Autor

Zecadiabo

 

Data

13 de Novembro de 2016

 

Secção

Policiário [1319]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2016

Prova nº 10 (Parte II)

 

Publicação

Público

 

 

ERA TÃO BOM RAPAZ…

Zecadiabo

 

Nos velórios, há sempre tempo para ressaltar as boas atitudes de quem parte deste mundo. Mesmo que o desaparecido tenha sido a pior peste, só tivesse defeitos, naquele momento transforma-se num santo.

Naquele dia, foi o Zeca que viu terminada a sua viagem neste mundo e no velório iam-se juntando as pessoas da vila, a poucos quilómetros de Castelo Branco. Pouco a pouco, a reunião aumentava e todos começaram a contar cenas passadas com o Zeca, muitas delas ficcionadas, certamente, porque ele não era assim tão virtuoso como o pintavam.

Com o aproximar da noite e da hora das novelas, o salão foi-se esvaziando, permanecendo apenas quatro amigos, talvez os que mais privavam com o Zeca. A conversa foi deslizando e quando deram consigo, já estavam a contar histórias em que entraram, com o defunto.

O primeiro a falar foi o Tony:

– O gajo era um bocado maluco e tinha a mania que tudo rodava à sua volta. Um dia combinámos um encontro bem importante com um tipo alemão que vinha com ideias de arranjar parceiros em negócios. Era o que queríamos e por isso marcámos um encontro para as 17 horas. Pois o Zeca só apareceu perto das 18, nas calmas e quando lhe disse que o alemão tinha ido embora porque não aceitava atrasos, ainda se riu com o esquecimento em acertar o relógio por causa da mudança da hora! Ficámos de mãos a abanar, sem negócio…

O Melo pegou na deixa…

– Lembro-me de ouvir isso e olha, três meses depois, o Zeca lixou-me bem. Eu ia para uma reunião importante no meu emprego, o patrão ia distinguir os melhores e eu estava com o meu melhor fato, todo aperaltado e engraxado, quando ele soltou o estabanado do cão, que ele sabia que vinha logo atirar-se a mim, todo porco por andar a patinhar na neve. O bicho sujou-me as calças todas e tive de ir a correr a casa mudar-me para não aparecer imundo na cerimónia. Um raio de uma brincadeira mais estúpida e o Zeca ainda me perguntou se ia a um casamento!

O China contou:

– A mim, trocou-me a chave de casa quando estávamos no café e depois acompanhou-me até à porta, para apreciar o espectáculo. Eu a tentar abrir a porta, a tirar e a meter a chave, sem conseguir e ele a apreciar, a dar palpites: “vira os dentes para cima… não são os teus, são os da chave!”. E ria-se. Só quando eu decidi chamar os bombeiros e a polícia para abrirem a porta é que ele me deu a chave certa, mas sempre a gozar: “Experimenta esta e se precisares de mais, também se arranjam…”.

Finalmente foi o Joca a recordar um episódio:

– Pois ele tramou-me quando eu terminei o namoro com a Marília e andava muito em baixo. Convidou-me para jantar e levou-me ao restaurante do tretas, que como sabem, é caro para burro. Comemos e bebemos à farta e de repente ele levantou-se para ir à casa de banho e não voltava. Fiquei em pânico, sem saber o que fazer. Fui esperando, mas o Zeca não dava sinal. Depois de muito esperar, tive de chamar o empregado para lhe dizer o que acontecera e que não tinha dinheiro para pagar, mas afinal ele tinha deixado tudo pago! Sacana de um raio, fez-me sofrer a bom sofrer e depois ainda me disse que o fizera para eu sentir o que era estar enrascado e esquecer a Marília! Francamente…

Fez-se um silêncio prolongado. Cada um deles estava a recordar os episódios de uma amizade que durava há muito, ainda que com algumas situações menos ortodoxas, como era bom de ver…

Até que um dos amigos elevou a voz e confessou:

– Desculpem, mas eu contei uma história falsa. Não consegui resistir…

O autor desta confissão foi…

 

A – Tony

B – Melo

C – China

D – Joca

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO