Autor Data Abril de 2006 Publicação (em Secção) |
A MORTE DO VINICULTOR Rip Kirby O
inspector Eduardo Trindade tinha acabado de almoçar
e preparava-se para assistir ao “Jornal da Tarde” da RTP que estava prestes a
ter o seu início. Faltavam apenas alguns segundos quando a campainha do
telefone retiniu. Levantou-se, com um gesto de desagrado, da sua poltrona
preferida e foi atender. Apesar dos muitos anos de serviço ainda não se tinha
acostumado a ser interrompido nos seus momentos de repouso. Era
o seu ajudante, sargento Silveira, informando-o de que a sua presença estava
sendo requisitada para mais uma investigação. O
engenheiro Pereira da Silva, importante vinicultor da região, havia sido
encontrado morto na sua residência que ficava numa das suas propriedades
agrícolas a pouca distância da cidade. Eduardo
Trindade recomendou ao sargento que o viesse buscar a sua casa, desligou o
telefone, vestiu o casaco e a gabardina, desligou a televisão e saiu. Acabava
de chegar à rua quando o sargento Silveira parou em frente da sua porta.
Tomou lugar ao lado do seu ajudante e arrancaram para o seu destino. O
inspector morava mesmo à saída da cidade pelo que
menos de cinco minutos depois já estavam na estrada nacional. Havia
nevado durante toda a semana, mas na madrugada desse dia o nevão tinha parado
e a estrada havia sido limpa pelo que Silveira acelerou a fundo. A corrida,
depois que saíram da cidade, durou cerca de oito minutos durante a qual inspector e ajudante se mantiveram mudos. O sargento
atento à condução e o inspector absorto na
contemplação da paisagem que ladeava a estrada. A neve cobrira tudo com o seu
manto branco. Trindade só saiu da sua abstracção
quando o carro abrandou e virou à direita para o caminho vicinal que conduzia
à residência de Pereira da Silva. Aqui
a condução teve que ser mais cuidadosa. O caminho não tinha sido limpo e o
carro, atravessando-se algumas vezes no caminho, seguia agora com alguma
lentidão por sobre o imaculado tapete branco que se estendia à sua frente,
até que foi parar defronte da porta principal da casa do engenheiro. Eram exactamente 13h45. O
inspector apeou-se do carro e subiu o lance de
escadas, oito ou nove degraus, que conduzia a uma varanda que ocupava meia
fachada do edifício, metade para cada lado da porta principal, onde foi
recebido por um indivíduo aparentando 60 anos que se identificou como sendo
Jorge Dias e secretário de Pereira da Silva. Fora ele quem telefonara para a
polícia. Eduardo
Trindade examinou com um olhar a parte da fachada limitada pela varanda e verificou
que de cada lado da porta principal havia uma porta-janela, cada uma delas
ladeada por sua vez por duas janelas de cada lado. Para além da varanda havia
outras janelas. Jorge
Dias conduziu o inspector para uma das
portas-janela e introduziu-o num aposento que o investigador logo deduziu
tratar-se do gabinete de trabalho do engenheiro. Tratava-se
de uma sala ampla, mobilada com gosto e qualidade. Para além da porta por
onde entrara, naquela parede havia quatro janelas. Uma à direita de quem
entra e três à esquerda. A janela mais distante estava aberta e ficava já
fora dos limites da varanda. Nos espaços entre as janelas havia estantes com
livros. A parede à direita era ocupada por um grande quadro representando
dois cavalos galopando num prado e tinha a assinatura de Vanda Silva. Na
parede em frente havia uma porta ladeada por estantes com livros e que
comunicava com o interior da casa. Na parede da esquerda havia duas
fotografias em ponto grande emolduradas. Uma era de um cavalheiro de aspecto distinto aparentando cerca de 70 anos e a outra
de uma senhora bem mais jovem. Era por baixo destas fotografias que o
engenheiro tinha a sua mesa de trabalho, a que nesse momento estava sentado
tendo a cabeça tombada sobre ela. Na testa o inspector
viu o buraco por onde entrara a bala que o matara. Pelo aspecto
do ferimento Eduardo Trindade deduziu que o tiro teria sido disparado a pouco
mais de um metro de distância. O tampo da mesa e alguns papéis estavam
cobertos de sangue que escorrera, também, para o chão alcatifado. À esquerda
do morto, no chão, estava uma cápsula de bala de pequeno calibre. A arma que
disparou o tiro mortal foi posteriormente encontrada, limpa de impressões
digitais, no quarto que Jorge Dias ocupava quando pernoitava em casa do
patrão e era propriedade do engenheiro. Interrogado
por Eduardo Trindade, Jorge Dias disse que estava na cozinha almoçando quando
ouviu o tiro. Ficara indeciso durante breves instantes, mas logo correu para
o gabinete do patrão. Quando ali chegou, já lá estava o senhor Carlos,
enteado do engenheiro, que lhe disse que o padrinho estava morto e que
telefonasse para a polícia. O que fez imediatamente. Entretanto,
o sargento Silveira que havia recolhido os depoimentos dos restantes
habitantes da casa, veio ter com o seu superior para lhe dar conta da sua
diligência. Eduardo
Trindade pegou nos papéis que o sargento lhe estendeu, deu uma nova ordem ao
seu ajudante e este saiu apressado. Só depois o inspector
prestou atenção aos apontamentos do Silveira, que geralmente são bastante
prolixos, e deu-lhes uma rápida leitura. Eis,
resumidamente, o que o inspector leu: Carlos
Andrade, 30 anos, enteado de Pereira da Silva, quando interrogado disse que
se dirigia para o gabinete do padrinho quando escutou o tiro. Correu de
imediato para ali e ao entrar ainda viu o vulto de um homem a saltar para
fora pela janela. Foi à janela e viu o referido fugitivo perdendo-se entre o
arvoredo que, a pouca distância, rodeava a casa. Ficou com a impressão de ter
escutado a seguir o ruído de um carro afastando-se da propriedade, mas não
garantia. Logo de seguida, entrou no gabinete o secretário do padrinho a quem
encarregou de telefonar à polícia. Ele subiu ao piso superior onde foi
informar a mãe do ocorrido. Vanda
Silva, 55 anos ou pouco mais, esposa do morto, disse que estava no andar de
cima onde tinha o seu estúdio para onde tinha ido logo após ter almoçado com
o marido e com o filho. O marido havia ido para o escritório depois de ter
dito ao Carlos que precisava falar urgentemente com ele. “Por isso, estranhei
quando pouco depois o meu filho entrou no estúdio dizendo que o padrinho
tinha sido assassinado. Fui imediatamente para baixo mas não tive coragem
para ir ver o meu marido.” Georgina
Ferreira, 30 anos, empregada de limpeza da casa, não sabia de nada, ninguém
lhe tinha dito nada. Tinha acabado de almoçar e estava ali na varanda das
traseiras, repousando um pouco antes de voltar à lida doméstica, quando se
apercebeu de que havia uma certa agitação. Mas deixou-se ficar onde estava.
Não percebia o motivo daquele interrogatório. Alice
Gomes, 60 anos, cozinheira e governanta. “Estava na cozinha conversando com o
senhor Jorge Dias que estava almoçando quando ouvimos um tiro. O senhor Dias
saiu correndo e pouco depois, quando voltou, disse-me que o patrão tinha
morrido e que já avisara a polícia.” Ela não sabia mais nada porque não tinha
saído da cozinha. Jorge
Dias, para além do que já havia dito ao inspector,
a propósito de uma pergunta que lhe foi feita pelo sargento, disse que não
sabia ao certo o que o patrão tinha para dizer ao enteado mas que calculava
que seria para lhe chamar a atenção para as despesas exageradas que fazia e
para o pouco trabalho que executava tendo em conta o que ganhava.
Possivelmente iria dizer-lhe mais uma vez, e certamente que agora não seria
só ameaça, que ia cortar os abonos constantes que lhe fazia. Depois
de ler estes depoimentos Eduardo Trindade dirigiu-se pensativo para a janela
que estava aberta e dali ficou contemplando a paisagem imaculadamente branca
e lisa que, cerca de dois metros abaixo do parapeito da janela, se estendia
até ao pequeno pinhal que se avistava dali. Apenas para a sua esquerda a
vista ficava limitada pela balaustrada lateral da varanda que terminava ali a
pouco mais de três metros e meio da janela em que se encontrava. Entretanto
o sargento Silveira voltou e disse-lhe que a propriedade estava rodeada por
uma cerca de arame farpado que se encontrava em estado impecável havendo
apenas a passagem sem cancela para o único caminho, por onde eles tinham vindo,
que dava acesso à estrada. Depois
que se soube que a arma do crime era propriedade do engenheiro, o inspector pretendeu saber quem tinha conhecimento da sua
existência e do lugar onde era guardada. Vanda
Silva respondeu que, de facto, sabia que o marido possuía aquela arma, embora
quase nunca lhe tocasse e que esta costumava estar na mesa-de-cabeceira do
lado dele. Jorge
Dias e a cozinheira afirmaram que desconheciam a existência da arma, enquanto que Georgina disse que, já por diversas vezes, a
tinha visto quando fazia a limpeza no quarto dos patrões. Carlos
Andrade, por sua vez, afirmou que sabia que o padrinho tinha a arma em
questão e algumas vezes o vira tratando da sua limpeza. Ainda recentemente
isso acontecera. Posto
isto o inspector deu por terminada a sua estadia
ali, retirando-se com o seu ajudante. Quando
chegou ao seu departamento aguardava-o o dr.
Dionísio Cabral, advogado do falecido engenheiro, que se punha ao dispor do inspector caso este necessitasse. Tinha sido Jorge Dias
quem, por telefone, o pusera ao corrente da tragédia. Eduardo
Trindade agradeceu e pediu-lhe que ele lhe falasse, caso isso não traísse
matéria confidencial, da forma como seriam repartidos os bens do engenheiro
Pereira da Silva. O
grosso da fortuna iria para Alberto Pereira da Silva, filho do falecido e da
sua primeira esposa também já falecida. Alberto encontrava-se no norte do
país onde geria uma vinha. Vanda
Silva ficaria apenas com uma moradia na cidade e uma pensão mensal de cinco
mil euros. Isto devia-se a um acordo estabelecido antes do casamento com uma
única diferença. Nesse acordo, a pensão era de apenas dois mil e quinhentos
euros, mas posteriormente o engenheiro decidiu alterar para o dobro. Vanda
Silva desconhecia essa alteração. A Carlos Andrade
caberia por testamento uma importância de cinquenta mil euros. Contudo
Pereira da Silva ultimamente andava descontente com o rapaz devido à sua
estroinice e ao pouco empenho que punha no trabalho pelo que pensava eliminar
do seu testamento a cláusula que o beneficiava. Jorge
Dias que trabalhava havia mais de 20 anos para o engenheiro teria, a título
de pensão de reforma, uma verba mensal de mil e quinhentos euros. Tanto esta
pensão como a de Vanda Silva estavam asseguradas por um fundo de reserva
feito expressamente para esse efeito. Estes
são os elementos que o inspector possui sobre este
caso. Se por acaso desejar dar-lhe uma ajuda faça o seu relatório detalhado e
envie para ele ou para quem o representar. Receba
desde já os seus agradecimentos.
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© DANIEL FALCÃO |
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