Autores

Severina

 

Data

6 de Outubro de 1995

 

Secção

O Detective - Zona A-Team [249]

 

Competição

Torneio dos Convívios

Problema nº 5 | Laranjeiro

 

Publicação

Jornal de Almada

 

 

Solução de:

O MISTÉRIO DA MORTE DE MR. MORLEY (“PASTICHE”)

Severina

 

Foi Mr. Alfred Cugat o criminoso.

Sócio do mesmo clube que Mr. Morley e Mr. Contmann, casualmente ouvira combinar o dia e a hora de uma entrevista em casa do primeiro. Como lhe estava devedor de apreciável quantia, acrescida de juros, emprestada para uma dívida de jogo, imaginou a maneira de praticar o crime fazendo a culpa cair sobre Mr. Contmann.

No dia em que se devia efectuar a entrevista, apesar da chuva com que não contara, Alfred Cugat chegou às imediações da casa de Mr. Morley, ficando no passeio fronteiro cerca das 10.35 horas. Pretendendo subir sem que a porteira o visse e vendo-a vir frequentes vezes à porta, afastou-se inquieto, ficando de longe aguardando que se recolhesse ou saísse. Às 10.45, a Sra Morrison saiu, por fim, e Mr. Cugat não perdeu tempo. Atravessou a rua enlameada e subiu ao primeiro andar. Bateu à porta que Mr. Morley veio abrir, logo se exaltando ao ver Mr. Cugat. Não acreditava que lhe fosse pagar e não queria recebê-lo por estar à espera de Mr. Contmann, com quem aprazara entrevista para as 11.00 horas dessa manhã.

Mr. Cugat afirmou-lhe que não iria roubar-lhe multo tempo, nem sequer queria entrar – apenas pretendia pagar-lhe. E metia a mão dentro do bolso interior do abafo, fazendo menção de retirar a carteira.

Mr. Morley acreditou apesar de admirado. Abriu mais um pouco da porta e esperou. Foi então que Mr. Cugat, com rapidez, retirou uma faca que trazia consigo; agarrou-lhe o ombro com a mão esquerda e com a direita, ao estender bruscamente o braço, enterrou-lhe a arma no peito, com força, empurrando-o ao mesmo tempo para o lado oposto da sala – na direcção da janela que ficava fronteira à porta – valendo-se da sua robusta compleição em contraste com a de Mr. Morley, sujeito seco de carnes e de baixa estatura. Feria deste modo Mr. Morley, de morte, sem entrar no escritório. Apenas a luva da mão direita apanhou o sangue que saiu da ferida no instante do impacto com excepção das gotas caídas no chão perto da porta, e que Holmes recolheu. Daí haver sangue somente no sítio aonde Mr, Morley caíra.

Apressadamente, Mr. Cugat puxou a porta para si e fechou-a com a mão esquerda. Tirou as luvas e foi espreitando de cima, por sobre o varandim, debruçando-se, receoso da volta da porteira. Não a vendo, voltou à rua.

Precisava vigiar a chegada de Mr. Contmann, para aparecer de imediato e conseguir que se arrombasse a porta; mas a luva suja alterava-lhe os planos – precisava desfazer-se dela e substituir o par de luvas, sem as quais se sentiria nu. Porque as foi procurar e comprar, não viu o moço de recados entrar – nem sair – ansioso por voltar. Eram precisamente 11.10 horas quando tornou à porta de Mr. Morley, voltando a passar por cima dos montes de lama. Subiu ao primeiro andar reparando numas outras marcas de botas bem enlameadas – que não era as suas, deixadas anteriormente e cobertas por aquelas. Sossegou convencido de Mr. Contmann já lá estivera e fora embora por não obter resposta.

Chegara a sua vez. Bateu com a força da porta para chamar a atenção da porteira, se já tivesse voltado, disposto a continuar a bater até que alguém fosse ver quem batia. Teimaria, depois, para falar com Mr. Morley para que fosse encontrado morto, com uma porta de permeio. Quando a porteira apareceu, sentiu-se seguro. Exagerou. Mentiu ao afirmar o seu encontro com o Mr. Morley às 11.00 horas – precisava convencê-la a abrir a porta, julgando que Mr. Contmann fora pontual e se tivesse ido embora por não ser atendido.

Mas Holmes ao analisar a fechadura da porta, verificando que não estava fechada à chave, percebeu como o trinco poderia ser fechado por fora, mantendo a chave na fechadura. Tudo indicava que o criminoso não precisara entrar na sala, nem deixara vestígios. E que Cugat poderia ter sido o homem pela aparente firmeza do braço e até o provável alcance do ponto onde encontrara a mancha de sangue. Logo compreendeu como o crime tinha sido cometido.

No entanto, o verdadeiro ponto de partida viera das pegadas, para a conclusão final, embora a hesitação em apontar abertamente a semelhança entre as primeiras e as últimas – as primeiras as do assassino, as últimas de Mr. Cugat – não lhe desse a segurança habitual. Foi só a carta aberta por Lestrage que lhe deu a completa certeza de que estava certo; o único homem que subira a escada nessa manhã de chuva, o moço de recados, trouxera a prova de que não houvera marcação de entrevista com Mr. Cugat para as 11.00, pois estava cativada para Mr. Contmann, que não pudera vir.

Assim, a vaidade de Sherlock Holmes fora tocada. Em sua consciência sabia que algo lhe escapara e que teve o cuidado de incluir na reconstituição do crime: as luvas novas e o seu porquê.

Daí as reticências sobre a publicação deste caso…

© DANIEL FALCÃO