Autor

Rip Kirby

 

Data

24 de Outubro de 2010

 

Secção

Policiário [1005]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2010

Prova nº 9 (Parte I)

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

A MORTE DO VETERANO

Rip Kirby

 

Na realidade se quiserem e a isso estiverem dispostos todos os nossos confrades poderão ajudar o Inspector Eduardo Trindade a deslindar este mistério e isso nada custa.

Perante o cenário descrito a hipótese de suicídio tem que ser posta de parte desde logo. Como sabemos Almerindo perdera totalmente os dedos da mão direita em Angola pelo que não poderia disparar com a referida mão e só com essa mão poderia segurar a arma para atingir o seu temporal direito.

Portanto facilmente se conclui que a arma sobre a palma da mão direita não passa de uma encenação.

Pelo que ficou descrito podemos concluir que ninguém, além do assassino, ouviu o tiro, o que não é difícil de acreditar.

Como estamos recordados: o relógio da sala de jantar marcava 11h45 quando no quarto de Almerindo se fez ouvir o Tango dos Barbudos e seguidamente foi Fernando Farinha que se ouviu cantando o Fado das Trincheiras.

Ora, no início da execução do Tango dos Barbudos, durante alguns segundos, escutam-se algumas rajadas de metralhadora. Teria sido nesse momento que foi disparado o tiro fatal. Sendo assim já não poderia ter sido Almerindo a colocar no gira-discos o disco do Fernando Farinha, o que reforça a ideia de crime tendo sido o assassino quem trocou o disco retirando-se do quarto imediatamente pelo que o disco continuou tocando até ao fim, o que não era costume. Outro pormenor com algum relevo é o facto de não existirem sinais de luta no interior do quarto, o que em princípio significa que o criminoso era conhecido de Almerindo.

É referido que o relógio da sala de jantar marcava 11h45 quando se começou a ouvir o Tango dos Barbudos, mas se acreditarmos na afirmação de António de que esse relógio estava adiantado 15 minutos temos que admitir que a música começou às 11h30 e que ele teria entrado na sala de jantar, levando em conta o tempo de execução daquele tango cerca de quatro minutos e mais alguns minutos, talvez outros quatro, após o início do Fado das Trincheiras, às 11h38m: 11:30+4+4=11:38.

Adelino Cabral, que não havia sido visto durante toda a manhã, chegou pouco depois do filho. Considerando que este “pouco depois” não irá além de cinco minutos, teria entrado portanto às 11h43. De acordo com a hora marcada no relógio.

O inspector Eduardo Trindade chegou quando o relógio em questão marcava 13h15 o que estava de acordo com o seu próprio relógio. Concluímos por isso que o relógio da sala de jantar estava certo.

Porém, há um pormenor que não bate certo. O empregado afirmou que Adelino Cabral chegou às 11h50. Sendo assim, Adelino nunca poderia ter entrado na sala às 11h43 mas sim, pelo menos, às 11h53.

Isto leva-nos a concluir que António mentiu quando afirmou que o relógio estava adiantado 15 minutos e esta não foi a sua única mentira. Ele afirmou que tinha estado na cavalariça examinando um cavalo que havia comprado recentemente. Ora, se isso fosse verdade, o empregado da cavalariça tê-lo-ia visto e teria dado essa informação ao inspector. Mas informação não foi essa; o que o empregado disse foi que viu António Cabral dirigindo-se para a casa um pouco antes do início do Tango dos Barbudos e saído, um pouco depois do início do Fado das Trincheiras, pela porta principal, e dirigir-se de seguida para a porta da cozinha.

Depois disto, a conclusão a que chegamos é a de que foi António Cabral quem matou Almerindo Cabral.

Para isso, logo que chegou a casa do tio, dirigiu-se ao quarto deste e colocou o disco com o Tango dos Barbudos no gira-discos que pôs a funcionar. Como Almerindo gostava da música, nem se admirou, mas não teve tempo para se alegrar porque logo de seguida o sobrinho lhe desfechou um tiro à queima-roupa, matando-o.

António ficou ali até a música terminar pondo depois o outro disco. Saiu logo em seguida dirigindo-se para junto dos restantes familiares que aguardavam a chegada de Almerindo. Ali chegado, afirmou que o relógio estava adiantado, talvez com o propósito de se colocar fora da hora do crime e todos acreditaram – o que levou a que Alberto atrasasse o relógio.

Quando todos se dirigiram para o quarto de Almerindo ele deixou-se ficar para trás e voltou a acertar o relógio. Por isso, quando Eduardo Trindade chegou a hora marcada no relógio condizia com a do seu.

Um outro pormenor que chama a atenção é o facto de ele, estando dentro de casa, ter saído pela porta principal para voltar a entrar depois pela cozinha. Isto não foi inocente, pois queria fazer com que todos acreditassem que ele estava no exterior.

Se alguma suspeita de ter matado o irmão pudesse vir a recair sobre Adelino Cabral, ela é desfeita pelo empregado da cavalariça que o viu chegar às 11h50.

Este facto reforça a ideia de que António mentiu ao afirmar que o relógio da sala estava adiantado porque tendo entregue o cavalo às 11h50, Adelino nunca poderia ter entrado na sala às 11h42 como poderia parecer tendo chegado cinco minutos depois do filho.

Nem sempre um assassino precisa de um motivo para matar alguém, mas neste caso poderemos afirmar que António matou o tio porque este lhe cortara a mesada.

O médico legista prognosticou a hora da morte entre as11h20 e as 12h45. E como vimos pelo testemunho do empregado da cavalariça, António esteve no interior da casa dentro desse período. É verdade que os outros também estiveram, mas estiveram sempre juntos, o que os iliba.

© DANIEL FALCÃO