Autor

Raul Ribeiro

 

Data

29 de Setembro de 1977

 

Secção

Mistério... Policiário [133]

 

Competição

Torneio “Tertúlia Policiária do Palladium"

Problema nº 6

 

Publicação

Mundo de Aventuras [209]

 

 

O CASO DO TIO ASSASSINADO

Raul Ribeiro

 

Há já uma semana que eu andava em viagem por motivos profissionais, e sinceramente, sentia-me feliz por voltar a casa nesta noite quente de sexta-feira de Junho.

Vinha conduzindo o meu «Fiat 124» e ao mesmo tempo pensava nas próximas eleições presidenciais que se iriam realizar já no próximo domingo.

Comprara numa tabacaria o último romance da grande Agatha Christie, que era também o último caso de Poirot, «Cai o Pano», e preparava-me paro, ao chegar a casa, o «devorar», isto, se o meu tio já estivesse a dormir, pois com o seu feitio quezilento não deixaria de me aborrecer tanto quanto pudesse.

Andava o meu tio ultimamente muito implicativo, não só comigo, por motivos políticos pois pertencíamos a partidos absolutamente antagónicos nos ideais que defendiam, mas também com os seus empregados e sócios, pois possuía 51% de uma cadeia de livrarias e outros estabelecimentos que visitava de vez em quando, mais para implicar com o tipo de livros que em norma os empregados expunham nas montras e vitrinas, do que com um verdadeiro e desejável interesse empresarial.

Além disso, mais com uma certa razão do que por causa de ser desconfiado por natureza, andava o reunir provas contra dois dos sócios, o Fernando Teixeira e o João Rosas, que acusara perante os outros dois sócios, de fraude.

E sem dar por isso cheguei a casa. Era meia-noite, e verifiquei com agrado, que a casa estava mergulhado num profundo silêncio. Se o meu tio estava a dormir poderia ler o romance da velha Agatha.

Arrumei o carro e depois de cautelosamente abrir e fechar a porta da mansão, dirigi-me em bicos de pés para a escadaria que conduzia ao 1.o andar onde tenho o meu quarto, mas ao passar em frente dos seus aposentos um horroroso e pestilencial cheiro fez-me levar involuntariamente a mão ao nariz.

Preocupado, e receando o pior, não hesitei em ir bater-lhe à porta, primeiro com delicadeza, depois violentamente, e por último abrindo sem cerimónia a porta, acendi a luz.

Não consegui evitar um vómito, pois o espectáculo que se me deparou era efectivamente macabro!...

O meu tio jazia no chão com um buraco de bala no meio da testa e outro no pescoço que certamente lhe deram morte imediata.

Notavam-se já visivelmente os sinais de decomposição evidentes.

Não sei como, telefonei para a Polícia, que dentro em pouco invadiu a casa com médico, fotógrafo, perito de impressões digitais, e outros técnicos, todos dirigidos por um convencido inspector da P. J., com o qual antipatizei logo.

Depois de feitas as minhas declarações pessoais instou-me o inspector a que lhe dissesse quem tinha tido questões com o meu tio, por pouco graves que fossem, pois o mais pequeno pormenor poderia conduzir ao assassino.

Lá lhe falei nos dois sócios pelas razões já apresentadas; num primo meu chamado Luís Albergaria, campeão de tiro, uma espécie de vadio que se entretinha a gostar o dinheiro que o pai lhe deixara, e já tentara por mais de uma vez extorquir dinheiro ao tio comum, sendo certo que este, da última vez, correra com o Luís à bofetada, tendo eu ouvido ao Luís ameaças de morte proferidas entre dentes, mas às quais evidentemente não liguei.

Por último falei-lhe no mordomo que tinha estado lá em casa até há cerca de 20 dias, e que desempenhava com eficiência todas as tarefas da casa. O pior foi o meu tio ter-lhe descoberto qualidades menos honestas, e assim, correu com ele.

Entretanto, o médico disse ao inspector que o crime se tinha dado há três dias, provavelmente na noite de terça para quarta-feira, pois a cama embora aberta não apresentava sinais de ter sido usada, o que excluía a hipótese de ter sido de madrugada ou pela manhã, e depois de ouvir o médico, o inspector mandou retirar o pessoal e o corpo e despediu-se, convocando-me para as 10 horas da manhã desse dia, sábado 26.

Depois de umas horas de agitado sono tomei um duche reparador e depois de tomar o pequeno-almoço numa pastelaria, dirigi-me para a Polícia, onde encontrei os quatro suspeitos que se preparavam para prestar declarações.

O inspector entrou na sala e depois de fazer o historial do caso que surpreendeu todos, dizendo secamente que o meu tio tinha sido assassinado, sem entrar em mais pormenores, pediu para declararem exaustivamente para o gravador o que tinham feito na noite de terça-feira, bem assim, como em todo o dia de quarta-feira. Pouco depois o inspector retirou-se com os ajudantes para a câmara de gravação e procedeu à análise dos depoimentos e no fim, deu ordem de prisão ao meu primo Luís Albergaria por suspeita de assassínio na pessoa do nosso tio.

Curioso, pedi ao inspector que me deixasse ouvir as declarações para ver qual a «gaffe» que o meu primo teria cometido, que possibilitou a sua prisão, e o inspector autorizou um tanto relutantemente.

Eis os apontamentos que colhi das declarações gravadas dos quatro suspeitos:

Ex-mordomo – Está empregado de tempo inteiro na casa de um velho major reformado e doente, que há uns anos não sai do leito. A casa dista da do antigo patrão uns cinquenta metros, mas jura que não se deslocou vez nenhuma lá a casa, não podendo no entanto apresentar testemunhas do que dizia.

João Rosas – Na noite de terça-feira encontrava-se num comício partidário, onde ninguém conhecido o vira, até tarde, e recolheu a casa às 4 horas da manhã. Quarta-feira fizera a vida normal de trabalho e deitara-se cedo com a intenção de recuperar a noite perdida. Apresentava álibi para todos os passos que dera na quarta-feira.

Fernando Teixeira – Na noite do crime fora ao cinema ver o filme «E Tudo o Vento Levou» tendo chegado a casa depois das 2 horas da manhã, como o poderia testemunhar sua mulher. Às declarações juntou o talão do bilhete do cinema. Nesse dia logo pela manhã, ausentou-se com toda a família para uma quinta que tem para os lados de Sintra, donde só voltaram sexta-feira de manhã.

Luís Albergaria – Na noite de terça-feira estivera adoentado no quarto independente onde habita, mas não podia fazer prova disso. Quarta-feira estivera no clube de tiro a treinar a pontaria. Confessava a sua aversão ao nosso antipático tio e confirmava que o ameaçara da última vez que estivera com ele.

Como me parecesse que havia qualquer coisa que não ligava, ia expor ao inspector a minha tese, mas este com a sua prosápia, e auto-suficiência mandou-me calar, dizendo-me que até o calibre das balas que vitimaram o meu tio tinham sido disparadas por uma arma igual à do meu primo.

Assim, vejo-me obrigado a remeter a exposição do caso para a Secção Policiária que o senhor dirige na intenção de que a mesma seja colocada em discussão pública, e no caso de haver coincidência com as minhas suspeitas (que envio em separado para não influenciar ninguém) eu possa, com maior segurança, apresentar as minhas suspeitas aos superiores deste convencido inspector.

Antecipadamente agradeço a todos.

 

Assim gostaria de perguntar:

1 – Concordam com a prisão do meu primo?

2 – Justifique a afirmativa ou a negativa.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO