Autor Data 20 de Julho de 1978 Secção Mistério... Policiário [175] Competição Problema nº 11 Publicação Mundo de Aventuras [251] |
Solução de: A ARMADILHA Xavier Benigno 1
– O primeiro assalto de que a escola foi cenário fez gerar no espírito de
Mário Reis esta pergunta: «Verificada a existência de impressões digitais
comprometedoras, analisadas estas, e tendo-se chegado à conclusão de que elas
não tinham correspondência com alguma das procuradas em arquivos de
identificação, como conseguir «apanhar» os autores do crime, caso estes
tenham sido crianças?» Vivamente interessado em responder satisfatoriamente à
pergunta que a si próprio formulara, Mário Reis veio a saber que o nitrato de
prata em pó misturado com vaselina tinha uma palavra a dizer. Aproveitou a
maré de uma esporádica movimentação de dinheiros na sala de aula e vá de
pregar uma partida aos amigos do alheio. Arranjou uma caixa metálica e meteu
lá o produto do peditório, tendo-a abandonado dentro de uma gaveta, que não
ficou fechada à chave, para melhor facilidade do trabalho. Despertada assim a
cobiça, e depois de mandar embora os alunos no fim da aula, empreendeu a realização
da segunda parte do plano. Nesse mesmo dia, adquiridos o nitrato de prata em
pó e a vaselina, numa chapa de vidro, misturou-os com a ajuda essencial de
uma espátula de gesso, na proporção de uma parte daquele com três partes
desta. Besuntada a caixa com acetona, aplicou depois o creme obtido na superfície
de contacto. Desnecessário será dizer que esta operação foi feita, já a caixa
ocupava o seu lugar definitivo, evitando tocar-lhe posteriormente. Mário
Reis pensou no prejuízo de um vidro partido e abriu a janela. Estava
terminado o seu dia. As
nódoas amarelo-castanho-esverdeadas que apareceram a tingir os dedos de
Vitorino seriam indício seguro da autoria do furto. Mas não. Ele estivera
ajudando a mãe o descascar nozes. Ora esse serviço deixa as mesmas, tal como
ele tivesse pegado na caixa preparada. A
manipulação das canetas de feltro poderia levar a resultado semelhante, mas
os atingidos seriam, muito peculiarmente, o polegar, o indicador e o médio.
Todavia, isso seria coincidências a mais. 2
– Dos presentes à aula nessa ocasião, apenas um poderia ter sido incriminado:
o Vitorino. A investigação do caso pedia a confirmação da sua actividade na
tarde anterior, bem como a do César e do Alfredo. Adquirida esta, toda a
pista se diluiria no fracasso. Aventar a hipótese de utilização de luvas é
inviável. Só um aluno bastante instruído o faria. 3
– Pelo que já foi exposto parece obsoleto o pedido de reconstituição do
assalto, visto «o peixe ter mordido a isca e ter deixado o anzol»… Porém, o
que se pretende é pôr em causa a questão do número de «visitantes». Lógico
seria pensar que haveria sido um, e não ou mais, pois se assim fora, as carteiras
contendo as canetas de feltro não se encontrariam espalhadas no chão, pelo lado
interior do edifício, junto da janela. Supunhamos
que, e exemplifiquemos este particular nas pessoas de César e Alfredo, um
deles foi aliciado a participar no crime e que o «empurrado» foi o Alfredo.
No momento de fuga o César salta para o recreio em primeiro lugar, e como
autor da ideia, quer trazer consigo a colecção das carteiras, mas,
desastrado, deixa-os cair, e pede ao Alfredo que as atire lá para fora. Um
rebate de consciência impede-o de obedecer à ordem que vinha do exterior, e
resolve sair sem ser portador de algo. César,
de posse das moedas furtadas que reputa de maior valor que as canetas, ameaça
Alfredo de que o dinheiro fica para ele. Ou talvez muito simplesmente se
«pira»… Esquecido do escrúpulo anterior, Alfredo tenta pôr-se no encalço de
César e a escola desaparece como cenário de acção. Na
realidade, a psicologia de um assalto urdido por crianças oferece uma gama de
surpresas, que bem aquilatadas tornam-se tão compreensíveis que apetece, lá
na fase de interrogatório, embeber as perguntas num banho de simplicidade. O
adulto deve, ao orientar o questionário dirigido a uma criança, jogar com a
lógica infantil, com a maior seriedade, e tendo sempre presente que o mundo
da infância é tão sui generis que dificilmente um adulto poderá penetrar
nele. Na
mente de Mário Reis surgiu uma ideia: a constituição de um tribunal formado
por alguns dos seus alunos. E quer se acredite ou não o êxito compensou
largamente o esforço dispendido. Solução
apresentada por Zé Um
problema de Xavier Benigno é sempre uma incógnita. A gente pensa, vira aquilo
do avesso, constrói uma teoria e no fim… zás! Espalhamo-nos ao comprido. Não
conseguimos nunca saber de antemão se acertamos ou não. Não é uma questão de
perder um ponto ou outro num lapso. É, pelo contrário, o tudo ou nada…
Acertar ou errar em bloco! Bom,
vamos lá à teoria e esperemos que desta vez não haja «derrapagens»… Colega
Xavier Benigno. Você continua como professor e eu agora sou o aluno a fazer
exame. Vamos lá a ver se satisfaço ao seu teste. a)
Coincidência. É extraordinária a coincidência. Montada
uma armadilha com todos os pormenores, é preciso uma coincidência espantosa
para que ela não resulte, ou melhor, resulte mas sem se poder provar que
resultou. Parece
complexo, mas não é. Vamos por partes: a)
1 – Armadilha… a)
2 – A actividade do suspeito na véspera… a)
3 – A coincidência… a)
1 – Mário Reis tem consciência que a sua sala de aulas tinha sofrido um
assalto e suspeita que um dos seus pequenos alunos é o ladrão. A única
maneira que ele tem é preparar as coisas de modo a que o assalto se repita
pensando que «cesteiro que faz um cesto faz um cento» e que «a ocasião faz o
ladrão». Isto quer dizer que, deliberadamente prepara as coisas para que o
ladrão se sinta atraído a repetir a façanha. Assim, deixa a janela por fechar
e reserva uma pequena surpresa ao pequeno ladrão. Sabendo que o objecto-crime
deveria ser algo que não incriminasse o ladrão perante terceiros, Mário Reis
trabalha de modo a que os alunos tenham conhecimento de que as moedas
oferecidas (…) serão colocadas numa caixa metálica e esta dentro da gaveta,
muito «naturalmente» junto do livro de assiduidade (o que permitiria um
controlo diário mesmo que o golpe não resultasse e fosse necessário repeti-lo!).
Em seguida aplica nessa mesma caixa um corante que fique bem marcado nas mãos
do ladrão de modo a que nem mesmo por acção de lavagens desapareça o sinal
que identificaria o ladrão… a)
2 – Vitorino, um dos alunos, tinha andado, juntamente com dois colegas, a
apanhar nozes e a tirar-lhes as suas cascas… (e todos sabem o que acontece às
mãos, e não só às polpas dos dedos, quando se efectua esse trabalho – ficam de
um verde-acastanhado devido ao tanino do casca…)… …Assim,
é fácil de concluir de a) 1 + a) 2 a coincidência referida em a)
3 – Isto quer dizer que o ladrão (a ser Vitorino) disfarçara as nódoas do
produto aplicado na caixa (que devia, pois, ser algo que produzisse um
resultado, mais ou menos igual ao tal verde-acastanhado…) com as nódoas do
tanino das cascas das nozes… Ou seja, as primeiras vieram sobrepor-se as
segundas, o que é verdadeiramente espantoso e só poderia sair da mente de um
produtor como o Xavier Benigno, autêntico terror dos solucionistas por ser
autor de «chaves» espectaculares, dignas de um dos maiores vultos da
Imagínistica Policiária portuguesa. Se eu estou certo nas minhas deduções,
estamos perante o problema mais subtil que eu já resolvi na minha curta
carreira de solucionista. Isto não quer dizer que seja o melhor. Para mim há
grandes mestres (Constantino, «Sete», etc.) mas noutro género – o dedutivo.
Aqui, mais do que a dedução, tem de haver pesquisa, tem de «rebentar» a
ideia, em explosão, não em gestação lenta do acumular de pormenor. Ou gritamos
Eureka! Ou ficamos irremediavelmente calados e batidos. Por isso eu não gosto
destes problemas, porque adoro pensar, juntar a + b + c, reconstruir o
«puzzle», mas que Xavier Benigno é, no seu género, o maior, disso me
convenço! Bom,
mas deixemo-nos já de apreciações e passemos à questão 2. Aqui
também há algo a considerar e, com a devida vénia, há dois pontos a
considerar. Em primeiro lugar não tenho qualquer dúvida em afirmar que o
Vitorino seria o acusado. O professor ao pôr os alunos a fazerem exercícios
de aplicação de matéria dada, ficou com o campo aberto para olhar para as
mãos de todos eles. Foi ao reparar nas de Vitorino que Reis gritou para
dentro «já te apanhei». Era ele que tinha as mãos manchadas, só que como já
demonstrei, tinha um motivo suficiente para as ter. Ou seja, as manchas não
constituíam, por si só, prova do crime. Espantosa coincidência, de facto! (Segue-se
uma especulação sobre a possível cumplicidade Vitorino + César + Alfredo, e
depois…)… O facto de Vitorino não ter dado o recado, tendo-se esquecido,
tanto pode ser fruto do seu nervosismo ou intranquilidade de ter cometido o
furto, como puro esquecimento infantil, como um desejo de não falar no nome
dos seus cúmplices para não ferir a atenção. Penso,
porém, na não cumplicidade, o que não exclui a sua hipótese. Será, pois, caso
para posteriores investigações. Só o texto é insuficiente para dizer sim ou
não. 3
– (Neste número segue o modo de actuação… o apanhar das nozes e a feira colocam-nos
numa aldeia rural… aponta e explica porque é que o roubo poderia ter sido
feito ao amanhecer… e depois acrescenta)… os marcadores. Porquê a ordem do
professor – Não lhes toquem? Pois
bem. Na minha opinião, por duas razões: a primeira para pregar uma
valentíssima rasteira ao solucionista, mostrando um alvo (sacos de plástico)
para atirar a outro (caixa). Para
mim, o «produto» colorido que incriminaria o ladrão estaria na caixa e não
nos sacos dos marcadores. Por
outro lado (2.a razão) porque, com a queda, poderiam ter saído dos
sacos alguns marcadores que tivessem ficado sem a protecção das tampas e
terem derramado alguma tinta. Tocando nessa tinta ou sujando-se a pegar
neles, os alunos poderiam ter ficado com as mãos manchadas e isso é que o
professor não queria. As manchas revelariam o culpado e se houvesse vários
alunos com as mãos manchadas de verde, verde-escuro, castanho, preto, etc.,
poderiam confundir a investigação e o culpado ficaria impune. Como
ficou, aliás! Só que nessa altura o professor ainda não conhecia a tal
espantosa coincidência que fez ruir todo o seu plano. Sim,
porque o professor deve ter achado o ladrão. Só que não pôde provar. Um
professor deve ser assim – ensinar, pela sua experiência e actuação, os seus
alunos a fazer justiça, sendo justos. E é tremendamente injusto
(anti-constitucional e fora da lei) acusar alguém de quem não se prove
absolutamente a culpabilidade. In
Dubio Pro Reo. Foi o que Mário Reis pensou, não acusando Vitorino por ter dúvidas
sobre a sua culpabilidade. Gostaria
de conhecer a 2.a parte do conto de Xavier Benigno. Certamente
haverá uma solução – a dúvida permanente ou a solução por confissão. Depende
do autor. Fico à espera dela. |
© DANIEL FALCÃO |
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