Autor Data 6 de Agosto de 2019 Secção Competição Torneio
"Solução à Vista!" – 2019 Prova nº 2 Publicação Audiência GP Grande Porto |
Solução de: WHISKY MORTAL Rigor Mortis Manifestamente, Tomás
Cerqueira tinha sido envenenado. Um veneno de ação relativamente rápida e
violenta – não havia, por exemplo, quaisquer sinais de ele ter tentado usar o
telefone, que estava mesmo ao pé, na mesinha ao lado do sofá. Talvez cianeto. O envenenamento teria
ocorrido muito provavelmente ainda no sábado. A autópsia comprová-lo-ia, mas
o facto de ainda restar um pouco de whisky na única garrafa aberta e de só
terem sido usadas duas das seis cuvetes de gelo indicava que a morte teria
ocorrido ao princípio da noite de sábado. O inspetor João Velhote pôs
de lado a possibilidade de o Tomás Cerqueira se ter suicidado. O facto de as
buscas efetuadas pelos agentes não terem encontrado nada relacionado com
algum veneno foi determinante para tal. Além de que, se ele tivesse querido
suicidar-se por envenenamento, teria provavelmente escolhido outro tipo de
veneno, que provocasse menos dor, e teria tomado também alguma droga que o
pusesse a dormir, ou em estado letárgico. A inexistência de outros
relacionamentos pessoais do Tomás e a circunstância de tudo se ter passado
dentro de uma parte da moradia completamente fechada por dentro, apenas com a
sua presença, levava a considerar que apenas três pessoas eram suspeitas, o José
Machado, o Santos e o Norberto Ávila. Velhote pôs também de lado
a hipótese de ter sido o Norberto o assassino. Ele não estava na moradia
quando, no sábado ao fim de manhã, o Tomás se tinha fechado nos seus
aposentos. E não o poderia ter visitado ao longo desse dia, para o fazer
ingerir o veneno, já que lhe teria sido impossível sair deixando as portas e
janelas fechadas por dentro. Além disso, os hábitos do Tomás eram muito
fortes, e as visitas do Norberto eram sempre aos domingos. No sábado provavelmente
nem o Tomás lhe abriria a porta. Não podendo ter sido nas
garrafas de whisky, nem nas de Perrier, umas e outras abertas pelo próprio
Tomás, o veneno foi colocado no gelo. Ou, mais exatamente, no fundo das
cuvetes ainda vazias, já que era sempre o próprio Tomás a enchê-las e
colocá-las no frigorífico. O facto de o envenenamento só ter tido efeito ao
fim da tarde de sábado indicava que nem todas as cuvetes teriam sido
envenenadas. O Machado não teve
oportunidade para isso. De acordo com o seu próprio testemunho, e com o do
Santos, o Machado saiu antes de o Tomás ter lavado as cuvetes, pelo que se
tivesse sido ele a lá colocar o veneno, este teria sido lavado totalmente. Mas o Santos teve essa
oportunidade. Segundo o seu testemunho, o Tomás colocou as cuvetes já lavadas
em cima do frigorífico e tornou a ir à casa de banho para lavar o copo e a
colher. Foi nessa altura que ele se despediu e saiu. Mas não precisaria mais
do que alguns segundos para depositar o veneno numa das cuvetes – cianeto em
pó seria ideal para o propósito. Uma seria bastante, mais do que suficiente
se se tratasse de facto de cianeto. Plausivelmente, aquela que João Velhote
encontrou no frigorífico ainda meia cheia de cubos de gelo. O Tomás não terá visto o pó
de veneno no fundo dos alvéolos da cuvete? Estas eram de plástico branco, e o
pó de cianeto é também branco… O inspetor João Velhote
estava seguro das suas deduções. E convicto de que as investigações que ia
mandar fazer a seguir as confirmariam: morte por envenenamento, vestígios do
veneno no copo usado pelo Tomás, existência do mesmo veneno nos cubos de gelo
da cuvete meio cheia, traços do mesmo nos alvéolos vazios dessa mesma cuvete,
talvez alguma impressão digital que não fosse do morto… O motivo do assassinato? O
interrogatório com que tencionava ‘apertar’ o Santos talvez o levasse a
confessar o crime, mas Velhote tinha um pressentimento… Na segunda-feira
iniciaria um périplo pelos advogados que tinham trabalhado com o Tomás
Cerqueira, e pelos notários que este tivesse usado. E talvez encontrasse um
testamento feito recentemente, em que o velho declarasse como seus herdeiros
aqueles únicos três homens com quem ele de alguma forma se relacionava. Algo que o Santos, como seu
secretário particular, certamente conheceria… |
© DANIEL FALCÃO |
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