Autor Data 4 de Outubro de 1992 Secção Policiário [66] Publicação Público |
Solução de: A MORTE DO HISTORIADOR Vasco Correia Veloso Solução
apresentada por Jartur Logo na primeira leitura do
problema, chegamos à conclusão de que se trata de um crime, e não de um suicídio
tendo em conta os seguintes pormenores: 1. Se o dr. Matias não era
canhoto, como informou o criado, logicamente, em caso de suicídio, disparando
sobre a cabeça, a arma seria, muito naturalmente, encostada ou aproximada da têmpora
direita. 2. Da mesma forma, nas
condições atrás descritas, ele não seria atingido apenas pelo projéctil mortal,
mas também pelos gases e resíduos de pólvora provenientes da explosão que
provocava o movimento da bala 3. Portanto, se tivesse
havido suicídio, o cadáver não ostentaria apenas uma ferida redonda, limpa.
Antes pelo contrário, apresentaria os bordos, e até um pouco mais em seu
redor, os tecidos musculares, a pele e os pelos, chamuscados e com resíduos
de pólvora. 4. Tendo sido uma pistola
grande, de calibre 45, que lhe provocara a morte e sabendo-se que esse tipo
de armas ejecta as cápsulas deflagradas, se tivesse sido suicídio, o
inspector não teria deixado de ver, sobre o tampo da mesa ou nas suas
imediações, o referido objecto. 5. Também o orifício redondo
marcado na portada da janela – e que o autor do problema não esclarece se foi
provocado por uma bala – nos leva a conjeturar sobre a sua existência.
Efectivamente, tal marca não poderia de forma alguma ter sido feita pelo
projéctil fatal, já que este terá ficado, o que é perfeitamente lógico e admissível,
dentro da caixa craniana da vítima, visto que não é observado, no corpo caído
de borco sobre a secretária, o buraco disforme e sangrento da saída da bala. Estamos, assim, devidamente
esclarecidos quanto à impossibilidade de ser o proeminente historiador autor
da sua própria morte. Torna-se, pois, necessário,
para esclarecimento integral do caso, partirmos em busca do criminoso. Essa
tarefa, porém, está sobremaneira simplificada, tendo em vista as declarações
do criado, e as observações efectuadas pelo inspector Mason. a) Num bolso interior do
casaco da vítima, o investigador encontrara o relógio parado, marcando 14h00,
e guardara-o, chamando em seguida o criado. b) O criado afirmou que
estivera ausente desde o meio-dia e até às três, três e meia… (Abro aqui um parêntesis
para ter em conta que o autor do problema, certamente, queria dizer três e
meia da tarde ou, mais correctamente, 15h30, já que eram 16h00, quando Mason
entrou na mansão.) É evidente que as
declarações do criado são um chorrilho de mentiras e rapidamente se chega à conclusão
de que fora ele o assassino do historiador. A acusação assenta, inicialmente,
no facto de ele se referir ao estado em que se encontrava o relógio que o inspetor
guardara, o que se supõe não ser do conhecimento do trabalhador, já que esse
objecto fora retirado dum bolso interior do casaco do morto, que se encontrava
sentado na cadeira. O relógio não estava, pois, ao alcance do olhar do
criado, quando este foi chamado à presença do investigador. Do mesmo modo, quando disse
(substituindo-se ao investigador) que o relógio se partira quando o senhor
doutor se suicidou, estava a assinar a sua própria e indesmentível declaração
de culpabilidade, visto que somente o assassino poderia ter conhecimento dos
factos que ele denunciava. Estamos, assim, em
condições de colocar nos seus lugares exactos, as mais irregulares peças do “puzzle”,
reconstituindo o crime e revelando cada uma das possíveis conclusões. O criminoso, agravando
ainda mais as iniciais suspeitas do inspector, disse que o relógio se partira
quando o doutor se suicidou, o que não poderia ser verdade, já que o
investigador havia encontrado a tampa desse instrumento fechada, sem
quaisquer fragmentos de vidros. Aliás, se admitíssemos a hipótese de ter sido
às 14h00 a morte do historiador, teríamos que considerar que quando o
inspector chegou, às 16h00, com a janela do escritório aberta de par em par,
já o sangue não estaria tão seco quanto nos é descrito, empapando os papéis
sobre a mesa de trabalho. Não há dúvida, pois, que o
crime foi premeditado e cometido pelo criado. Previamente, numa ausência
do patrão, retirou a pistola da gaveta. Depois, terá saído, provavelmente no
período de tempo que mencionou, de forma a ser visto por pessoas que o
conhecessem e pudessem vir a confirmar o álibi. Regressado a casa, entrou
no escritório, fez pontaria, e a bala foi atravessar a portada da janela. Porém,
o segundo tiro acertou no alvo. Retirou-lhe o relógio que “partiu” para fazer
avariar, e colocou os ponteiros a marcar as 14h00, hora que lhe convinha,
pelo que atrás já foi escrito, ser considerada a hora da morte. Acto
contínuo, repôs o relógio no bolso da vítima, cujo corpo preparou,
colocando-lhe a arma na mão, certamente sem ao menos se lembrar de limpar as
suas impressões digitais. Não sendo muito bom criminoso, era todavia um
criado zeloso e eficiente, pelo que, depois de telefonar para a Polícia,
apanhou as cápsulas que estavam no chão, e foi pô-las no lixo, junto aos
fragmentos do vidro que já ali estavam, do relógio e, talvez, da janela. Algumas falhas técnicas e
imprecisões do problema, como “o criado comunicar que deparara com o patrão
morto, no escritório”, e o inspector Mason “ver o corpo logo que entrou na
sala”, poderiam levar--nos a outras especulações. Todavia, ficamo-nos por
aqui, aguardando os relatórios da autópsia e dos exames laboratoriais. |
© DANIEL FALCÃO |
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