Autor Data 1 de Março de 2025 Competição Torneio do Cinquentenário de
“Mistério… Policiário” Problema nº 3 Publicação Blogue A Página dos Enigmas |
A MORTE DO TRAFICANTE Paulo Este
foi mais dos muitos casos onde marquei presença com a minha participação. Era
eu o chefe da equipa da Polícia Judiciária encarregada do caso. A
vítima era um conhecido traficante de cocaína, Alfredo Ramos, um homem baixo,
de um metro e setenta, 46 anos, cabelo bem preto, olhos castanhos, ausência
total de empatia, e pessoa sem qualquer escrúpulo. Apesar
de estar sujeito da nossa parte a uma grande vigilância, tinha sido
assassinado bem perto dos nossos homens, sem eles verem, e, portanto, sem
eles poderem intervir. ***** Fui
conversando com o médico enquanto ele fazia a autópsia. Eu já o conhecia de
muitos outos casos. Era o Gilberto Gomes. –
Foi um projétil de calibre 38. Revólver. Observa bem o orifício de entrada. E
eu vi. Era bem visível, logo acima dos olhos, bem centrado na fronte. Também
vi perfeitamente uma lesão com bordas irregulares, invertidas, ou seja,
voltadas para fora, e uma impregnação centralizada de pólvora. Não
gostava muito de ver aquele cenário, mas fora ficando habituado com o
decorrer dos anos. Entretanto o Gilberto cortava a cabeça para poder
visualizar o seu interior. –
E quanto à trajetória da bala – perguntei? –
Sempre horizontal – respondeu. Isso está de acordo com o impacto observado na
parede. – E já sabes se ele estava de pé, de
joelhos, sentado, ou em qualquer outra posição? –
Estava de pé. Todos os indícios apontam para essa posição. Um deles é a
queda. A cabeça terá caído, desamparada de cerca de um metro e setenta
centímetros, fazendo um fratura óssea na nuca. –
Então, caiu para trás. –
Neste caso, foi! Geralmente vemos, nos filmes, as pessoas a levarem um tiro e
a morrerem imediatamente. Nunca é assim, ou melhor, quase nunca, porque nesta
situação até foi. Um tiro na cabeça levou a uma morte instantânea. E a
energia cinética do projétil fê-lo tombar imediatamente para trás. Vendo
como Gilberto Gomes continuava de volta da cabeça, eu perguntei: –
E na nuca? O
Gilberto observava a parte detrás da cabeça, onde uma outra ferida, maior do
que a da fronte, mostrava a trajetória do projétil: a entrada e a saída. De
instrumento de medida na mão, Gilberto dizia: –
Vês? A distância ao topo da cabeça é a mesma na entrada e na saída, e bate
certo com o impacto do projétil na parede. O
Gilberto tinha deixado a cabeça e dedicava-se ao abdómen, onde fizera os
característicos golpes necessários para a verificação das diferentes
vísceras. –
Comida no estômago! Tinha feito uma refeição, não havia muito tempo, e estava
a fazer a digestão. Vou mandar para análise o conteúdo. Depois, podes fazer a
comparação com outros relatórios e decidires sobre a hora do crime. Continuou
a falar, e eu a fingir atenção, mas tudo entrava a cem e saía a duzentos,
porque a minha cabeça estava noutros locais, juntando todos os pormenores e
escrutinando os suspeitos. ***** Sentado
à secretária, eu olhava uma folha manuscrita com alguns elementos respingados
dos vários relatórios entretanto recebidos. “Não foi encontrada nenhuma arma de fogo no
local, nem nenhuma cápsula”. “A vítima estava caída de costas”. “A queda para trás deixara a vítima com a
cabeça a 5 cm da parede”. “Havia muitas impressões digitais de
Alfredo espalhadas pelo local do crime”. “Havia também algumas impressões da
empregada da limpeza e de outras duas pessoas que no dia anterior tinham
estado lá em casa”. “O cadáver fora descoberto no dia 16 de
fevereiro, cerca das nove e meia da manhã, quando a empregada de limpeza
marcara presença no local. Ela tinha as chaves necessária para entrar na casa”. "A empregada encontrara a porta da casa
apenas encostada". “A primeira análise, baseada nas
temperaturas corporal e ambiental, apontara para a ocorrência do óbito na
noite anterior, dia 15, entre as 9 e as 11 da noite”. “A vítima vivia numa casa que estava
permanentemente vigiada”. “Na noite do crime, no intervalo temporal
em que presumivelmente ocorrera a morte, tinha havido quatro as pessoas a
entrar na casa da vítima, ou melhor, no seu quintal. Todos eram conhecidos da
polícia, pelas atividades exercidas, todas na margem da legalidade”. “Nenhum dos visitantes, à saída,
demonstrara qualquer anormalidade no comportamento, situação expectável
daqueles suspeitos”. “Alfredo era o responsável por um
carregamento de cocaína intercetado por nós, e por isso estava a ser vigiado,
para ver se encontrávamos mais algum dos chefes”. “A mercadoria, em elevada quantidade, e por
isso muito valiosa, pertencia a outro traficante. Não era do Alfredo”. “A vítima falava e escrevia fluentemente
inglês e alemão, embora quando escrevesse para os alemães, ou estes o
fizessem no sentido inverso, a comunicação fosse em língua inglesa”. "A porta da casa foi encontrada apenas
encostada pela empregada". ***** Peguei
num outro papel onde tinha a descrição dos quatro indivíduos suspeitos. Todos
eles tinham entrado na casa e entre eles teria de estar um assassino. “Meyer estava longe de ser um alemão típico.
Media só um metro e cinquenta e cinco centímetros, apesar de muito louro. Era
aquilo que normalmente se designa por pessoa má. Não tinha escrúpulos de
qualquer espécie. As suas estadias no nosso país eram irregulares. Na véspera
quando visitara Alfredo, fora visto entrar com luvas”. “Hans também era alemão. Este já parecia
pertencer à nacionalidade germânica. Com mais de um metro e oitenta de
altura, tinha olhos azuis e cabelo louro. Escrúpulos, também não possuía,
como o demonstravam as muitas atividades de legalidade duvidosa onde estava
envolvido, e também comparecera de luvas na casa da vítima. Vivia em Portugal
havia quatro anos”. Continuei
a ler as informações. Agora sobre os dois estadunidenses. “Campbell era natural do estado do Minesota. Alto,
com um metro e noventa e cinco, parecendo um jogador de basquetebol, entrara
na casa com luvas colocadas. O cabelo preto, curto, ornava uma cabeça onde se
ocultava um cérebro capaz de magicar as mais incríveis manigâncias. Não
falava português, como era próprio dos nativos de língua inglesa”. “Simon era natural de uma cidade grande:
Chicago. Talvez, por causa da sua origem, se julgasse um grande gangster. Cabelo castanho, assim como os olhos, marcavam
um rosto onde se desenhava a inocência de uma criança. O seu metro e
cinquenta e sete de altura ajudava a compor este aspeto infantil. Mas tudo
era fictício. Era um homem duro. Havia já três anos, assentara arraiais no
nosso país e era bem conhecido por todas as autoridades policiais. Para não
variar, visitara a vítima usando luvas”. ***** Pousei
o papel e pensei noutros pormenores. A apreensão da droga ocorrera dez dias
antes, e verificara-se, no comportamento de Alfredo, uma elevada preocupação.
Conseguíramos capturar uma carta que ele iria receber de um dos suspeitos.
Peguei na carta e depois vi alguns excertos, já traduzidos, à letra, da
missiva original, escrita em inglês. O
sobrescrito não tinha remetente nem impressões digitais, assim como a carta
estava completamente limpa. Tudo apontava para o seu autor ser também o
assassino e traficante. A escrita da missiva era motivada pelo facto de
Alfredo não poder pagar, nem conseguir, a enorme quantia em dívida. Por isso
nós o vigiávamos. Haveria o um contacto, disso nós tínhamos a certeza, mas
nunca imaginamos o assassino a correr tantos riscos. Ou
o assassino tinha sido o quarto a entrar na casa, ou todos, ou alguns, sabiam
fingir muito bem uma tranquilidade inexistente, tendo vindo embora quando
encontraram o cadáver. Entraram
todos pelo portão do quintal de muros altos, mas lá dentro não se sabia se
tinham ingressado na casa ou ficado à porta. Não era possível ter visto,
apenas havia a certeza, porque a casa tinha vigias em todo o seu perímetro,
de que mais ninguém passara para o quintal da casa. “Estou preocupado”. “Tem uma semana para me devolver o dinheiro”.
“Até poderiam ser 3 mil milhões, 4 mil
milhões ou 100 mil milhões”. “Quero
os meus 4 milhões”. “A culpa da
apreensão foi sua”. “Não tratou do
assunto devidamente”. “Se não
pagar, morre”. “Já sabe qual será o
seu destino se eu não receber o dinheiro”. Como
era óbvio, o dinheiro não fora devolvido. A
Luísa, uma colega de trabalho constituinte da equipa de investigação,
aproximou-se. – Então, já se sabe mais alguma coisa? –
Penso saber quem foi o assassino. Achas pouco? –
E vais fazer o quê? –
Vou fazer um relatório e enviá-lo para o Ministério Público. Está nas mãos do
Procurador a decisão a tomar. ***** O
Procurador decidiu bem e o juiz julgou, pois tudo veio a ser provado em
audiência, apesar de o assassino acabar por confessar. Em tribunal provou-se
o modo como foi cometido o crime. Demonstrou-se a legalidade das buscas,
ficou evidente a necessidade da vigilância, ficou demonstrado ter sido o
matador a escrever a carta, não fingindo ser outra pessoa, revelou-se que uma
arma encontrada na posse do assassino tinha servido para abater a vítima e
ficou exposta a pertença ao homicida da droga apreendida. ***** Aqui,
interrompe-se a narrativa e pede-se aos leitores, para, com base nas linhas
escritas acima, apresentarem um raciocínio indicador de quem foi o assassino. |
© DANIEL FALCÃO |
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