Autor Data 5 de Fevereiro de 2012 Secção Policiário [1070] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2012 Prova nº 1 (Parte I) Publicação Público |
A MADAME HIGY E A VACA MALHADA Professor Cebolas Professor!!! ouvi eu gritar. O
meu primeiro pensamento foi que lá vem mau tempo. Um homem já não pode estar sossegado
a apreciar a paisagem e a ver os aviões passarem. Aquela
minha vizinha do terceiro… tem um figurino que faria inveja às curvas da
Munheca. O que eu não faria para me perder naquelas ribanceiras. E
vem esta Madame Higy atazanar-me o juizo. Pergunta-me o que estou a fazer enquanto me
levanta dois sacos de compras em frente do nariz. Percebi
a subtileza mas acho que o exercício físico a ela lhe faz muito bem. Bom dia
Madame, o que a traz por aqui? Julgava que tinha ido passar uns dias com a
sua tia, a desgadelhada. Mudei de planos, as senhoras do bairro vão fazer uma
festa e eu não posso faltar, diz ela. E agora deixe-se de fazer de
desentendido e ajude-me a carregar os sacos, que havia uma promoção e fiz
umas compritas. Olhei
para ela e não tive outro remédio. Mas ao pegar nos sacos fiquei com a
impressão que ela tinha trazido metade da loja. Pior que uma mulher com
dinheiro no bolso, só uma mulher com dinheiro no bolso na altura das
promoções. Detalhes
à parte, quando deixei os sacos à porta da casa dela, convidou-me para um
café. Parecia-me pensativa. Ela começa a preparar o café e começa a falar. Sabe,
Professor Cebolas, ontem lembrei-me duma história que julgava já ter
esquecido, mas comecei a pensar naquilo e fiquei com a sensação que havia
algo mal contado. Diga
lá Madame Higy, que história é essa. É que como o
Professor anda sempre com essas coisas de mortos e feridos e afins e consegue
descobrir quem fez o quê e quando, talvez me possa ajudar a compreender o que
é que se passou naquele dia fatídico. Bem,
então a história começa no dia em que a minha mãe tinha ido ao cabeleireiro. Vou
à cozinha beber um copo de água e a assim que a minha avó me vê, diz que vai
regar o tomate. Achei estranho porque chuviscava, mas comecei a fazer o
almoço. Aparece
o meu pai que nesse dia tinha vindo mais cedo para casa, só Deus sabe porquê.
Deixei-o sozinho a pôr a mesa e fui chamar a minha avó. Quando
chegamos o meu pai estava empoleirado num banco a procurar alguma coisa em
cima do armário. Perguntei-lhe o que ele queria e depois de uns momentos de
silêncio a olhar para mim, disse que queria uma saladeira. Naquele
dia deu-lhe para ali, porque ele saladas só à lei da bala. Expliquei-lhe que
ali só o passe-vite e a tia tinha partido a última saladeira. Deu um pulo da
cadeira e lá comemos a salada num tacho. Terminamos
e vai ele roncar para a sala. Nisto aparece a minha mãe com o novo penteado.
Começa a arrumar a cozinha e eu fiquei por ali. De repente, o cão da vizinha
que parecia uma vaca malhada… Madame,
não seria um dálmata? Dálmata ou não, parecia uma vaca malhada. Então o cão
atrás do gato da minha tia entrou pela portinha do gato na porta da cozinha.
O gato era anafado e já lhe custava passar, imagine a vaca. Pois, os dálmatas
são grandes, disse-lhe eu. Não, não, o Rifas conseguiu passar, quem se
atrapalhou foi a Micas, a vaca do inglês do outro lado da rua, que tentou
meter lá a cabeça. O inglês tentou enfiar a cabeça na porta? Professor,
sinceramente, a vaca. Era o Rifas a ladrar dentro de casa e o inglês do lado
de fora a chamar a vaca, explicou ela. Continuando. Eu acho que a Micas se
queria armar em conselheira psicológica da vaca malhada e do gato anafado,
digo eu. Não brinque, que a minha mãe apanhou um susto valente com o Rifas a
ladrar e a Micas a tentar entrar pela cozinha adentro, enquanto o Pati subia
pelos cortinados. Madame, e quem raio é o Pati? Sinceramente, não está a
ouvir o lhe digo? É o gato da minha tia. O problema foi que quem tinha posto
os cortinados tinha sido o Alex… E este é quem, Madame? Um primo afastado que
gosta de trabalhos manuais. Seja
como for, o Pati ao fugir do Rifas lançou-se pelo cortinado acima. Aquilo não
aguentou com o peso do bicho e lá foi parar o Pati dentro do lava-loiça onde
a minha mãe ainda tinha a água de lavar os pratos. Ele salta que nem um
desvairado para cima do armário. Quando ele salta atira lá de cima uma série
de canecos. Então Professor, imagine um gato
esganiçado, o Rifas a ladrar, a Micas a tentar levar a porta pela frente, o
inglês a gritar uate da éle
lá fora e a minha mãe aos berros. Imagino, disse-lhe eu, um filme de terror,
mas continue, quero saber o desfecho. Bem,
Professor, perante aquela confusão e uma mãe furiosa, eu fugi da cozinha e
fui ter com a minha avó. Mais ou menos uns dez minutos depois, ainda eu
estava na sala com a minha avó, e o meu pai a ler o jornal quando chega a
minha tia que tinha ido às compras. De repente… vem a minha mãe e grita que
temos reunião familiar urgente. Atira com uma caixa para cima da mesa da sala
e pergunta quem é que lhe comeu os bombons. Minuto de silêncio. Ninguém
se atreve a dizer nada. Todos sabiam que ela tinha bombons mas ela não se
descosia a ninguém. Ontem
a caixa estava cheia e hoje… grita ela. Aponta para a minha avó. Eu!?
Mas não tinha mais nada que fazer? Fazia bom tempo e andei a manhã toda a
tratar da horta! Nem sequer tive na cozinha. Nisto
ela aponta para a minha tia. Foste tu! Tu não consegues resistir! A minha tia
põe um ar ofendido e pergunta à minha mãe se ela
acha que com o joelho como ela o tem se andaria a trepar em bancos para tirar
uma caixa de cima do armário da cozinha. Então
foste tu, marido. Aproveitaste que tinha ido ao cabeleireiro… Querida, esse
corte fica-te lindíssimo. A
minha mãe olha de lado para ele e diz para não mudar de assunto. Já não é a
primeira vez que me fazes desaparecer os bombons. Sim,
estive em casa… Sabes, essa cor de cabelo dá-te um ar jovial. Nisto
começa-se a ouvir um barulho que vinha de trás do sofá onde o meu pai tinha
estado a roncar. O gato gordo que já se tinha recomposto do susto brincava
com uma prata e a minha mãe corre para ele e grita que foi ele, aquilo era
uma prata dos bombons. Num
braço tem ela o gato e na outra mão abana a prata. Todos acharam que era o
momento perfeito para fazer uma retirada estratégica. Ficou a minha mãe a
falar para o gato. Mas até hoje me pergunto quem é que realmente meteu a unha
nos bombons da minha mãe. Madame
Higy, vou usar os meus
dotes de investigador mas vai ter de pagar os meus serviços. Está bem,
Professor, o bolo é de chocolate ou de nozes? |
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© DANIEL FALCÃO |
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