Autor

Repórter SOU EU

 

Data

24 de Junho de 1989

 

Secção

Sábado Policiário [180]

 

Competição

Torneio T.P.O.

Prova nº 1

 

Publicação

Diário Popular

 

 

COISAS DE UM DETECTIVE

Repórter SOU EU

 

Irra? (Para não proferir outro sinónimo, consultem o léxico…)

(…) Este modo de viver é uma autêntica imundície! Um tipo (por favor, não interpretem como homem de costumes duvidosos porque eu faço exactamente o contrário…) um gajo ou-um tipo, dizia eu, anda nesta vida, leva (e dá mais desta do que daquela) porrada até cair de cú e, ainda por cima, quando chega a casa (lar doce lar) carregadinho de tumefacções sanguíneas resultantes da ruptura de vasos, tem de ouvir das boas, articuladas pela sua cara-metade, vulgo querida(?) esposa, como por exemplo: «És sempre o mesmo», «Nunca passarás de um detectivezinho de m…», «Estou farta de ti», «Qualquer dia piro-me com a miúda», etc…

Ora, quando me fala na «Cinderella» é que é o diabo… Esqueço os hematomas e lá vai fruta… Por nada deste mundo eu perderia a minha querida filhinha… A mãe que se vá embora que eu fico sozinho (e muito bem) com ela. Com os seus cinco anilas a pequenota é realmente fora de série! Vejam só: mal chega a casa, todos os dias e sem falhar, imediatamente se desloca para junto da aparelhagem e vai música, que os vizinhos (do primeiro andar e rés-do-chão) têm forçosamente de gramar enquanto saboreiam a refeição do dia entre o almoço e a ceia. E lá fica a escutar ininterruptamente os seus discos preferidos enquanto a mãezinha (aquela que me chateia o juízo), antes de preparar o jantar devora a correspondência que quotidianamente me assola a minúscula caixinha do correio, que está fixa lá em baixo na entrada do prédio. Estou farto de lhe dizer para ela não me abrir as cartas… Ora, mas aquilo já é um hábito profundamente enraizado, uma costumeira dos diabos que eu, contudo, não considero de impertinência nem de libertinagem.

Hoje, 24 de Abril, segunda-feira, foi cá um destes dias… Andava a concluir um trabalhinho de um tipo que enganava maritalmente a mulher quando senti um rijo murro na parte posterior e superior do pescoço, sobre a vértebra chamada Atlas. Num ápice reagi e enfrentei o indivíduo – que não conhecia! Dei, mas levei (desta vez) mais. Só me lembro da figura desagradável do porrete que me deixou inconsciente o resto da tarde. Em pleno Inverno, tirem conclusões.

Quando recuperei a memória, ainda com a mona a sangrar, comprei o «Diário Popular» do dia 22 e fui para casa. Não se admirem, porque o Ti-Zé-da-Bola guarda-me sempre o «DP» de Sábado! Cheguei à porta do nº18 da Praceta Luís de Camões, onde descanso o coiro, com tempo suficiente para a Lena e o meu «Anjo» já terem preparado a minha recepção da moda. Abri a porta da rua. Entrei no átrio. Sem ter emenda, alto contínuo e frequentemente habitual, observei, com a ajuda da chave própria, desnecessariamente, o interior do receptáculo que me é destinado pela estrutura do imóvel, exclamando com prazer inopinado um aprazível «Olá». Reactivei de novo a luminosidade da escada a fim de guardar as missivas recebidas. Subi pausadamente até ao último andar (o meu «ninho») numa ausência de ruído anómala. Admirei-me, mas o golpe no couro cabeludo não me permitiu raciocinar. Quando introduzia a chave na fechadura da porta de casa ouvi vozes diminutas provenientes do lado de lá e foi já depois da luz se voltar a apagar e após pronunciar o segundo «Olá» da noite que eu, de pé em riste, arrombei a entrada do meu lar e investi contra os larápios, socando-os e detendo-os, que me gatunavam!…

Pergunto: Quais as particularidades do texto (chamem-lhes pormenores, se quiserem) que me levaram a deduzir que estavam assaltando a minha residência?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO