Autor Data 11 de Abril de 2010 Secção Policiário [977] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2010 Prova nº 4 (Parte II) Publicação Público |
O MEU PRIMEIRO CASO Paulo Recordo
com alguma nostalgia o tempo em que ainda não estava na Polícia Judiciária
(PJ). Nessa época pertencia à GNR e foi na qualidade
de membro dessa corporação que me desloquei a um local onde ocorrera um
crime. Foi este caso que me motivou mais tarde para entrar para a Judiciária. Um
solar do séc. XIX, restaurado, mas que mantinha intactas as grossas paredes
de granito com mais de meio metro de espessura e toda a estrutura arquitectónica, foi o cenário deste crime. A
vítima, Almerindo Silveira, 67 anos, industrial, fora encontrada morta. Uma
pancada na cabeça dada com violência extrema matara-o. Fora encontrado sem
vida no escritório. O compartimento, parcamente mobilado, tinha uma janela em
frente à porta. A arma do crime fora um atiçador da lareira que ficava numa
das paredes do escritório. O corpo, com os braços ao longo do corpo, estava
caído paralelamente à parede próxima, com a cabeça coberta de sangue que
fluíra por um ferimento profundo. O
alerta fora dado por um vizinho que, tendo marcado uma reunião com a vítima
pelas 15h30 com o objectivo de combinarem um
negócio e tendo-se deparado com a situação de ninguém abrir a porta, resolveu
espreitar pela janela, vendo o corpo estendido no chão. Filinto
Sousa, o vizinho, era um homem baixo, com pouco mais de um metro e sessenta,
com 35 anos. Perante a ausência de resposta aos toques da campainha, e
sabendo que a vítima não faltava aos compromissos, decidiu averiguar o que se
passava. De outras vezes que marcara encontros na casa de Almerindo, este
nunca falhara. A
vítima deixava viúva Alzira Silveira, de 33 anos. Esta saíra de casa para ir
ao cabeleireiro, por volta das 14 horas. Quando lá chegou, constatou que se
enganara no dia da marcação, pelo que acabou por andar às voltas no Centro
Comercial até depois das 16 horas, altura em que recebeu o telefonema da
Cristiana a relatar-lhe o sucedido. Voltara então para casa. Cristiana
era a empregada que todas as tardes fazia a limpeza na casa da vítima.
Costumava chegar por volta das duas e meia, mas naquele dia, devido a um
furo, chegara já passava das 15h30. A estrada onde tivera o furo era pouco
movimentada, e nem o facto de ser mulher lhe valera a solidariedade de
qualquer automobilista. Tivera que desenvencilhar-se sozinha, mas lá
conseguira, mesmo tendo que desapertar a roda a pontapé. Vivia
ainda na casa um filho da vítima. Calisto tinha 33 anos e era filho do
primeiro casamento de Almerindo. A primeira mulher morrera, havia mais de 20
anos, vítima de doença. Calisto nunca aprovara o recente casamento do pai com
uma mulher tão nova, tendo as relações entre os dois ficado em mau estado,
com discussões constantes e violentas agressões verbais. Sem ocupação certa,
vivendo dos rendimentos paternos, saíra logo a seguir a Alzira e fora dar um
passeio de carro. Um telefonema de Cristiana fizera-o regressar. Cheguei
ao local do crime ao mesmo tempo que Cristiana, pelo que foi ela que abriu a
porta. Possuía uma chave da casa para poder entrar quando os patrões não
estavam. A porta da rua estava só com o trinco e a porta do escritório estava
apenas encostada, pelo que não tive problemas em entrar. Em
frente da porta, situada ao centro da parede, ficava a secretária, mais atrás
a cadeira e logo atrás o corpo caído de Almerindo, com os olhos fixando a
entrada, como se esperassem um auxílio que não chegou. Aproximei-me
do corpo, afastei ligeiramente a cabeça do rodapé, e foi nesse momento que vi
o ferimento da região occipital. Espreitei pela janela, que estava a pouco
mais de um mero do chão, e vi que dava para as traseiras da casa. Um quintal
arborizado estendia-se até ao muro limite da propriedade. Enquanto
aguardava a chegada da PJ, fui espreitar o exterior da casa. Um canteiro de
flores rodeava todo o edifício, verificando-se na terra mole junto da janela
do escritório a existência de algumas pegadas, que mais tarde se confirmaram
pertencer a Filinto, e algumas flores partidas pelos pés de quem as pisara. A
janela, tal como as restantes, estava talvez a pouco mais de metro e meio de
altura. Não
havia qualquer sinal de arrombamento de portas ou janelas e aparentemente
nada fora roubado. Quando
a Judiciária chegou, eu já falara com Alzira, Cristiana, Filinto e Calisto, e
tinha uma opinião formada sobre o assunto, mas guardei-a para mim. Recolheram
impressões digitais, tendo-se encontrado impressões de todos os quatro
intervenientes em vários objectos do escritório.
Mais tarde veio o relatório médico colocando a morte entre as 14 e as 15
horas. Uma
detenção e posterior julgamento com condenação veio confirmar a opinião que eu
construíra. A investigação não foi minha, mas o facto de eu ter conseguido
deslindar autonomamente o caso mudou a minha vida. Dos
quatro intervenientes no caso, qual terá sido detido? A
– Filinto B
– Alzira C
– Cristiana D
– Calisto |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|