Autor Data 2 de Novembro de 2018 Secção Competição Prova nº 3 Publicação Audiência GP Grande Porto |
Solução de: AS TRÊS POLTRONAS Rigor Mortis O inspetor João Velhote
interrogou intensa e rigorosamente António de Carvalho e Carlos dos Santos,
obtendo uma corroboração total da descrição que lhe tinha sido dada por
Antero Rodrigues. Nenhum deles confessou o crime, claro. Mas Velhote, como tinha
dito, já tinha percebido o que ali se tinha passado. Evidentemente que Luís da
Mata não se tinha suicidado. Quer o facto de o projétil estar incrustado na
poltrona oposta àquela onde estava o cadáver, quer o sangue existente no
tapete entre as três poltronas, mostravam claramente que o corpo tinha sido
movido após a morte (seguramente imediata), da poltrona onde habitualmente se
sentava o Luís da Mata (onde ele tinha sido morto) para aquela onde
habitualmente se sentava o António de Carvalho. E como os mortos não andam… Qual dos dois ex-amigos o
tinha morto? O Carlos dos Santos, a quem
pertenciam a pistola e o silenciador? Ele poderia ter ido buscar a sua
pistola, quando quer o Antero Rodrigues quer o António de Carvalho tinham
saído da sala, morto o Luís e movido o corpo deste para a poltrona do António,
como um insulto final aos dois ex-amigos. O inspetor João Velhote não
ficou iludido com o que as aparências apontavam. Tudo indicava que o crime
tinha sido premeditado e, assim sendo, o assassino tinha certamente planeado
as coisas de forma a dissimular a sua identidade. Como ele próprio pôde
verificar, abrir os cadeados dos armários do Carlos e do António (onde
encontrou a respetiva arma) não se revelou de qualquer dificuldade, munido
simplesmente de uma pequena chave-mestra de cadeados daquele tipo. Qualquer um o poderia ter
feito em segundos. Lúcidos e inteligentes como
o Antero dizia que eram, ambos saberiam disso. Com o tempo de que dispuseram,
entre a saída do Antero da sala, depois de servir os aperitivos, e o regresso
de qualquer deles da casa de banho, qualquer um deles poderia ter ido até aos
armários apanhar a arma do Carlos e ter morto o Luís. A indicação mais importante
era a da poltrona onde o cadáver tinha sido deixado. Colocar o corpo do Luís na
poltrona do outro ex-amigo poderia ser um insulto final dirigido pelo
homicida aos dois, mas dadas as idiossincrasias extremas dos três em relação
às respetivas poltronas – e aos “seus” objetos em geral – seria obviamente interpretado
como uma indicação da identidade do assassino – o “dono” da terceira
poltrona. O assassino, notou mentalmente João Velhote, não teria outra
justificação para mover o corpo – correndo seriamente o risco de ser visto
por alguém a fazê-lo – que não fosse desviar as atenções de quem viesse a
investigar o crime. Se o Carlos fosse matar o Luís com a sua própria arma,
colocar o seu corpo na poltrona do António só levaria a concentrar as
atenções na sua própria pessoa. Pelo contrário, quem iria
imaginar, quando eles eram tão absolutamente irredutíveis na ocupação de cada
uma das “suas” poltronas – e quanto aos “seus” objetos em geral – que o
António fosse colocar o cadáver do Luís na “sua” própria poltrona, depois de
o ter morto com a arma do Carlos? Mas depois de aí ter posto
o Luís, o António não conseguiu conter a sua profunda irritação por o ver na
“sua” poltrona. Num acesso de ira, deitou a mão aos jornais e revistas que
estavam na “sua” mesinha de apoio e lançou-os ao chão. Algo que o Carlos decerto
não faria, se tivesse sido ele o autor do crime, perversamente satisfeito
como estaria com o insulto final ao Luís e ao António… Concluir que o assassino
tinha sido o António de Carvalho foi quase intuitivo para o inspetor João
Velhote. Para o provar, no entanto, teria que encontrar vestígios de sangue
nas suas roupas e resíduos do disparo nas suas mãos, bem como as suas impressões
digitais nos jornais e revistas deitados ao chão. |
© DANIEL FALCÃO |
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