Autor Data 24 de Julho de 2005 Secção Policiário [732] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2004/2005 Prova nº 10 Publicação Público |
Solução de: O MORTO ERA UM DOS PONTEIROS DO
RELÓGIO Zé da Vila – Então, esse crime? –
Pergunta Zé da Vila. – Olha, já tenho um bom
lote de dados; mas estou baralhado… – Pois! Se fossem laranjas,
peras… disso percebo! De crimes, nunca vi um morto… – Deixa! A chave do
problema está… espera, espera! A chave! É isso mesmo… Repara: o portão estava
fechado à chave e a chave estava no bolso de R.! Não “vejo” o morto deixar o
seu matador sair, fechar o portão e ir deitar-se na eira! Também não vejo o
assassino fechar o portão à chave e ir colocar esta no bolso do morto, ou
usar a que estava em cima da cadeira. Como sairia? Pelo portão (encimado por
espigões aguçados) ou pela cerca? Em voo? Não! Tem de haver outra maneira! Ponho de parte o pessoal da
vivenda (irmão e as outras três visitas), com álibis mútuos. Ao Matias e ao
Mariano, não os vejo encontrar uma chave, que fosse, exactamente,
a do “Quintal”. Então… Que dizes do Serafim? Será que um homem que durante
oito anos tem as chaves de uma propriedade (da qual é o principal obreiro)
não poderia possuir duplicados, para ocasional perda das que lhe foram
entregues? É uma prevenção natural… – Tens razão! Eu próprio
tenho três grupos das chaves de que preciso. – Claro! O mariola do
Serafim é mesmo um homem de palavra… e acção! Deve
ter ouvido o telefonema da filha. Saiu do quarto, para procurar as chaves
(nem ligou ao almoço!). Entra no quarto, abre a telefonia e… sai pela janela!
Espera pelo Ricardo, oculto na casa de banho da propriedade. Não é difícil
concluir que o apanha de costas e… não está com
meias medidas – ferra-lhe duas facadas! Enquanto o homem morre, olha para o
portão, entreaberto, e corre a fechá-lo, antes que a filha chegue. O Ricardo
está morto. Repara, Zé. A pergunta que
eu queria fazer ao médico – se calculara o tempo entre a agressão e a morte –
já não faz sentido. É que, atingido na espinal-medula, o derrame entra na
circulação sanguínea (até aos pulmões e cérebro), produzindo a morte. A
facada no coração pode ou não ter causado a morte. Deixo as dúvidas em
relação a qual das facadas a causou. Não parece ter sido instantânea, mas
ocorreu no período em que o assassino foi fechar o portão. O que me
interessa, de qualquer modo, é que, atingida a espinal-medula, a vítima ficou
paralisada. Não iria entrar na eira, por vontade própria! Aliás, que iria lá
fazer? Para ser morto? Isto responde às hipóteses: a), b) e
c). Resta-nos a última – d): foi levado para a eira, depois de morto, nos
braços musculados de Serafim, que o larga, sem se
curvar – deixa-o, literalmente, cair! Isso explica a fractura
post mortem do braço e o
facto de estar fortemente enterrado na terra argilosa, amolecida pela chuva
abundantíssima. Eis as respostas às
interrogações: quem e como? Falta-nos o porquê? E este porquê responde a três
factos distintos! Não o porquê do assassínio, que salta à vista (dadas as
circunstâncias), mas o porquê da ausência de rastos do criminoso, do rasto da
vítima a entrar na eira, da vítima estar descalça! Isto não nasceu por acaso.
O criminoso tinha que desaparecer, sem deixar indícios identificativos da sua
passagem. Serafim descalça o morto e
calça os sapatos deste. Faz um rasto, portanto, normal: nem fundo (pelo
carregamento de um corpo, pois já não o carregava), nem vacilante (de quem
vai ferido). Deixa os sapatos junto da vítima e calça os seus, que,
provavelmente, levava na mão. Vai buscar a mangueira, liga-a e abre a
torneira. Rega todo o outro terreno que pisou, apagando os rastos próprios e
indícios do crime – o que não é difícil de conseguir, em terra encharcada
pela chuva. A eira já está com bastante água e algumas poças; quem observar,
não distingue a água da chuva da água da torneira! Volta a colocar a
mangueira no lugar, fecha o portão à chave (com a sua chave), de que se
desfaz, juntamente com a arma do crime. Regressa a casa, ao quarto, entrando
como saiu, ao som do rádio! – Jogo limpo, como vês, Zé! – Parece correcto. Nem li nada parecido naqueles livros do Carr, que tu me trazes. Vais prender o Serafim? – Não. Isso é para o
Afonso. Tem de fazer umas pesquisas, para encontrar as chaves e a arma do
crime, porque, sem esse material e sem o homem ter sido visto na rua, àquela
hora (o que é provável, considerando que a chuva deve ter retido as pessoas
em casa), se ele teimar em negar, vai haver dificuldades… – Não me digas! Então é um
crime, desses perfeitos? – Não! Ainda temos a tal
arma secreta. Quando examinei os sapatos de Ricardo, notei duas ordens de
impressões digitais. Aposto que umas são do Serafim e outras do Ricardo.
Vocês, por cá, acaso andam de luvas? – Pois é, no trabalho
agrícola ainda não se pensou em luvas! Mas, olha lá! Que história é aquela
dos ponteiros de um relógio? Estou intrigado… – Ora, amigo Zé da Vila. A
um pobre inspector de polícia, também é concedido
um momento para ser poeta… imaginar… ver coisas que não são; porque, às
vezes, não vê as que são! E o corpo é uma imagem em ângulo, num círculo (a
eira). Era de pensar num relógio… |
© DANIEL FALCÃO |
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