Autor

Onaírda

 

Data

27 de Julho de 2008

 

Secção

Policiário [888]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2007/2008

Prova nº 7

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

O ENIGMA DAS PORTAS FECHADAS

Rip Kirby

 

Pela descrição que Artur faz dos assaltantes, a nossa atenção volta-se imediatamente para as constituições físicas de seu primo e do mordomo. Ambos são altos e Américo é de aparência forte. Mas nós vimos o Francisco chegar e não presenciamos nada que nos possa levar a concluir que foi ele o criminoso. Será que ele teria chegado antes da hora que nós o vimos? Creio que não. Se ele tivesse alguma coisa a ver com a morte do patrão certamente que não teria regressado ao local do crime antes deste ter sido descoberto. Costuma-se dizer que o criminoso volta sempre ao local da sua façanha, mas não acredito que ele fosse tão tolo que voltasse antes do crime ser descoberto.

Américo de Castro, por seu lado, também só chegou ao hotel, segundo informação dos funcionários deste, às 20h45, portanto dentro dos limites estabelecidos pelo médico como provável hora da morte. Também não nos podemos esquecer que a arma do crime foi encontrada no seu quarto. Mas ele não tinha carro; como vimos, ele chegou das férias com o avô no carro deste que depois o usou para ir para casa, a cerca de 6 quilómetros da vila. E para ir praticar o crime certamente que não iria utilizar os serviços de um táxi.

Ele era bastante conhecido e se usasse um táxi o taxista certamente que ligaria de imediato uma coisa com a outra. Para ir a pé corria o risco de ser visto, além de que o tempo que levaria a percorrer os 12 quilómetros de ida e volta o colocariam fora dos limites de tempo assinalados – a não ser que tivesse um cúmplice com carro, o mordomo, por exemplo.

Ambos correspondem à descrição de Artur mas já vimos que a participação do mordomo no crime é bastante improvável. Mas considerando que tivessem sido eles, será que podiam ter praticado o crime e retirarem-se do local deixando este fechado pelo lado de dentro? Como sabemos, a chave da porta da sala estava na fechadura colocada de forma que não era possível usar uma chave pelo lado contrário. Não, eles não tinham como deixar a porta fechada como a encontramos.

Será que Albano de Castro se suicidou? Esta é uma hipótese que também se poderia colocar se a arma não tivesse sido encontrada longe dali. Portanto, não foi suicídio nem isso correspondia à história contada pelo neto de Albano de Castro.

Resta-nos Artur de Castro como candidato a autor do crime que investigamos. Mas, como vimos, ele estava fechado na capela e a chave desta encontrava-se a cerca de 15 metros de distância. Se estivesse no chão, ainda poderíamos pensar que ele se tivesse fechado por dentro e depois deitado a chave por baixo da porta. Mas não foi isso que aconteceu, a chave foi encontrada sobre um móvel junto à base da estatueta.

Parece, portanto, que estamos perante um caso sem solução, o que não é verdade. O Silveira, com as suas manias, é quem nos fornece a solução para este crime e atira com Artur de Castro para a prisão. Como estarão recordados, o Sargento encontrou casualmente dentro de uma imagem oca um rolo de fio com cerca de 65 metros. Foi com esse fio que Artur preparou o seu álibi já que, aparentemente, ele não poderia ter-se fechado por dentro e colocar a chave onde esta foi encontrada.

A forma de actuação foi a seguinte: matou o avô e escondeu a arma no quarto do primo, desviando as suspeitas para ele. De seguida voltou à sala, fechou a porta por dentro e preparou o seu álibi da seguinte forma: passou pelo olhal da chave uma ponta do fio, encontrado na imagem de Santa Teresinha, puxou até juntar as duas pontas (ficando assim o fio dobrado em duas partes iguais) e colocou a chave na fechadura pelo lado de dentro da porta da capela. De seguida puxou o fio até junto da estatueta e, depois de retirar o pampilho da mão de um dos campinos, passou as duas pontas do fio pelo furo na mão do cavaleiro e puxou-as até à capela ficando assim o fio dividido em quatro partes.

Uma vez aqui fechou por dentro a porta com a chave e, retirando-a da fechadura, foi puxando em simultâneo as duas pontas do fio que arrastou a chave para fora até ao conjunto escultórico já referido. Pelo caminho, a chave prendeu-se no naperom que estava sobre a mesa do centro da sala e arrastou-o, levando consigo o jarrão de porcelana que se fez em cacos.

Como a estatueta era pesada, não havia o perigo de a derrubar. Quando sentiu que a chave tinha chegado à mão do cavaleiro passou a puxar apenas por uma das pontas do fio que desta forma se desenfiou da mão do campino e da chave que caiu junto da base da estatueta. Recolheu o fio e fez um rolo que escondeu no interior da imagem de Santa Terezinha.

De referir que de nenhuma outra forma ele conseguiria fazer chegar a chave até ao lugar onde foi encontrada, pelo que só esta pode ser considerada certa.

Até aqui parece que tudo correu bem para o criminoso, mas ele esqueceu-se de colocar a imagem numa posição que não chamasse a atenção e um pequeno erro foi a morte do artista. O sargento Silveira, com as suas manias de Poirot, encontrou o fio. Mas não foi este apenas o único erro de Artur de Castro. Embora com menos importância, ele errou também no que se refere à pancada na cabeça de que apenas resultou uma pequena protuberância. Um assaltante teria dado uma pancada que deixasse marca mais evidente. Por outro lado a pancada dada um pouco acima da testa tem todo o aspecto de ter sido auto-aplicada. De uma pancada daquelas não resultaria a perda de sentidos; por isso, logo que o inspector mandou chamar o médico, ele tratou de fingir que voltava a si. Ele sabia que o médico notaria de imediato que ele não estava desmaiado.

Logo que teve oportunidade, deixou na casa de banho as luvas que tinha usado para não deixar as suas impressões em lugares comprometedores.

Não sabemos se existiam outras cópias das chaves, mas isso é um pormenor fora de questão. O agente que abriu a porta da sala reparou que pela posição da chave na fechadura não podia ter sido usada outra pelo lado contrário.

De referir ainda que Artur sabia que o mordomo chegaria naquele dia, pelo que não correria perigo de ficar preso na capela por muito tempo.  

© DANIEL FALCÃO