Autor Data 16 de Abril de 2017 Secção Policiário [1341] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2017 Prova nº 2 (Parte I) Publicação Público |
Solução de: TRUFAS E MORTE Rigor Mortis Não
iria de facto ser nada fácil ao inspector João Velhote provar quem fora o
assassino do Jeremias. Talvez o trabalho de sapa de averiguações à volta da
pequena pistola cromada, da engenhoca a ela associada e do comando de garagem
conduzissem a provas irrefutáveis, talvez a polícia viesse a encontrar alguém
que tivesse visto um dos familiares do Jeremias dirigir-se à mansão noutra
altura que não àquele jantar… Mas iria ser o cabo dos trabalhos. Para
mais ele tinha todas as razões para crer que sabia quem tinha sido o
assassino. As
evidências recolhidas levavam Velhote a focar as suas suspeitas nalgum dos
três irmãos: –
Os outros membros da família não tinham simpatias pelo Jeremias, mas nenhum
deles aparentava ter rancor extremo pelo homem. –
Os três filhos do Jeremias, todavia, evidenciavam de longa data ódio pelo
pai, sem dúvida causado pelos muitos anos de frieza, aspereza e desprezo com
que ele os tratara. –
A construção da engenhoca que provocara o disparo da pistola exigia
inteligência, alguns conhecimentos tecnológicos e habilidade de mãos,
atributos que qualquer dos irmãos tinha. –
Além do Edgar e do próprio Jeremias, apenas os três irmãos tinham a chave da
mansão ribatejana. Portanto, só eles poderiam em alguma altura ter lá ido
instalar a pistola no lustre. Essa oportunidade só poderia ter ocorrido na
tarde do domingo anterior ao jantar de aniversário, dois dias antes deste,
única altura naqueles dias em que ninguém estava na mansão. Se a instalação
tivesse sido feita antes das limpezas da casa pelo Edgar e pelos criados a
pistola teria sido obviamente detectada – o lustre da sala de jantar não terá
escapado a essa limpeza. Três
outros factos apontavam para que o assassino fosse concretamente a Catarina: –
Alberto e Sofia tinham passado brevemente pela casa, durante as limpezas. Não
teria sentido que o fizessem se pretendessem instalar a engenhoca no lustre.
Com os criados em limpezas – e sabê-lo-iam certamente – não o poderiam fazer
sem que fossem notados. Catarina, pelo contrário, não apareceu na mansão
durante esses dias… –
Naquele domingo os três irmãos tinham almoçado juntos em Lisboa, após o que
Alberto e Sofia tinham ido ver um jogo de râguebi da antiga equipa do
Alberto, passando portanto a maior parte da tarde juntos. Catarina não os
acompanhara, afirmando querer ir ao cinema. Distando a mansão uma hora de
automóvel de Lisboa, ela teve portanto a oportunidade para instalar a pistola
no lustre, certamente conhecedora dos hábitos do Edgar e de que a mansão
estaria sem ninguém na tarde desse domingo. Pequena como era, não lhe terá
sido fácil camuflar a pistola no lustre, dada a altura a que este estava –
para observar a pistola disfarçada no lustre, o inspector João Velhote
pusera-se de pé em cima da mesa – mas uma cadeira em cima da sólida mesa de
mogno terá resolvido o problema. –
Da descrição da posição dos convivas à volta da mesa, Catarina ocupava o topo
precisamente oposto àquele em que se sentava o pai, assento que lhe
correspondia por ser a mais nova dos três irmãos. O lustre estava por cima da
mesa de jantar, certamente ao centro desta, e a pistola instalada junto ao
seu eixo central, portanto na vertical ao centro da mesa, apontando para a
parte superior da cadeira onde o Jeremias estava sentado. Sendo a mesa
rectangular e estando o lustre relativamente alto devido ao pé direito da
sala, a posição da Catarina à mesa, no topo oposto ao do pai, era necessária
e fundamental para saber o momento preciso em que a posição do Jeremias fosse
tal que a sua cabeça estivesse na linha de mira da pistola. À sobremesa, esse
foi o momento escolhido para activar o comando de garagem, emitindo o sinal
que, recolhido pela antena da engenhoca que montara e ajustara à pistola,
provocou uma corrente eléctrica no solenóide e a consequente sucção do
êmbolo, levando à pressão no gatilho da arma e ao disparo. O
Leitor, com os seus dotes de telepatia, dispõe ainda de dois outros
elementos, que o inspector João Velhote não podia conhecer já que não teve
acesso aos pensamentos do assassino durante o jantar: –
Quando o assassino se interroga sobre se o Jeremias estaria a desconfiar de
alguma coisa, a pergunta que coloca a si próprio é “Será que ele desconfia de
alguma coisa?... De mim, ou dos meus irmãos?...” Obviamente, quem coloca a
pergunta é uma das irmãs, já que se fosse o Alberto teria pensado “De mim, ou
das minhas irmãs?” –
Ao criticar mentalmente as tias, a assassina diz para si própria “Felizmente,
uma mulher hoje é muito mais que roupas e culinária!” Quando comenta
mentalmente o consommé, o seu pensamento é “Magnífico consommé! O Edgar levou
a cozinheira a exceder-se!” Estes são pensamentos muito mais atribuíveis a
uma mulher de características bem femininas – a Catarina – do que a uma
mulher de porte atlético e altamente habituada a uma forte competição de
natureza física – a Sofia. Certamente que
o Leitor também terá também concluído que foi a Catarina quem matou o
Jeremias!... |
© DANIEL FALCÃO |
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