Autor

Verbatim

 

Data

3 de Dezembro de 2018

 

Secção

O Desafio dos Enigmas [60]

 

Competição

Torneio "Solução à Vista!"

Prova nº 4

 

Publicação

Audiência GP Grande Porto

 

 

Solução de:

CONTAS DESAJUSTADAS

Verbatim

 

O Inspetor estagiário preparou o seguinte texto para apresentar aos três amigos que haviam feito a viagem até Nova Iorque:

“Meus caros senhores, agradecendo a vossa presença, vou tentar mostrar-vos que, por não terem dado ou requerido explicações entre vós e em devido tempo, acabaram por se enredar em mal-entendidos na sequência de um engano inicial.

1 – Assim, em primeiro lugar, deverá notar-se que dos 2000 euros entregues por Afonso Sena, pertencem 1600 a João Liberto, e não apenas 1200, e a Carlos Guimarota pertencem somente 400 euros e não tanto como 800.

Com efeito, cada um de vós gastou 2000 euros do total de 6000 euros. Como, para este total, João Liberto contribuiu com 3600 euros, ele terá de receber o que pôs a mais para além dos 2000 euros da sua despesa. Terá portanto de receber 3600 – 2000 = 1600 euros. Por seu lado, Carlos Guimarota, que contribuiu para o bolo com 2400 euros, terá a receber 2400 – 2000 = 400 euros. A sugestiva proporção de 3 para 2 entre as contribuições do João e do Carlos, ao ser aplicada nestas contas para as quais não tinha de entrar, conduziu a um engano.

Portanto, João Liberto reclamou a quantia de 1600 euros com toda a razão.

2 – João Liberto, contudo, não explicou por que motivos estavam errados os quantitativos apurados por Afonso Sena. Teve oportunidade para o fazer e não o fez, gerando desse modo a revolta de Carlos e o distanciamento de Afonso, ambos aparentemente convencidos da inteira bondade das contas efetuadas anteriormente. Quer dizer, João Liberto, embora certo quanto á correção a fazer, não a soube apresentar e provocou, sem qualquer necessidade, a irritação dos seus dois amigos.

3 – Carlos Guimarota, por seu lado, não foi capaz de pedir uma explicação sobre os cálculos feitos por João Liberto. Preferiu dar a entender, a partir de certa altura, que João Liberto estaria a querer acusá-lo de ser capaz de ficar com dinheiro de outrem. Terá sido por isso que se encostou ao João para o intimidar e até apelidar de eventual gatuno.

4 – Afonso Sena também não ajudou a esclarecer a situação criada. Não estando em causa a totalidade do dinheiro que devia aos amigos nem a rapidez com que liquidou a sua dívida, bem podia ter-se esforçado para tentar compreender a pretensão de João Liberto quanto à divisão do dinheiro. Deixou que os ânimos azedassem entre João e Carlos, quando estava em posição privilegiada para moderar a questão surgida.

5 – Como se depreende do atrás exposto, que se fundamenta nas vossas declarações, nenhum de vós esteve inteiramente bem neste caso, tendo cada um contribuído, a seu modo, para a desastrada confusão gerada. Por isso, o melhor será talvez cada um esquecer alguma razão de protesto para, sobretudo, reconhecer os mal-entendidos que terá ajudado a criar, retirar qualquer queixa, aceitar a regularização das contas e cumprimentar os outros dois. Que vos parece?”

Como o Inspetor estagiário, segundo sabemos, se saiu muito bem da sua incumbência conciliatória, podemos concluir que os três reconheceram não terem estado bem, se cumprimentaram entre si e que a queixa foi retirada. Quanto às feridas abertas, talvez nem todas tivessem ficado completamente saradas.

Nota: A ilusão da sugestiva repartição que conduziu ao engano nas contas foi colhida no interessante livro de recreação matemática “O Homem que Sabia Contar” de Malba Tahan (pseudónimo de Júlio César de Mello e Souza), Editorial Presença, 2001.

© DANIEL FALCÃO