Autor Data 12 de Junho de 1994 Secção Policiário [154] Competição Prova nº 5 Publicação Público |
UM CERTO MODO DE VIDA Xek Brit Nova Iorque, era sem dúvida, uma cidade estupenda, cheia de notícias,
emoções e crime. A ‘Lei Seca’ tinha
facultado a certos rapazes de miolos e iniciativa um sem-número de profissões
lucrativas. Havia de tudo: batoteiros, contrabandistas, pistoleiros, uma
série sem fim de ‘bons moços’ que da melhor maneira iam ganhando a sua vida. Carl Travis
era um homem bem parecido e bem vestido, trinta e
quatro anos de idade, ar atraente e inteligente. Tinha uma grande capacidade
para mandar, para fazer-se respeitar, e com grande habilidade para lidar com
a polícia; possuía também excepcionais condições de
trapacear, comprar, subornar, trair, roubar ou inventar qualquer expediente
quando não fosse possível trair, subornar ou comprar. O contrabando era a sua
principal actividade e há muito objecto
de cuidada investigação policial. Já estivera detido várias vezes por
suspeitas de envolvimento em diversos casos de roubo e agressão, mas sempre
conseguira, graças a amigos influentes e a um habilidoso advogado, oportunos
álibis que o livraram das consequências, mas não das suspeitas. Algumas das vítimas,
indignadas com a impotência da lei, haviam proferido ameaças contra a vida deste
criminoso sem escrúpulos, que também não gozava da simpatia de alguns
parceiros de ‘modo de vida’ pertencentes a outros ‘gangs’. Era um dos principais
suspeitos de envolvimento num grande assalto e roubo de munições e armamento
de um depósito do Exército ocorrido há apenas dois dias e que ainda ontem
fora notícia de primeira página dos principais jornais do país. Também nos jornais de hoje Travis era notícia de primeira página, embora o grande
destaque fosse para o trágico acidente aéreo ocorrido na véspera em Lakehurst e também para as últimas reacções
oficiais de alguns países europeus à assinatura da Lei da Neutralidade pelo
Presidente Roosevelt. Carl Travis
fora encontrado morto no seu Ford, cerca das 23 horas do dia anterior, por um
polícia que fazia a ronda na zona das docas, um local quase sempre enevoado,
com fraca visibilidade e muito perigoso. A brigada de homicídios,
chefiada pelo tenente Mário Zamith, rapidamente
tomou conta do caso e interditou a área aos inoportunos e sempre curiosos
jornalistas. Através da janela parcialmente descida era possível observar a
vítima, sentada com a mão esquerda firme no volante e com a cabeça tombada
sobre o ombro direito; para além de um rosto pálido e inexpressivo
destacava-se um ferimento na região parietal caracterizado por um orifício de
bordos regulares e de caracterização dificultada pelo abundante cabelo
castanho da vítima; do outro lado, a janela estava totalmente descida e
permitia observar uma pistola junto à mão pendente e enluvada do morto e à
esquerda de um jornal, aberto na página onde se noticiava desenvolvidamente o
referido roubo do depósito de armamento; no chão, a outra luva e alguns
papéis amarrotados. Ao entrar no carro, pôde observar um outro orifício na
região zigomática, muito irregular e ligeiramente mais pequeno. Havia sangue
espalhado pelo vestuário e pelo banco do carro. O tenente deixou o automóvel
para que os seus peritos pudessem completar a investigação e chamou o guarda
que descobrira o morto para esclarecer alguns pormenores. Sentado na confortável
poltrona do seu gabinete, o tenente Zamith, após
ter analisado todos os elementos até essa altura disponíveis, continuava
intrigado com o cenário que encontrara no automóvel e aguardava novos dados
para poder avançar neste processo. O relatório médico-legal confirmava que a
morte fora determinada por um único dispam que atravessara o cérebro e
ocorrera entre as 22 e as 22h30. A balística não encontrara o projéctil mortal, mas confirmou ser aquela a arma que efectuara o disparo. Amostras de umas manchas
secas acastanhadas, encontradas no banco da frente, encobertas pelo jornal,
mostraram por efeito redutor hemocromogéneo
alcalino; também o sangue espalhado pelo assento e pela roupa da vítima era
de tipo AB RH positivo. Foram igualmente
encontrados debaixo do jornal pêlos de tonalidade
castanha que, depois de analisados, revelaram índice medular superior a 0,50.
Por outro lado, partículas recolhidas da proximidade do orifício da região
parietal reagiram com a brucina, revelando cor vermelho-alaranjada. Quanto à ficha
dactiloscópica do morto, permitiu rapidamente confirmar que a grande maioria
das impressões digitais recolhidas pertenciam à vítima; a arma não
apresentava qualquer impressão digital. Os seus detectives
de campo tinham executado as suas indicações e haviam interrogado alguns suspeitos.
Jimmie Rizzi, um
pistoleiro franzino, 27 anos, outrora um grande atirador, mas a quem a bebida
reduzira a pouco mais que um farrapo, era agora pau mandado da sua quadrilha
já várias vezes prejudicada por Travis & Co.
Jantara em casa, após o que fora passear o seu cão e aproveitara para lavar
alguma roupa numa lavandaria pública. Regressou a casa cerca das 11h30, o que
foi confirmado pelo porteiro do prédio. Laureen era uma mulher interessantíssima, alta,
elegante, aparentando 30 anos. Vestia com gosto, sempre vistosa com as suas
peles e os seus cabelos dourados. Fora repudiada por Travis
e desde então era a namorada de um chefão rival. Jantara em casa e comera uns
descongelados que comprara no supermercado, mas tinha-se sentido indisposta e
decidira não sair, ficando em casa na companhia do seu gato. Sam Glover
era um ex-pugilista, retirado há cerca de dois anos devido a problemas
cardíacos. Desde então, desempenhara o papel de guarda-costas e braço direito
de um chefe que já várias vezes fora ludibriado por Travis
no “negócio” de armas. Nessa noite não se sentira
bem, pelo que ficou em casa a ler um livro policial comprado nessa tarde – ‘No
Pocket in a Shroud’, de Horace Mac Coy –, fazendo
companhia ao seu macaco de estimação. Danny Sullivan era
um conhecido larápio, baixote e entroncado, referenciado pelo seu sobretudo
com gola de raposa e por utilizar a pistola sem hesitar nos assaltos que
cometia. Tinha 34 anos de idade e alguns de rancor e ódio a Travis. À noite dera um passeio, aproveitando para fazer
uma ‘revisão’ aos parquímetros, e estivera a apreciar um cobertor eléctrico exposto na montra de uma loja, infeliz mente
muito próximo da esquadra. Perante todos estes novos
elementos, o tenente Zamith, após repetidas
leituras e cuidada análise, solicitou mais algumas informações sobre os
suspeitos em causa, todos eles já com cadastro na casa. Nenhuma das impressões
digitais recolhidas no carro, não pertencentes à vítima, correspondiam às das
fichas dactiloscópicas dos quatro interrogados. Sullivan
e Laureen tinham sangue AB RH positivo, Jimmie Rizzi tinha sangue A RH
negativo e Sam Clover sangue O RH positivo. Mas Zamith
continuava intrigado. O passo seguinte foi
folhear a lista telefónica, registar alguns números e pegar no telefone.
Alguns minutos depois pousava o auscultador pela última vez. O caso estava resolvido! O que proponho é que, tal
como o tenente Zamith, pacientemente, resolvam este
problema, que, não sendo fácil, tem muitos pormenores dedutivos que orientam
um perspicaz e atento solucionista. Queria ainda dizer-vos que
este problema não poderia ter sido escrito até essa altura – há elementos
para a data da morte. Digam porquê (deixei uma pista ‘destacada’, mas ‘disfarçada’!). |
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© DANIEL FALCÃO |
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