poderia ser cúmplice. Parecia
então que o assassino actuara sozinho. Como o teria
feito? O
crime tinha sido premeditado. Provavelmente vários dias à espera de uma
ocasião propícia. Ivo
achava curiosa a forma como Luís se teria desembaraçado da arma. Não estava
no prédio. Não fora lançada por uma janela, pois pela frente seria vista pelo
polícia em frente da esquadra, e as traseiras estavam inacessíveis. Alguém a
levara, e depois do crime só uma pessoa saíra: Lia, a empregada de limpeza.
Fora ela que, sem saber, transportara a arma dentro do saco do lixo. Teria
sido enquanto limpava o escritório de Rui Pio ou o Gabinete de Contabilidade,
que Luís introduziu no saco do lixo, que estava no corredor, a arma do crime. Esse
acto já tinha sido preparado quando mandou que
nesse dia Lia levasse o pedaço da estátua. Assim não notaria o aumento de
peso provocado pela arma. Se não fosse possível cometer o crime naquele dia,
ainda havia mais estátua para uma segunda tentativa. E se não fosse à
segunda, haveria mais objectos pesados. Fica
assim estabelecida a hora do crime. Pouco depois das 18 horas, com o tiro
fatal disparado à queima-roupa e outro propositadamente para a parede, para
concordar com a história que inventara. Claro que a arma teria silenciador
para os vizinhos não ouvirem o disparo. Quando
Lia regressou para tentar limpar, Luís não atendeu. Podia sempre desculpar-se
que ela não tinha tocado na sua campainha e que não ouvira. Depois
foi só colocar as cápsulas no vestíbulo para fazer crer que os disparos
tinham sido feitos desse local. Enquanto
Lia estava nas limpezas, saiu rapidamente, introduziu a arma no saco do lixo,
provavelmente embrulhada para não ser vista se Lia olhasse para dentro do
saco. Havia
no entanto que deixar sair Lia do prédio antes de denunciar o crime. Desse
modo desaparecia a arma. Assim
que ela saiu, facto que ele podia observar pelo óculo da porta, no topo do
corredor, usou um qualquer objecto para partir o vidro,
esperando talvez que no piso de baixo ouvissem os vidros a cair no chão, e
tentou desse modo estabelecer um diferente momento para o crime. Mas
o inspector Ivo não era fácil de enganar. |
© DANIEL FALCÃO |
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