Autor Data 7 de Janeiro de 1994 Secção O Detective - Zona A-Team [200] Publicação Jornal de Almada |
QUAL DAS SEIS? Severina Isto
aconteceu há muitos anos. O primeiro período da escola primária começava no
princípio de Outubro. Naquele
dia, por sinal tristonho e húmido, seis rapariguinhas de bata branca, condiscípulas
desde a primeira classe, juntaram-se na sala da terceira classe antes da aula
começar, interrogando-se e descrevendo com entusiamo as novidades acontecidas
durante as Férias Grandes. Passado
o impacto do reencontro, não resistiram a confessar a natureza das lembranças
trazidas para oferecer à professora, D. Carolina, de quem gostavam muito. Lembranças
ainda encerradas nas embalagens apropriadas, adquiridas em terras da
província portuguesa por onde tinham passado, ou donde as famílias eram naturais.
E rejubilaram por não haver repetição! Alice
descreveu a elegante jarrinha asada, de barro negro, com desenhos gravados;
Ivone gabou os ovos moles da barricazinha de madeira; Ana tinha uma caixa com
doce de figos secos, confeccionados com amêndoas torradas; Maria de Fátima
vinha encantada com a saladeira de louça brilhante e colorida, imitando uma
folha de couve; a Zulmira trouxera um queijo regional, de leite de ovelha e
amanteigado; e Clara, alfacinha de gema, que não saíra da capital, mostrava o
raminho de rosas, armado na florista. Foi
só depois que Maria de Fátima apresentou às condiscípulas uma prenda da sua
madrinha, que visitara o Santuário de Fátima. Tratava-se de uma caixinha imitando
um livro de missa, que continha um bonito terço de contas nacaradas, última
novidade na altura. Foi
um espanto! A caixinha e o terço passaram de mão em mão, voltaram a passar
perante a admiração de todas, e… desapareceram! Debalde se procurou nas carteiras,
nos bancos, e no chão. Nada! Maria
de Fátima, em pranto, não se conformava. Temia a zanga dos pais e da
madrinha, chocada por a caixinha ter sumido. Apareceu a senhora Marcolina, a
contínua da escola, ao dar conta do choro da pequena, perguntando o que acontecera.
Pouco depois, chegava D. Carolina e quis saber do sucedido. De
imediato, a professora resolveu impedir a entrada das restantes alunas da sua
aula, encaminhando-as ao cuidado da senhora Marcolina, para outra sala. E
fechou a porta, vermelha de indignação. «Ora,
bem. Temos uma menina ladra!», falou, fitando as garotas com severidade.
«Quem foi?». Perante
o mutismo das discípulas, perplexas com o acontecimento, e sem que alguém se
acusasse, D. Carolina circundou as carteiras ocupadas e exigiu ver o conteúdo
dos bolsos das batas e dos fatos, despejando as pastas dos livros e dos
cadernos, revistando os estojos e todos os pertences. Em
vão! Dada
a inutilidade da busca, a professora mudou de processo, disposta a analisar o
assunto a fundo. Para D. Carolina, a missão de ensinar não se limitava em
explicar e corrigir as disciplinas dos programas, mas, mais ainda, em educar,
dando orientação, com o fim de formar no bom caminho as jovenzinhas que
chegavam às suas mãos. Sentada
à sua secretária, inquiriu minuciosamente o caso, desde o início.
Contemplando as seis figurinhas embaraçadas e chorosas (ainda havia pouco tão
alegres…), a professora perguntava-se: «qual das seis?», sem ter a mínima
suspeita. Contudo, abrandou um tanto a expressão, guardando a sua justa ira
para a autora do furto; cismando se, a essa hora, estaria morta de vergonha e
já arrependida de ter cedido à tentação. Conhecia bem as suas educandas… (ou
seria que não?). De qualquer modo, não podia deixar passar o pecadilho: urgia
encontrar a culpada e livrar de suspeita as outras inocentes. Não
tardou a saber das lembranças das alunas. Consoante abria as prendas,
agradecia com um gesto gentil, indicando-lhes que se encostassem ao grande
quadro de ardósia. Finda a pequena cerimónia, D. Carolina notou e evidente
disparidade dos objectos; era engraçado como podia distinguir as origens, ou
tendências, das famílias das pequenitas. O que não seria notório pelo
vestuário, se não houvesse urna excepção, um facto aparentemente
insignificante, que lhe chamara a atenção na sequência das evidências
anteriores: apenas uma das suas alunas – numa época em que ainda não se usavam
colans, ou jeans, nem as meninas vestiam calças compridas de fazenda (o que
seria escandaloso!) – agasalhava as pernas, da humidade característica do
Outubro lisboeta, com meias altas de lã, presas com ligas acima dos joelhos;
quando as outras os deixavam de fora, usando somente soquetes ou peugas a
cobrir a barriga da perna. Sim,
seria talvez uma indicação… Havia, também, a considerar a localização da
origem do objecto roubado – rota de muitos caminhos, a partir de Lisboa, mas
nem de todos! Faltava provar; era isso… E dar um castigo exemplar. D.
Carolina chamou a senhora Marcolina. Pediu-lhe que revistasse as crianças,
uma de cada vez, na sala de desenho. Mesmo que fosse preciso despi-las
completamente, indicando-lhe aquela por onde devia começar. A
caixinha foi recuperada, logo na primeira aluna, num esconderijo que só ela
poderia utilizar nesse dia. Dadas as circunstâncias… Pergunta-se:
–
Quais os nomes das regiões da origem das oferendas das alunas? –
Qual o facto que levantou as suspeitas a D. Carolina? –
Qual o esconderijo do roubo? –
Como se chamava a aluna que furtou a caixinha? |
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© DANIEL FALCÃO |
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