Autor Data 1 de Dezembro de 2008 Secção Competição Problema nº 4 Publicação O Almeirinense |
A MISTERIOSA CHARADA Rip Kirby Quando
o Dr. Jorge Guerra chegou ao seu consultório, já Rosário, a mulher-a-dias,
tinha feito a limpeza ao gabinete dele, à sala de espera e preparava-se para
fazer o mesmo ao gabinete da sua secretária. Contudo, “mal sabia” ele que
aquele era o seu último dia de vida. Às 11h da manhã, um dos seus pacientes
encontrou-o morto no seu gabinete. Um telefonema para a PJ trouxe ao local o Insp. Eduardo Trindade e toda a sua equipa. O
consultório constava de uma sala de espera com algumas cadeiras e uma mesa
com algumas revistas. O chão estava coberto com uma espessa alcatifa. Quando
se entrava, à direita ficava o gabinete do doutor. Em frente, situava-se o
gabinete da secretária. À esquerda, duas portas. Uma pertencia à arrecadação
e a outra era a do bar. Entre este e o gabinete da secretária havia um
corredor que dava acesso a uma casa de banho. Eduardo
Trindade entrou no gabinete do médico e viu este sentado à secretária,
recostado como se falasse com alguém à sua frente. Entre os olhos, um pouco
acima da confluência do nariz com a testa, via-se o orifício por onde entrara
a bala que lhe tirara a vida. Não havia queimadura nem resíduos de pólvora. Sobre
a mesa de trabalho viam-se, à direita do cadáver, o telefone, um bloco de
papel, com folhas numeradas, destinado a receitas, e um copo de cristal,
contendo algumas esferográficas Bic de tinta vermelha, azul e negra. No lado
contrário, ao alcance da mão, um bloco de papel quadriculado e, mais longe,
um livro de medicina. Nas gavetas, só amostras de medicamentos. Na frente de
Guerra estava uma folha arrancada do bloco de receitas, com alguns algarismos
e uma frase escrita com esferográfica de tinta verde. Os algarismos
(dispostos aproximadamente como se podem ver abaixo) e a frase eram os
seguintes (tendo a parte superior virada para o lado do cadáver): Ligar entre
si os algarismos que tenham algo em comum entre eles O
número de ordem desta folha era três vezes mais baixo do que o da primeira
folha visível no bloco. De acordo com o parecer de perito competente, os
algarismos e a frase haviam sido redigidos por um esquerdino. Segundo o
médico legista, a morte havia sido instantânea e ocorrera cerca de 30 minutos
antes de ter sido dado o alarme. Os peritos concluíram que o tiro fora
disparado por uma arma de pequeno calibre, a pouco menos de um metro de
distância, por alguém que se encontrava de pé. No
local nada foi encontrado de estranho. Quanto a impressões digitais só as do
médico e, aqui e ali, as da empregada de limpeza. Nos braços do cadeirão
destinado aos pacientes foi detectado um emaranhado
de impressões frescas, mas de identificação praticamente impossível. Após
o corpo ser levado, o Inspector entrou no gabinete
da secretária da vítima com um dactilógrafo e, enquanto este passava o rato
do computador aqui existente da esquerda para a direita, disse a Silveira que
chamasse a Rosário. Quando esta entrou, pediu-lhe que lhe contasse tudo o que
ali se passara nessa manhã. A empregada, muito nervosa, contou o seguinte: O
doutor entrou e foi direito ao gabinete, voltando pouco depois com uma folha
de papel que me entregou, dizendo-me: Rosário, a D. Natália não vem hoje de
manhã pelo que preciso da sua ajuda. Aqui estão os nomes de alguns pacientes,
e a hora a que cada um deve ser atendido. Não deixe entrar nenhum fora da
hora aí apontada. O
primeiro chegou às 8h50 e dez minutos depois mandei-o entrar. Foi o senhor
Eduardo Neves, que esteve lá dentro vinte minutos. O senhor Rui Abreu chegou
alguns minutos antes das 9h30 e a essa hora ele entrou. Saiu eram 9h55. Às
dez horas era a vez do senhor David Mayer, mas ele só chegou dez minutos
depois dessa hora, pelo que não o deixei entrar sem que antes perguntasse ao
senhor doutor se o atendia. Respondeu-me que não. Transmiti ao senhor David a
resposta do meu patrão, o que o irritou; deu-me um empurrão e entrou no
gabinete. Ouvi eles discutirem (a porta ficara aberta) e cinco minutos depois
saiu. Ia muito exaltado. Como a próxima consulta seria às 11, aproveitei e,
como de costume, fui ao bar, fiz café e comi duas sanduíches, pois estava com
fome. Demorei no bar perto de 30 minutos, depois fui ao banheiro. Quando
voltei à sala de espera, senti o cheiro de um perfume no ar e pensei que
tivesse sido a D. Natália que já tivesse chegado; mas enganei-me e o perfume
devia ser o do senhor David, que também estava muito perfumado. Às 11h chegou
o senhor Alberto Pimentel, que mandei entrar imediatamente. Mas ele, logo que
abriu a porta, voltou para trás, dizendo que o senhor doutor não estava bem.
Entrámos os dois e verificámos que o patrão estava morto. Findo o depoimento, que foi digitado no
computador, Trindade imprimiu uma cópia e, tirando uma esferográfica de um
copo de cristal, colocado à esquerda do computador, tendo toda a variedade de
cores de tinta da Bic, pediu a Rosário para assinar, o que esta fez sob as
vistas de Silveira que parecia fascinado pelo tremor da mão direita da empregada
segurando a caneta. Depois que Rosário saiu, entrou Natália de Sousa, a
secretária da vítima, que, entretanto, havia chegado. Era uma mulher muito
bela e alta. Disse não poder dizer nada de útil, pois não estivera no
consultório nessa manhã nem fazia ideia de quem podia ter disparado no Jorge.
Afirmou que era ela quem fazia as marcações das consultas, que na véspera
transmitia por escrito ao doutor. Silveira parecia fascinado pela beleza de
Natália, não desviando os olhos dela, mas mentalmente pensava: Como era
possível que uma mulher, vestindo tão luxuosamente, usasse no braço uma
bolsa, que, apesar de ser nova, tinha um pequeno buraco num dos topos? Perguntado
a Natália se ela sabia o significado dos algarismos e da frase que estavam na
folha de receitas encontrada junto do morto, ela respondeu que não, mas que
devia ser alguma das charadas em que Jorge andava sempre a pensar. Natália
assinou o seu depoimento e saiu, entrando de seguida David Mayer, que havia
sido mandado chamar. Quando se cruzaram, Silveira detectou
o olhar rancoroso que Natália lançou a David, mas este pareceu não se
impressionar. Do que David Mayer disse, ficou registado o seguinte: Não
estava doente; a consulta que marcara fora um pretexto para falar com Jorge
de quem era amigo, mas este havia dias que andava a fugir de se encontrar com
ele. Jorge tinha um caso com Natália e andava a tratar do divórcio para poder
casar com ela. Ele, David, aconselhara-o a que não fizesse isso, mas o Dr. não lhe dava ouvidos. Na semana anterior, David, que
havia descoberto que Natália traía o amigo, contara a este, que se zangou
seriamente. Parecia que Jorge havia confirmado as acusações, pois mandara
suspender o processo de divórcio. Mas ainda estava ressentido com ele. David
afirmou que não havia chegado atrasado à consulta. No papel que Natália lhe
dera estava anotado 10h10; infelizmente, ele deitara fora o papel. David
assinou as suas declarações, com mão firme, sob o olhar atento de Silveira,
que parecia admirar a grossa aliança de casamento que o declarante tinha na
mão, espalmada sobre o papel. Por diligências feitas posteriormente,
determinou-se que naquele dia o médico havia passado três receitas cujos
números eram os exactamente anteriores ao que se
encontrava visível no bloco de receitas e os que se seguiam ao da folha com a
charada. Será
que com estes elementos é possível descobrir quem matou Jorge Guerra? |
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© DANIEL FALCÃO |
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