Autor Data 26 de Outubro de 2014 Secção Policiário [1212] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2014 Prova nº 8 (Parte I) Publicação Público |
Solução: O CÚMULO DA VELOCIDADE Verbatim O
suicídio de Jonas parece pouco provável porque a bala, encravada no soalho,
apenas um metro atrás da cadeira, na qual Jonas estaria sentado quando foi
atingido, nos obriga a supor que ele teria apontado a pistola, sobre si, com
uma acentuada inclinação em relação ao soalho. Ora, o natural é um suicida
apontar a arma segundo um plano um pouco desviado do plano perpendicular ao
seu peito, para um lado ou para o outro conforme a mão usada, mas sem
inclinação em relação ao soalho ou apenas com uma ligeiríssima inclinação.
Portanto, a haver suicídio, a bala teria ido bater mais longe, talvez numa
parede, e, também, fora da faixa que se traçasse atrás da cadeira. Em
todo o caso, aquilo que foi observado ajusta-se muito bem a um disparo feito
por outrem, de pé, em frente da vítima, com esta sentada na cadeira. É pois
lícito começar por explorar a hipótese de crime. Detectam-se, então, indícios
de uma encenação de suicídio: a arma deixada perto do cadáver, como
naturalmente desprendida da mão do suicida, e o gabinete fechado, com a respectiva chave na mesa de trabalho, como se apenas a
vítima o pudesse ter fechado. Mas, tratando-se de uma encenação e havendo um
criminoso, de que modo teria este conseguido fechar a porta pelo lado de fora
deixando a chave lá dentro? De uma maneira muito simples: obtendo uma cópia
daquela chave vulgar ou utilizando a chave de outro gabinete que funcionasse
também na fechadura de Jonas, isto porque, nas casas antigas, como aquela,
havia quase sempre pares de fechaduras iguais ou tão semelhantes que
funcionavam como iguais. Estaria
o criminoso entre as quatro pessoas interrogadas? Dimas
Ló poderá ter sido o assassino porque, de acordo com a sua declaração: a)
Pediu para arrombar a porta do gabinete de Jonas antes de poder estar certo
de ele lá se encontrar, pois tinha acabado de chegar ao escritório,
confessando, até, que Gomes Leitão só concordara com o arrombamento depois de
ter verificado que o telemóvel de Jonas tocava dentro do gabinete. Note-se
que Gomes Leitão dera pela entrada de Jonas às oito horas mas, como era
costume as pessoas fecharem os gabinetes quando saíam, não quis deixar de se
certificar da possível presença do sócio. Dimas Ló, esquecendo-se de fazer o
teste de presença através do telemóvel, mostrou saber que Jonas se encontrava
no gabinete quando, em função do que declarou, não estaria em condições
sequer para o supor, uma vez que o gabinete fechado e o não atendimento de toques
na porta eram sinais de que o respectivo ocupante
não se encontrava ali. b)
Denunciou preocupação em sublinhar a hipótese do suicídio ao falar desta como
coisa assente, em concordância com os problemas psicológicos que, segundo
ele, Jonas aparentava e, também, ao dizer que ficara apreensivo pelo facto de
Jonas poder estar fechado no gabinete com uma pistola. A propósito, convém
sublinhar, que nenhuma das outras três pessoas se inclinou para a hipótese do
suicídio, mau grado o quadro que tinham observado quando a porta foi
arrombada, o qual apontava nesse sentido. Nada
de suspeito se detecta em qualquer dos outros
depoimentos. Atente-se a que não é de admirar que Gomes Leitão tenha ouvido
as vozes de Jonas e Botas quando estes estavam no segundo andar e ele se
encontrava a chamar o elevador no rés-do-chão, porque, nos prédios antigos,
as caixas dos elevadores eram muito abertas e situavam-se entre as escadas de
acesso interior, permitindo que se distinguissem vozes entre patamares
distando quatro ou cinco andares entre si. Se Dimas Ló matou Esteves Jonas, como
poderão ter acontecido as coisas? De
acordo com o que nos é dado saber podemos supor que Dimas Ló foi para o
escritório antes das oito, a hora a que talvez chegassem os mais
madrugadores, inclusive Jonas. Vimos que não havia ali serviços de portaria e
que cada um entrava e saía livremente. Meteu-se então no gabinete de Jonas,
usando um duplicado da chave para abrir e também fechar a porta, calçou umas
luvas e munido, muito provavelmente, da arma do próprio Jonas, aguardou a
chegada deste. Logo que isso aconteceu, minutos depois das oito, dominou-o
sob a ameaça da pistola. Do que terão falado nada sabemos. Por qualquer
motivo entendeu liquidar Jonas quando o tinha sentado à sua frente. Terá
nessa altura ocorrido o disparo que Gomes Leitão ouviu pouco depois das oito.
Esta sequência confere, também, com a hora de falecimento estimada pelo
médico. Não sabemos se Dimas Ló roubou alguma coisa. Podemos, no entanto,
admitir como muito possível que tenha verificado haver condições para que
aquele homicídio passasse por suicídio. Assim, colocou a pistola junto do
cadáver e a chave do gabinete, a usada por Jonas, na mesa de trabalho.
Guardou as luvas no seu bolso, verificou se havia algum ruído no corredor e,
sem sinal de gente nas proximidades, saiu do gabinete, tendo o cuidado de
deixar a respectiva porta fechada à chave. Seguiu
depois para a rua a fim de se dirigir à Tecnicab,
onde, por agendamento anterior, já o esperariam. Ninguém o vira no
escritório, salvo a vítima. O álibi era muito bom. Entretanto,
desembaraçou-se das luvas e da cópia da chave do gabinete de Jonas (a menos
que tivesse utilizado a sua própria chave que, por coincidência, fosse
semelhante à de Jonas). Terá feito isto tudo dentro da ideia de que, quando
regressasse, lá pelas dez, talvez o suicídio já estivesse sido dado como
coisa assente. Isso não aconteceu e a sua ansiedade denunciou-o. A
descrição anterior enquadra-se perfeitamente no que nos foi dado conhecer e o
mais certo é ter sido posteriormente confirmada pelos investigadores do caso. |
© DANIEL FALCÃO |
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