Autor Data 4 de Janeiro de 1991 Secção O Detective
- Zona A-Team [115] Competição Prova nº 3 Publicação Jornal de Almada |
NATURALMENTE… Virmancaroli –
«Um pouco de chuva em alguns lugares» – disse Leonel Guerreiro, enquanto seus
longos dedos faziam cair no lugar a tranca de madeira da porta da sala de
estar. –
Seria um título maravilhoso… só que não se poderia aplicar a uma história de
homicídio. –
Seria um título terrível para qualquer espécie de história. – Respondeu
Inácio Figueira, caminhando pesadamente com «seus pés nus de marinheiro» em direcção ao armário de carvalho onde Leonel Guerreiro
guardava o seu wísque. – Afinal de contas de que se
trata? Uma previsão do tempo? –
Sim, ouvi isso pelo rádio da cozinha quando estava pondo a galinha a assar. –
Óptimo – disse Inácio Figueira, enquanto suas
largas mãos vermelhas se ocupavam com a bebida. – Ainda poderei trabalhara ao
ar livre amanhã. Amanhã.
Amanhã, disse Leonel Guerreiro consigo mesmo, enquanto se acomodava a um
canto do sofá. Amanhã no jardim inteiro não ecoariam as batidas da máquina de
escrever de Inácio Figueira. Amanhã ao escurecer, disse Leonel Guerreiro
consigo mesmo, haverá um wísque para ele saborear sózinho e em paz. Sózinho, embora devesse
ser com Isabel. Ao
pensar nela, Leonel permitiu-se um medido olhar de ódio para as costas de
Inácio, enquanto seu hóspede não desejado permanecia em pé, olhando para a
longa paisagem de pastos e desertos. Leonel
Guerreiro lembrou mais uma vez o que Inácio Figueira lhe fizera. A leitura
final do libelo. Considerando
que Isabel concordara em desposar Leonel Guerreiro, no dia em que ele
conquistara inesperadamente o prémio de critério criminal, da Sociedade de
Escritores de Crime; considerando que na subsequente entrega do prémio, dois
meses depois Inácio Figueira, ex-presidente dá Sociedade encontrando-se com
Isabel pela primeira vez de tal modo a seduzira que ela passara a só ter
olhos para ele, considerando que Inácio Figueira, já tendo sido casado duas
vezes, anunciara uma quinzena mais tarde que Isabel seria a sua terceira
mulher, sem dúvida para divorciar-se dele no devido tempo, como suas duas
predecessoras, sob alegação de crueldade; considerando… Só
que, como aparteou Leonel em seu próprio devaneio, em cada ocasião anterior o
Juíz tornara perfeitamente claro que a crueldade de
maneira nenhuma era o romântico material de violência que os livros de Inácio
Figueira levavam a esperar. Este
salpico de malícia interior davam a Leonel Guerreiro firmeza suficiente, para
reconhecer a sua humilhação final. O convite que Inácio Figueira fizera a si
próprio para ir passar na casinha de Leonel Guerreiro «três ou quatro semanas
de paz e sossego, a fim de escrever meu próprio livro». Cabana, imaginem só. Talvez precisasse de muitos pequenos
reparos, mas quantas outras casas tão distantes assim de rodovias principais
tinham, como aquela, electricidade e água corrente?
Sem dúvida, a fossa sanitária tinha dias de ruins, a antiquada instalação eléctrica precisaria ser logo renovada e a alameda
deveria de receber um ou dois carregamentos de pedregulhos; mas o telhado de colmo
estava intacto e o gramado estava bom, só precisava ser regado. Anteriormente,
Inácio Figueira só estivera na cabana durante meia hora, quando oferecera a
Isabel aquela «boleia até à cidade» que representara a fuga dela. –
Você não vai preparar as hortaliças? Com
um estremecimento Leonel Guerreiro percebeu que essa pergunta de Inácio
Figueira era o início da fase vital de algum plano. Humedeceu com a língua
seus lábios repentinamente secos. –
Eu deveria regar as plantas primeiro – disse ele. –
Bem, então porque não as rega? –
Estou muito cansado. –
Santo deus! Você não pode estar assim tão cansado. –
É trabalho mais pesado do que você pensa. –
Que parvoíce! Onde guarda você a mangueira? –
Deveria ficar pendurada no depósito de carvão, no porão. Mas lá em baixo é
tão escuro, que geralmente deixo a mangueira do lado de fora do depósito,
perto da torneira da água, que fica junto à porta do porão. Inácio
Figueira esvaziou o seu copo de wísque. –
Você vai descascar ervilhas – disse ele. – Eu regarei as plantas em dez
minutos. –
Não, se você regar os feijões lá ao fundo. E eles precisam disso, se não
podemos contar com um pouco de chuva. –
Parvoíce. São apenas trinta ou quarenta metros da distância. –
Mas você terá de voltar para abrir a torneira da água. –
Bem, você pode fazer isso para mim antes de começar a lidar com as hortaliças
– disse Inácio Figueira. Seguindo-o,
Leonel Guerreiro pensou que as coisas não poderia ter saído mais como desejava
que saíssem. Inácio
Figueira apanhou a mangueira pelo esguicho e afastou-se a passos largos sobre
seus pés nus e duros. –
Enfie sua ponta de mangueira na torneira – gritou Inácio Figueira, virando-se
para trás. – E você precisa consertar aquela torneira… pinga como o diabo. O
trabalho de aguar as plantas estava concluído dentro do limite de dez minutos
estabelecido por Inácio Figueira. De volta à torneira do lado de fora da
porta ele chamou Leonel Guerreiro que estava na cozinha. –
Onde você
disse que vai este negócio?
E você
precisa consertar o esguicho também. Esta ponta da mangueira está cortada, e
a gente em pouco tempo fica todo molhado. –
Sei disso – falou Leonel Guerreiro, debruçando-se para fora da janela. –
Estou sempre querendo consertá-lo. –
Bem, então porque não conserta? Agora onde vai isto? –
Em um gancho do depósito de carvão. Você vai precisar acender a luz. Leonel
Guerreiro ficou observando, enquanto Inácio Figueira tateava dentro do
depósito de carvão à procura do interruptor. –
É mais para dentro – disse ele. –
Siga o fio da luz com a mão que encontrará o interruptor. Mas,
naturalmente, Inácio Figueira não encontrou o interruptor, nem o gancho para
pendurar a mangueira. O seu corpo vibrou e caiu morto. Enquanto
esperava que o telefone do médico atendesse, Leonel Guerreiro saboreava um wísque… PERGUNTA-SE: 1
– Houve crime, suicídio ou morte natural? 2
– Em género de termo de narração, desenvolva a sua opinião, fundamentando os
raciocínios. |
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© DANIEL FALCÃO |
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