Autor Data 15 de Abril de 1982 Secção Mistério... Policiário [350] Competição Torneio
“Dos Reis ao S. Pedro” - 82 Problema nº 7 Publicação Mundo de Aventuras [444] |
O FALSO PASTOR Pires Kid Pelo meio-dia o montado parece
silencioso. Apenas o adejar da passarada irrequieta é perceptível… Os rebanhos, que gastaram a manhã
inteira pastando um pouco por toda a parte onde cresce o seu alimento,
descansam nos currais ou à sombra de certas árvores mais frondosas. Impaciente, o lavrador aguarda a seara
madura. De
repente cotovias debandaram de acolá elevando-se nos ares em pequenos grupos,
com piados de alerta; um coelho apressou-se a disfarçar as orelhas e entrou
no tronco minado de uma velha azinheira. Daí a pouco um rapazola surgia,
assomando rápido do lado de lá dó morro. Vinha correndo, derrapou numa pedra,
desequilibrou-se, caiu… Tentou anichar-se atrás de um arbusto e, ofegante,
ali ficou… Parecia
fugir de alguma coisa, os olhos fixos na planície lá em baixo, onde uma
estrada com um renque de sobros à beira sulcava os trigais, consumindo-se aos
poucos no horizonte dos mesmos. Foi
pela estrada que passaram os guardas. Montavam dois belos alazões e ao
vê-los, o nosso rapaz escondeu-se melhor atrás do arbusto. E mal os
republicanos mostraram as costas, saltou do esconderijo. Ficou um momento a contemplar
o andar firme e gracioso das montadas, mas logo se afastou em correria
desabrida pela seara. Os
guardas haviam atalhado caminho por uma vereda. Dirigiam-se agora para o
pequeno arrife onde uma choça de pastor expunha o seu palhiço velho ao Sol. Eram
um par fisicamente desconforme: Um, o gordo,
ostentava um farfalhudo bigode, insígnia de empáfia num certo cofiar
frequente. O outro, saracoteando o corpo ao sabor dos passos da montada,
parecia menos abúlico – ia assobiando. Lá
ao longe avistava-se um rebanho. O seu bulício chegava nítido até aos guardas
que, um pouco antes da palhota, estacaram olhando por entre os azinhos o
rebanho pastando o pousio, tentando descortinar o pastor. Este acabou por
aparecer do lado posterior da choça, e logo um magnífico cão de gado, preso a
uma árvore, redobrou de ladros furiosos. Apressou-se o pastor a admoestá-lo,
mas o animal, cego de fúria não obedeceu. O alentejano, de pelico
e safões, disse qualquer coisa a um rapazito (…por acaso o que nós já
conhecemos) que se afastou correndo, e veio ao encontro da autoridade. O cão,
agora cercado de outros atiças de menor corpulência, ladrava ainda. –
Viva! – saudou o pastor, aproximando-se, tendo o
chapéu na mão. –
Viva… – correspondeu o magrizela. – Isto aqui é a herdade do sr. Rodrigues, não é? –
Sim, senhor. E eu sou o novo pastor da casa, o Galrito – apresentou-se o
homem. Entretanto
o rapazito ainda corria a bom correr para afastar da seara meia dúzia de
ovelhas tresmalhadas do rebanho. O
magrizela apeara-se e trocava conversa com Galrito, que confeccionava
um daqueles cigarros de onça e mortalha: –
Olhe que nos dias de hoje a vida de pastor não é má. Um bocadito só, convenhamos, mas não é má… –
Pois se assim é por que raio ninguém a quer? Não é
bem assim… Um pobre de Cristo vê aqui sumirem-se os dias sem uma noção do
mundo. Sim senhor, sem uma noção do mundo!… –
É como eu disse: um bocadito só, mas no fundo, não é cansativa… –
…Não é cansativa?! O senhor, andando por aí em cima desse nobre animal – e
quase tocava com o indicador no cavalo – a dizer-me, (a mim!), que não é cansativa!
Olhe: ao romper d’alva ergue-se um homem p’ra tirar as ovelhas do acarro e levá-las por aí fora. Um naco de pão amolecido em água é muitas
vezes o almoço… E todos os dias um homem s’alevanta
à mesma hora; come do mesmo pão. E é isto ser pastor… O
outro guarda adiantou a montada e logo soaram grossos rosnidos. O cão preso
junto à palhota eriçava o pêlo enquanto cavalo e
cavaleiro contornavam a palhota. O cavalo fumegando das narinas, nervoso; o
gordo cavaleiro imperturbável… –
…Pois que julga o senhor? – continuou Galrito,
finalmente conseguindo enrolar o tabaco, depois de duas mortalhas. – E então
agora, por causa das searas! Olhe que é preciso ter pernas pra guardar
quinhentas ovelhas. Só além, junto daquele riacho, para as fazer beber na
água corrente, um homem vai-se abaixo e não consegue… Que o outro pastor, valha-me Deus, tinha-as avezadas à seara. –
E aquele rapazito? – perguntou o guarda olhando o
rapaz que de varapau na mão encaminhava para cá o rebanho. –
É meu ajuda. Sem ele não sei o que seria de mim. Mas
o cabo Vieira parava junto deles, e, como se só agora reparasse no pastor: –
Pois nós andamos na ronda. Por cá tudo bem? – perguntou
sem fixar o olhar. – Lá na vila fala-se… – continuou sem ligar à resposta do
pastor. – Fala-se em contrabando. O sr. por acaso não tem notado movimentação por aqui, à noite? Falara
num tom ríspido, que surpreendeu o interrogado. –
Eu não tenho dado acordo de nada, as noites agora vêm enluaradas, e os
mariolas gostam mais das estavas… – descartou-se o pastor, dominando a
surpresa que a abrupta alusão do guarda despertara. E depois de uma pausa
embaraçosa, ele mesmo continuou: – Por modos o outro pastor acoitava aí gente
dessa… Parece qu’o homem andava mal da vida, coitado.
–
Você está ali, na palhoça? –
Estou, sim, senhor. –
Mas também aí pernoita? –
Pois… É como pode ser! Mais a mais o «fadista» não deixa arrumar por aqui
bicho vivo – sorriu e apontou para o cão, que logo desprendeu mais uns
quantos ladros. E
tendo assim interrogado, o gordo cabo Vieira afastou-se no seu constante
admirar as coisas… O
rapazito entretanto regressaria, depois de encaminhado o rebanho. Contemplava
ele o belo alazão quando Galrito o chamou: –
Ó chico, vai lá depressa arranjar o leite d’uma ovelha aqui p’ra este senhor. Se fores capaz, agarras também uma
daquelas crias que nasceram gémeas. E vai rápido, ouviste? Olha! Tens que
levar pelo menos um tarro. Vai buscá-lo, anda. E
logo o garoto foi, dizendo: –
Sim, pai, já vou indo… – embora sem vontade. Escusava-se
visivelmente o magricela, mas o pastor argumentava, contente: –
Qual quê! Então uma das coisas que o patrão me disse não foi para sempre
prendar vossas senhorias? Ora essa, pois se lhe digo! Não
demorou muito o rapaz. Trazia o tarro, e do cordeiro disse que correra um bom
bocado atrás dele mas sempre se esquivou. Galrito
aceitou o cigarro que lhe estendeu o guarda, e fumando rapidamente, começou a
escarnecer das pernas do miúdo. Rinchão,
o cavalo do magrizela começou a escarvar no solo com os cascos. Impacientava-se.
Imediatamente o dono montou, mal acenando ao pastor… Facto é que o pançudo Vieira se afastava já, calmamente cavalgando por
entre o azinhal. Para
trás ficava o pastor… Um momento se quedou ele a olhar os guardas, para logo,
agarrando naquela vara comprida com uma extremidade metálica trabalhada em
gancho, (o gravato), voltar costas. O
cabo Vieira afrouxou a marcha, permitindo ao companheiro alcançá-lo. E logo
que isso aconteceu disse-lhe: –
Muito estranhei aquele cão e aquela arribana a cair aos pedaços! –
Pois não menos era de estranhar o pastor… – asseverou o outro. E
ambos trocaram um olhar de entendimento. Quase percebiam a coisa… Porém só
perceberam realmente quando, amarrado na choça, foram encontrar o verdadeiro
pastor. PERRGUNTA:
Se
de um falso pastor nos fala o texto diga, pormenorizando o mais possível, que
teria levado os dois guardas a suspeitar do dito farsante. Relacione
esses, que para nós são seis pontos fundamentais, de maneira a obter uma boa
interpretação do texto! |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|