Autor Data 21 de Agosto de 2013 Secção Policiário [1151] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2013 Prova nº 6 (Parte I) Publicação Público |
Solução de: OUVINDO O FLECHA DE PRATA PASSAR… Verbatim Na
resolução deste caso, temos de verificar, em primeiro lugar, se a morte de
António Rijo se deveu a suicídio. Vemos que é muito pouco provável que tal
tivesse acontecido, porque o disparo foi efetuado a mais de meio metro de
distância da têmpora da vítima e também porque Rijo se encontrava com umas
fortes luvas de couro calçadas, pouco ou de todo impróprias para acionar o
gatilho. Sem
qualquer referência ao estrépito do tiro, temos de inferir que o ruído, além
de abafado pelas paredes da loja, também não encontrou pessoa no exterior que
o tivesse ouvido. Analisando
as declarações, vemos que o testemunho de Aníbal Ruivo parece contraditório.
Primeiro porque às 21h15 já se teria posto o sol, não fazendo muito sentido
que, numa aldeia sem luz elétrica, ele começasse então a consertar uma rede
de galinheiro e a seguir saísse a correr, sem iluminação, por um mau caminho.
Depois há a referência ao apito agudo do comboio que não conjuga com o apito
arrastado assinalado pelo narrador. Finalmente, ele teria chegado à venda com
o lojista já morto, talvez em simultâneo com a viúva. É muita coisa duvidosa. Há
porém duas importantes explicações. Quanto
ao pôr-do-sol, deverá notar-se que, em Junho de 1945, a hora de verão estava
adiantada120 minutos e não apenas 60. Assim, durante aquele mês, numa
latitude como a do Outeiro do Bailador, o sol nunca se terá posto antes das
21h55 nem depois das 22h11. Portanto, às 21h15 era dia. O Sol ainda não se
pusera e o ar estava desanuviado. Aníbal Ruivo pode mesmo ter regressado a
casa em condições de continuar com o conserto da rede. No
que respeita ao apito dos comboios, será de notar que o silvo de uma
locomotiva, em bom andamento, é ouvido de um modo mais agudo ou mais grave
conforme a fonte de som caminha para nós ou se afasta de nós. É o efeito de
Doppler. Como o Flecha de Prata andava ali relativamente depressa, esse
efeito fazia-se sentir. Aníbal Ruivo, estando a uma pequena distância da loja
e, portanto, perto da passagem de nível, ouviu o apito agudo relativo a uma
aproximação. Já o narrador, um quilómetro a norte da passagem de nível,
assinalou o apito arrastado do Flecha que se afastava para Sul. Aníbal
Ruivo não mostrou saber mais sobre a morte de António Rijo do que aquilo que
por ali constaria a partir dos gritos da viúva, isto é, que o lojista tinha
sido morto com uma pancada na cabeça. Zeferino
Carreira e Maria Perpétua do Souto nada disseram de comprometedor. Esta
última, ao atribuir a morte de António Rijo a uma sacholada na cabeça,
limitou-se a ligar o que se contava com uma das mais vulgares formas de
agressão que conhecia. Ela terá ido à loja pelas 20h00 e Carreira,
considerando o tempo necessário para a carroça fazer um quilómetro, terá
saído cerca das 19h50. Portanto, estiveram os dois na venda antes de Aníbal
Ruivo. A
viúva de António Rijo e a criada são ilibadas pelo narrador. O testemunho
cruzado terá ajudado. Brás
Laranjeira é que se denunciou ao falar de suicídio e da arma que a vítima
teria usado para se matar porque, em princípio, não deveria saber de uma
coisa nem da outra, pois o regedor providenciou no sentido de não ser dado a
conhecer mais do aquilo que a viúva entendera e gritara. Deduz-se
que o advogado não se deu ao trabalho de verificar o que sobre a morte de
António Rijo corria entre o povo e que confiou demasiado na divulgação da
cena que contemplou, ainda com bastante luz, na altura de abandonar a loja.
Enganou-se porque a viúva não viu tudo e as autoridades foram discretas. Resta
uma questão por esclarecer: como terá Brás Laranjeira acedido ao revólver de
António Rijo? Não o sabemos ao certo, mas é o próprio advogado que nos
fornece uma pista e nos faz suspeitar de crime premeditado, quando afirma
saber que tinha um revólver parecido com o do lojista. Poderá, portanto, ter
congeminado aproximar-se deste último sob o pretexto de fazer uma comparação
de armas. Talvez até se tenha munido de umas luvas finas para manusear o
revólver, com a descarada desculpa de não o querer manchar. Logo que ficou
coma arma de António Rijo na mão, alvejou-o. Simulou, então, um suicídio. Ao
fazê-lo esqueceu-se da distância a que disparou e das luvas que a vítima
calçara para arrumar o arame farpado. A
ação criminosa poderá ter acontecido depois de Aníbal Ruivo ter deixado a
loja, talvez entre as 21h30 e as 21h45, ainda com o Sol acima do horizonte. |
© DANIEL FALCÃO |
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