Autor

Rip Kirby

 

Data

24 de Junho de 2001

 

Secção

Policiário [519]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2001/2002

Prova nº 2

 

Publicação

Público

 

 

UM DRAMA MEDIEVAL

Rip Kirby

 

Filha do duque D. Antão de Albernaz, dona Adonsina, nasceu em Portugal em 1352.

Dezassete anos mais tarde, era uma jovem formosíssima e muito pretendida, tanto pelos seus dotes físicos, como pelo dote que levaria pelo casamento.

Entre os seus muitos pretendentes, três havia que destacar:

– D. Guterres Alcoforado, poderoso senhor que tinha sob as suas ordens numerosos homens de armas, peões e cavaleiros, era o predilecto de Antão de Albernaz. Tinha 48 anos, era um homem mal encarado e, segundo rezam as crónicas, de uma crueldade extrema. Dona Adosinda nem podia ouvir falar dele e, como se compreende, muito menos admitia a possibilidade de vir a casar com ele. Quando o pai lhe falou de tal, pela primeira vez, ela havia respondido que preferia ir para um convento.

– D. Afonso Árias, era aquele por quem o coração da jovem se alvoroçava. Filho de poderoso senhor, tinha 28 anos e contra ele o facto de o pai da sua pretendida odiar profundamente o seu, o que, diga-se de passagem, era recíproco. Já por diversas ocasiões havia sido ameaçado por D. Guterres, que não aceitava concorrência.

– Martim Vaz, irmão colaço de D. Adonsina, era filho da aia desta e de um escudeiro de D. Antão. Em criança brincara com a filha do seu senhor e agora bebia os ares por ela. Esta, contudo, só via nele um irmão e o confidente para as suas tristezas. O jovem tudo fazia para esconder a sua paixão, mas nesta coisa de amores assolapados todos o vêem, menos aqueles que são o seu alvo e, como não podia deixar de ser, o duque depressa o descobriu e não esteve com meias-medidas, expulsou o apaixonado Martim Vaz das suas terras, ameaçando-o de morte se ele voltasse a aproximar-se da filha.

Martim Vaz abalou então, mas antes ainda conseguiu abeirar-se mais uma vez de Dona Adonsina, para se despedir. A jovem, sabendo o que acontecera, embora desconhecesse as causas, aconselhou-o a ir acolher-se sob a protecção de D. Afonso Árias.

Ele assim fez e desde então passou a acompanhar D. Afonso para todos os lados, inclusivamente nas surtidas que este fazia a terras de D. Antão de Albernaz, para ver a sua amada.

Passou-se nisto cerca de um ano e meio, até que, certa madrugada chuvosa de um mês de Dezembro, Martim Vaz chegou só ao castelo dos Árias. Vinha com o vestuário em desalinho e coberto de lama, bem como o cavalo, que espumava abundantemente. Desmontou e cambaleante correu para a sentinela, com a bainha da espada desprovida desta, a bater-lhe na perna direita, dificultando-lhe a corrida.

Segundo contou, haviam sido atacados a cerca de meia légua dali, por um grupo de cavaleiros, uns sete ou oito. Enquanto se defendia, D. Afonso ordenara-lhe que fosse ao castelo pedir ajuda. Devido à escuridão não pudera identificar nenhum dos atacantes.

Pouco depois saía um grupo de 15 cavaleiros na direcção indicada, com o velho senhor de Árias à frente.

Chegados ao local onde se dera o ataque, foram encontrar D. Afonso estendido e morto, na lama do caminho, tendo um comprido punhal cravado na garganta. O golpe havia sido desferido de cima para baixo e da esquerda para a direita. O vestuário, não fosse o sangue que correra do ferimento e alguns salpicos de lama, podia-se considerar limpo. A espada encontrava-se embainhada.

No solo foram detectadas as pegadas de dois cavalos que se dirigiam lado a lado para o ponto em que foi encontrado o corpo de D. Afonso e, em redor deste, as pegadas de um cavalo que ali caracoleara e, talvez por isso, mais profundas. Uns metros afastada do corpo do infeliz cavaleiro, semi-enterrada na lama, foi encontrada a espada de Martim Vaz.

Era já manhã quando o cavalo de D. Afonso Árias foi encontrado, pastando tranquilamente, não muito afastado do local. Dependurado de uma correia, na garupa, ainda lá estava o escudo que sempre acompanhava o apaixonado de Dona Adonsina, nas suas cavalgadas.

Já no castelo, foi possível verificar que o cabo da arma que provocara a morte ostentava as armas do duque D. Antão de Albernaz.

Terminadas as exéquias do filho, o velho senhor de Árias dirigiu-se à corte, para apresentar queixa ao rei. Ele sabia bem quem tinha feito aquele trabalho, mas não queria sujar as mãos com sangue de porcos assassinos.

Em presença do rei, depois de o pôr ao corrente de tudo quanto observara, acusou o duque de Albernaz e o senhor de Alcoforado, os quais foram intimados para se apresentarem perante Sua Majestade.

Interrogados, o duque disse que não fora ele, pois na data citada acompanhara o rei numas escaramuças na fronteira, contra os castelhanos, mas que o senhor de Árias podia ter a certeza que se ele tivesse encontrado o filho dele nas suas terras, quem tinha feito aquele trabalho era ele!

D. Guterres Alcoforado afirmou que também ele não fora o culpado, pois, tal como o duque, tinha acompanhado o rei e nem percebia onde fora o senhor de Árias buscar aquela ideia.

O rei concordou, pois, de facto, os dois acusados haviam-no acompanhado, pelo que deu o caso por encerrado.

Feitas bem as contas, o rei, que na realidade era um fraco, não queria aborrecimentos com os seus vassalos mais poderosos.

Desde modo o ou os culpados pela morte do jovem de Árias ficaram impunes. Mas será que o rei não poderia ter feito justiça? E se a fizesse, quem teria sido o justiçado? Porquê?

Mas prestem atenção que há no texto um pequeno erro, introduzido propositadamente e que é fundamental referir, a par com a solução do enigma, para que a classificação seja considerada cem por cento certa.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO