Autor

Pena Cova

 

Data

16 de Dezembro de 2016

 

Secção

O Desafio dos Enigmas [14]

 

Publicação

Audiência GP Grande Porto

 

 

Solução de:

BILL, O PESCADOR

Pena Cova

 

Bill nada viu porque nada podia ver (é cego!). Ele estava sentado de frente para o rio e o tiro atingiu-o no peito (a bala veio da direção da outra margem do rio). A bala foi disparada de uma distância não superior a cinquenta metros e a margem esquerda do rio fica a centenas de metros (o criminoso disparou de dentro do rio). Cerca de quinze minutos depois do tiro, população local e veraneantes apareceram na praia e nada viram (o criminoso saiu do rio como entrou: a nadar; e desapareceu pelo mesmo sítio por onde veio: pela margem esquerda, encoberto pela densa vegetação).

O magnata americano é um daqueles cegos que costumam dizer, com um misto de orgulho e de raiva contida, que “veem mais do que muitos não-invisuais”. Detesta “solenemente” que o tratem como inválido e há quase três semanas que fazia aquele caminho da vila para o rio, sempre só e apenas à hora em que toda a gente se resguardava estrategicamente do sol escaldante, dentro de casa ou nas sombras mais frescas daquelas paragens. Ao princípio, fazia-o quase às apalpadelas, pé ante pé, mas, alguns dias depois, já caminhava até lá sem grandes dificuldades, para gozar as delícias do Sol que ele adora sentir, forte e agressivo, no seu rosto (a um invisual, o Sol tórrido “tosta” a pele mas não “queima” ou perturba a vista), enquanto aguardava, em silêncio quase absoluto, que o peixe (abundante naquelas águas, o que desperta o apetite de todo e qualquer amante da pesca) mordesse o isco.

Bill era um homem de rotinas e de rituais. E foi isso que quase o perdeu. Ele tinha ido para aquele local longínquo para fugir do stress da sua agitada vida de empresário, com interesses em vários países e nos mais diversos setores de atividade. Ao escolher aquele lugar, para além de poder dedicar-se calmamente ao seu passatempo favorito, ele estava também convicto de que poderia dispensar os seus homens da segurança e viver finalmente algumas semanas em paz, como qualquer vulgar cidadão. Enganou-se! Alguém o perseguiu e estudou pormenorizadamente os seus passos até se certificar de que estava em condições de cumprir a sua “missão” assassina com sucesso e sem ser descoberto. Chegada a hora, mergulhou nas águas do rio até a uma distância que permitisse ter “pé” (num rio com leito muito aberto, mesmo de águas profundas, as margens têm “pé” até larga distância) e deixasse o americano ao alcance da sua carabina. O tiro partiu. Bill caiu para o lado (o atirador não estava numa posição absolutamente frontal ao alvo). Quando se recompôs do susto, o magnata-pescador teve presença de espírito e sentido de humor suficientes para exclamar: “Vi a morte à minha frente e safei-me!”...   

© DANIEL FALCÃO