Autor Data 6 de Junho de 2010 Secção Policiário [985] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2010 Prova nº 6 (Parte I) Publicação Público |
A MENSAGEM SECRETA Paulo Um
mistério invade o policiarismo português. Apesar
das muitas centenas de concorrentes aos problemas publicados, são pouco mais de
uma dúzia os que vão escrevendo regularmente textos com enigmas para
decifração. Muitas
razões poderão ser encontradas para tão parco número de autores: falta de
inspiração, medo da crítica, preguiça, etc. Nenhuma delas é impossível de
ultrapassar. Resolver
fazer um problema requer uma ideia para a chave e a construção de uma
história que disfarce essa chave. Pode ser uma mentira, um pormenor
impossível de acontecer, um facto técnico, ou uma multiplicidade de
pormenores passíveis de serem encontrados nos muitos textos já publicados no
nosso país. Várias
são as formas de iniciar um problema, mas a primeira palavra de cada
parágrafo é a mais importante. Ela pode estimular o leitor para a restante
leitura ou diminuir a sua concentração e fazer com que coloque o texto de
lado. Por isso há que ter atenção à sequência dessas palavras. Mas a primeira
letra dessa palavra é que dá o mote para todo o ritmo da frase. Essa é
fundamental. Uma vogal ou uma consoante têm efeitos distintos. Se a palavra
se inicia com uma consoante oclusiva o seu efeito é distinto de uma palavra
iniciada por uma consoante constritiva. Muitos
autores gostam de iniciar os seus problemas de forma sempre igual. Com um
artigo, com um substantivo ou mesmo com uma onomatopeia. Recordo um autor que
iniciava os seus problemas por Trim… trim… Formalizar
um problema coloca dificuldades aos autores em dois níveis: criar a chave e
escondê-la. Se o autor consegue criar uma chave original, nunca publicada,
normalmente inventou-a em determinado contexto e imediatamente fica com a
história completa. Quando tem que se inspirar em chaves já conhecidas, tem
que ter cuidado para não plagiar todo o texto original. Mas,
para quem nunca escreveu um problema policiário, pode parecer fácil que após
se ler num texto uma ideia para a chave se consiga criar uma história
original. Não é! A mente fica presa ao texto já conhecido, dificultando o acto criativo. Há que colocar a imaginação a trabalhar. Distribuir
a chave ao longo do texto é um dos segredos dos autores. Se os pormenores da
solução se encontram demasiado concentrados torna-se fácil a decifração. O
bom autor consegue espalhar por todo o texto pequenas pistas, que só depois
de ligadas da forma conveniente fazem sentido e mostram o caminho da solução. Vários
autores consideram que o bom problema tem que assentar em quatro pilares
fundamentais: clareza do texto, apresentação de todas as pistas, uso de
técnica e ciência conhecidas e uma única solução. Esta perspectiva,
discutível, coloca a solução como parte do problema. Saber
erigir esses pilares em paralelo, simultaneamente, tijolo a tijolo,
calmamente, de forma coerente como qualquer escritor europeu ou americano que
escreva um texto, é a melhor forma de obter um bom resultado. Raras
vezes essa construção falha. Se a planificação é bem feita
a obra sai perfeita. Oferecer
um bom cenário para o crime, determinar o número de personagens e a ordem de
entrada do criminoso em cena é também importante. Uma má planificação do
problema poderá conduzir a um texto difuso, em que situações não previstas
inicialmente originem mais do que uma solução. Outra
situação que origina mais do que uma solução nasce da tentativa do autor a
esconder demasiado ou de querer aumentar a suspeição sobre várias
personagens. Por vezes consegue criar tanta suspeita sobre o inocente que
acaba por o transformar também em criminoso. Hoje
em dia existe um excesso de problemas da chamada “caça ao erro”. Por serem
mais fáceis de produzir muitos autores seguem esse caminho. Tais problemas
acabam muitas vezes por ser injustos para o solucionista, que no meio de meia
dúzia de erros deixa escapar um, sendo penalizado na classificação. Problemas
com um crime, com a mera análise do que está no texto sem ter que haver conjecturas ou especulações, são cada vez mais raros e
espécie em vias de extinção. Devemos
todos lutar contra essa “maldição” que está a cair sobre a problemística policiária. Simplicidade.
É essa característica que deve ter um bom problema. Deve ser simples na perspectiva de chaves claras e objectivas
e não na de chaves expostas ao solucionista na forma “branco é, galinha o
põe”. Um
problema construído de acordo com os quatro pilares enunciados resiste a
tudo. Chegado ao topo pode o autor vaguear, recuar três passos, que o
problema não desaba. Pelo contrário, passará a mostrar a sua coerência e a
dar sentido à solução. Revitalizar
a escrita dos problemas policiários é um papel que cabe a todos. Que ninguém
se retire desse dever. Escrever
um texto é um desafio que cabe a todos os que gostam deste desporto. Não se
aceitam desculpas de falta de jeito. O jeito adquire-se com o treino. Há
um primeiro problema que sai mal? Não interessa. Tenta-se escrever um
segundo. A
segunda tentativa é falhada? Faz-se outra e mais outra, tantas quantas forem necessárias,
que a técnica acaba por se adquirir e um problema bom, ou pelo menos
aceitável, verá a luz do dia. Dêem largas à
imaginação. Acham que a vossa ideia cabe em apenas 10 linhas e o problema
fica pequeno? Não faz mal. Escrevam outras tantas ou mais, com elementos
inócuos para o caso, que vão dificultar a vida ao solucionista e poderão
transformar um caso simples num “verdadeiro caso”. Podem
fazer-se problemas extremamente simples com resultados desastrosos para quem
responde. Às vezes um pormenor, fundamental mas bem escondido causa imensas
surpresas. Há
em Portugal muitos e bons problemas publicados, alguns deles muito simples.
Os novos autores inspirem-se neles, sem os copiar, e verão que brevemente
conseguirão escrever problemas de boa qualidade. Vamos
aguardar que uma nova leva de autores de problemas policiários avance. A
modalidade está a precisar. Esta actividade não
pode sobreviver com tão pouca gente a escrever. Novos autores trarão novos
temas e situações novas. Fortaleçam
a língua portuguesa usando-a como veículo exclusivo para a comunicação,
evitando termos que usam letras em desuso nas palavras portuguesas. Temos um
vocabulário muito rico e vinte e três letras são suficientes. Um
problema policiário escrito por cada um dos concorrentes do policiário seria
o corolário perfeito da mensagem que este texto oculta. Lido
o texto, fica o desafio de encontrarem a mensagem nele
inserida, explicando de forma clara o modo como conseguiram
decifrá-la. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|