Autor

Chery

 

Data

23 de Dezembro de 2001

 

Secção

Policiário [545]

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

ESTRANHA VISÃO

Chery

 

O cinquentão reformado foi o detido.

Se atendermos que a morte foi provocada por envenenamento; que se não refere qualquer indício de ingestão por via oral ou outra; que estando eu de frente para a varanda, embora lendo, seria alertado por percepção de movimento, que não da varanda em frente “coisa que apenas o subconsciente capta”; que ao olhar, do dardo “se desprendia um fino fio vermelho”; então podemos concluir que o veículo da morte fora o “pequeno e tosco dardo”.

Resta, pois, saber quem o arremessara.

O dardo apontava para mim. Vivendo a um nível superior ao da vítima, este teria inclinação idêntica e na direcção do meu prédio.

“Um tosco dardo”… um veneno mortal e de efeito rápido, “provavelmente de origem animal”… que nos recorda? Uma zarabatana artesanal que os indígenas utilizam como certeira arma de caça.

Quem teve hipóteses de arremessá-lo? Quem poderia possuir tal instrumento?

Pela posição do dardo, apenas eu, no sexto andar, e o cinquentão no sétimo teríamos hipótese de fazer o disparo. A todos os outros tal ficava vedado, da mesma forma que ver os banhos de Sol anteriores à morte. E nesse lote ficam incluídos todos os interpelados do outro prédio e a “bisbilhoteira do quinto”, que, embora vivendo ao mesmo nível da vítima, a varanda desta possuía “um muro” e a cama, sendo de praia, era rasteira.

Como terão percebido, não fui eu quem destruiu a bela visão.

Quanto ao mortal instrumento, qualquer um o poderia adquirir em qualquer parte, mas seriam o cinquentão regressado do Brasil e a “bisbilhoteira” da Venezuela quem mais hipóteses teriam de o possuir, não excluindo, eventualmente, o retornado de África. Por exclusão de partes, se o retornado e a “bisbilhoteira” o não podem ter arremessado… tudo aponta para o cinquentão.

Quanto ao “frequentador” da vítima, poderá parecer de difícil explicação a sua presença no local do crime, mas não foi ele o assassino. Porquê? A percepção de movimento que eu sentira era “apenas coisa que o subconsciente capta”. Isto não se coaduna com um movimento na varanda em frente. Pela posição do dardo, este não poderia ter sido soprado do interior da casa. Se daí alguém o cravasse, teria de ser à mão. Ora, no momento em que olhei, escorria sangue do dardo, pelo que acabara de ser cravado na carne da vítima. Em face disto, não me poderia ter escapado tal movimentação, pelo que não foi ele o criminoso, sendo a sua presença casual, dada a frequência das visitas, como natural foi a sua fuga, pois seria um potencial suspeito.

Demonstrado fica, pois, que o detido foi o cinquentão.

© DANIEL FALCÃO