Autor Data 1 de Maio de 2017 Secção Competição Prova nº 2 Publicação Audiência GP Grande Porto |
Solução de: TRANCADO NA CASA DE BANHO Verbatim Flávio Alves verificou, em
primeiro lugar, que não estaria perante um caso de suicídio. O corpo
estendido, como que arrumado ao comprido no espaço disponível, não conjugava
bem com quem de pé, ou sentado no bordo da banheira, tivesse dado um tiro na
têmpora. A pistola, perto do ombro direito do corpo estendido, parecia
resultar do ato muito improvável de alguém que se tivesse dado ao trabalho de
se estirar no chão para depois se matar. A ausência de qualquer salpico de
sangue apontava para morte ocorrida em sítio diferente do da casa de banho. A
cápsula dentro do bidé parecia também não acertar muito bem com tudo o resto.
Finalmente, o facto de o cadáver não incomodar a livre rotação da porta não
deixava ser uma particularidade a considerar. No seguimento das
observações anteriores, o Inspetor foi levado a encarar a hipótese de uma
encenação de suicídio que, na circunstância, a porta trancada por dentro
parecia não permitir sustentar. Todavia, ao presumível assassino não terá
sido difícil aferrolhar a porta a partir do exterior. O pedacinho de
fita-cola pode ter servido para segurar a haste da tranca antes de esta
entrar no batente e, ao mesmo tempo, para suster uma linha que a envolvia e
cujas pontas passavam por debaixo da porta. Puxando as duas pontas em
simultâneo, depois de bem fechada a porta com o auxílio da maçaneta, a haste
era obrigada entrar no batente. (Não se exclui a possibilidade de ter sido
utilizada uma lâmina flexível, atuando de cima para baixo, em vez da linha).
Uma vez encaixada a haste no batente, só havia que retirar o fio puxando-o
por uma das pontas. Se a fita-cola tivesse saído com a linha, talvez o
Inspetor não tivesse chegado tão depressa ao modo como a porta poderia ter
sido trancada por fora. Portanto, o Sr. Jacinto
Dores terá sido assassinado e o autor ou autores do crime terão encenado um
suicídio. Flávio Alves, embora não
tenha conseguido impedir que os hóspedes falassem com os donos da casa antes
de os interrogar em separado, acabou por recolher indícios, na breve conversa
que se estabeleceu entre os quatro moradores daquela habitação, que levavam a
inculpar Maria da Paz e Inocêncio Guerra. Com efeito, a hóspede Maria da Paz
Guerra, antes de poder saber o que se passara naquela casa, foi de imediato
perguntar se tinha acontecido alguma coisa ao Sr. Dores e, depois de
esclarecida, sem que alguém tivesse ou pudesse ter falado de um hipotético
suicídio, aventou essa possibilidade, justificada como consequência da
depressão devida ao cancro de que o falecido sofreria. Quer dizer, Maria da
Paz mostrou ter em mente a ideia de que Jacinto Dores se havia suicidado, mas
não por via da informação que lhe foi prestada. Aliás, José Mata contestou-a
de imediato e adiantou um ataque de coração como aquilo que lhe parecia mais
natural para alguém que, quanto sabia, foi encontrado morto dentro da casa de
banho. A exclamação de Inocêncio
Guerra perante esta hipótese do ataque de coração, demonstrando dúvida e grande
admiração, evidenciou também a surpresa de quem não estava à espera de tal
suposição, talvez porque achasse que com um tiro, algo que os donos da casa
desconheciam, só o suicídio ou homicídio se poderia aplicar ao caso. O Inspetor verificou,
assim, que Maria da Paz e Inocêncio Guerra deram a entender que sabiam o que
se tinha passado, colocando-se como possíveis autores do crime. O caso parecia deslindado
mas ainda havia muito a fazer para se poder confirmar ou infirmar a conjetura
de que o Sr. Jacinto Dores havia sido morto entre as 15:30 e as 17:00 daquele
sábado por um ou pelos dois membros do casal Guerra, os quais, depois disso,
teriam encenado o suicídio da vítima através do truque do quarto fechado. Com efeito, entre outras
diligências e exames, era necessário ouvir, em separado, os quatro moradores
da habitação, isto é, a filha e o genro de Jacinto Dores bem como Maria da
Paz e Inocêncio Guerra, tendo em vista registar as suas declarações sobre
tudo o que fizeram naquela tarde, como e quando, saber das relações que
existiam entre eles e, claro está, detetar e, se necessário, explorar
quaisquer contradições; examinar o corpo e as vestes da vítima para detetar
sinais de eventual violência exercida para além do tiro; verificar possíveis
indícios de arrastamento do corpo; examinar as unhas do morto para ver se
teriam material atribuível ao assassino; examinar o trajeto da bala para
determinar a posição da arma no momento do disparo; confirmar ou não a morte
como consequência direta do tiro sofrido; conferir a conjugação ou não entre
a pistola, o projétil e a cápsula; verificar sinais de limpeza propositada da
arma além de eventuais impressões digitais nela impressas; verificar, ainda,
possíveis impressões digitais deixadas na cápsula; conferir a propriedade e
registos relativos à pistola; rever todas as fotos da cena encontrada na casa
de banho, nomeadamente para confirmar a presumível artificialidade da posição
em que o corpo se encontrava. Nota
de esclarecimento do Autor: O enunciado deste desafio saiu
com um erro de que, como autor, sou o único responsável. Ele aparece no
parágrafo que diz “Ela dirigiu-se logo a Maria do Céu, perguntando se tinha
acontecido alguma coisa ao Sr. Dores. A viúva, em novo assomo de lágrimas,
explicou-lhe o sucedido”. Assim, onde está escrito “A viúva” deveria ter
aparecido “A filha deste”. O erro, embora não impeça que se chegue a uma
solução como a que se deu atrás, não deixa de levar os solucionistas a
colocar perguntas e a perder tempo até poderem concluir que, muito provavelmente,
ali houve gato. Fiquei desolado com o que aconteceu e peço que aceitem as
minhas sinceras desculpas. |
© DANIEL FALCÃO |
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