DESAFIOS

POLICIÁRIOS

VOLTA POLICIÁRIA A PORTUGAL

Etapa nº 10 (2º troço)

 

 

COM TANTOS INIMIGOS…

Autor: Paulo

 

O agente da Policia Judiciária Narciso Morais parou junto à porta que dava acesso ao Departamento de Química. Do lado de fora, junto de uma secretária, encontrava-se um indivíduo sentado numa cadeira de rodas. Após identificar-se, questionou o indivíduo, que respondeu:

– Chamo-me Fernando Santos. A minha função neste local é, essencialmente, impedir que elementos estranhos entrem aqui no departamento, e também fornecer informações a quem não conhece o edifício, pois estamos no rés-do-chão, e por aqui passam as pessoas que vão a outros departamentos.

 Estive aqui toda a manhã, desde as nove horas até ao meio-dia, sem me ausentar, e posso indicar todas as pessoas que entraram no Departamento, pois esta é a única porta que está a funcionar. A outra porta encontra-se obstruída devido a obras, apesar de hoje não terem vindo os operários que lá estão a trabalhar. Embora não possa precisar as horas de entrada e de saída, posso dizer qual foi o movimento de pessoas que entraram no Departamento. Quando cheguei, eram nove menos dez, a porta do Departamento ainda estava fechada. Logo de seguida chegaram a Manuela, a Cláudia e o Jorge, que trabalham na secretaria do Departamento. Perto das dez horas chegaram o dr. João Oliveira, o dr. André Palma e o dr. Carlos Marques, pela ordem que eu disse. Enquanto o dr. João Oliveira, o dr. André Palma e o Jorge estavam no bar, entrou a drª Luísa Monteiro, que não demorou mais de cinco minutos. Como o movimento é reduzido, pois estamos em Agosto, eu, para ajudar a passar o tempo, estive a ler um livro que levei para casa à hora do almoço. Gosto muito de livros policiais e estive a ler “Convite para a morte”, de Agatha Christie.

Após ter recebido indicação de qual era o gabinete do dr. João Oliveira, Narciso Morais dirigiu-se para lá.

No compartimento havia duas secretárias, cada uma com seu computador. Alguns livros de Química, folhas de papel e material de escrita encontravam-se espalhados pelas secretárias. Cada uma delas tinha duas gavetas do lado direito. Narciso Morais abriu as gavetas onde se amontoavam papéis. Apenas na gaveta superior da secretária do dr. João Oliveira reparou na existência de um anel. Por detrás de cada secretária existia uma estante com várias prateleiras cheias de livros. Esticando-se para chegar à ultima prateleira de uma das estantes, Narciso Morais retirou quatro pequenos frascos onde os rótulos indicavam o produto que continham e a concentração respectiva. Solução aquosa de cianeto de potássio, solução aquosa de permanganato de potássio, álcool etílico e solução aquosa de cianeto de prata. Recolheu os frascos com cuidado para preservar possíveis impressões digitais. Depois procedeu à audição dos depoimentos das pessoas envolvidas no caso.

No dia seguinte daquele quente Agosto, no sossego do seu gabinete de trabalho, relia calmamente as declarações recolhidas.

O dr. João Oliveira, que fora a vítima do atentado, referiu que chegara ao departamento às dez menos cinco. Foi ao seu gabinete, onde largou a pasta, depois de retirar um frasco com um medicamento, que colocou em cima da secretária, para não se esquecer de o tomar. De seguida foi para o laboratório. Às onze e cinco foi ao gabinete, onde não se encontrava ninguém, pegou no medicamento e subiu ao quarto andar para ir ao bar. Quando ia a sair do gabinete entrou o dr. André Palma, que compartilhava consigo o mesmo gabinete. Como de costume, pediu no bar um copo de água, e quando as gotas do medicamento caíram na água verificou que algo não estava bem. Às oito horas, antes de sair de casa, tomara o medicamento e não notara nada de anormal.

Um dos suspeitos era o dr. André Palma, assistente do dr. João Oliveira. Este era orientador do seu trabalho de doutoramento, mas nos últimos tempos tinham entrado em conflito, tendo-se verificado violentas discussões em que os insultos choveram de parte a parte. André Palma referiu que chegara às dez horas, tendo ido para o seu gabinete, onde se manteve até às dez e cinquenta, altura em que foi ao bar. Quando chegou ao bar, estava lá o Jorge Lopes. Esteve a conversar com ele e regressaram os dois ao departamento, já passava das onze horas, tendo ele voltado para o seu gabinete. Quando entrou, estava o dr. João Oliveira a sair. Relativamente aos reagentes existentes no gabinete, referiu que tinha sido ele que os deixara lá por esquecimento dois dias antes, quando em trânsito entre dois laboratórios tivera que ir ao gabinete. Nunca mais se lembrara de os levar para o laboratório.

Luísa Monteiro, professora de Literatura Medieval, e ex-namorada de João Oliveira, com quem viveu durante algum tempo, era também suspeita. A sua relação com João Oliveira tinha terminado dois dias antes violentamente. Afirmou que fora ao gabinete devolver-lhe um anel que ele lhe oferecera, pois não queria mais nada com ele. Chegou um pouco antes das onze horas, e como o gabinete estava vazio, deixou o anel numa gaveta da secretária de João Oliveira e foi-se embora imediatamente.

Jorge Lopes, funcionário da secretaria do departamento, estava incompatibilizado com João Oliveira, quase já tendo chegado os dois a vias de facto. Referiu que chegou com as suas colegas eram nove menos dez. Esteve sempre na secretaria até às dez e quarenta e cinco, altura em que foi ao bar. Estava no bar havia alguns minutos, quando chegou o dr. André Palma, tendo ficado os dois a conversar. Desceu para o departamento com ele, tendo entrado na secretaria às onze e cinco.

As horas de entrada e saída de Jorge Lopes da secretaria foram confirmadas por Manuela Ribeiro e Cláudia Torres, que permaneceram ambas toda a manhã na secretaria.

Outro dos suspeitos era o dr. Carlos Marques, cujo gabinete era ao lado do de João Oliveira. Carlos Marques acusava o seu colega de lhe ter roubado a ideia de um trabalho, apresentando-a como sendo sua num congresso. A ideia tinha aplicações industriais e João Oliveira já estava neste momento a receber dividendos económicos. Carlos Marques considerava ter sido roubado e ameaçara João Oliveira.

Carlos Marques, que estivera de férias e retomara o serviço naquele dia, a seguir ao feriado nacional, declarou ter chegado poucos minutos depois das dez, tendo ficado no seu gabinete a trabalhar. Cerca das dez e quarenta e cinco levantou-se da secretária para desentorpecer as pernas e abriu a porta do seu gabinete. Viu Jorge Lopes a sair do departamento, mas não viu mais nada, pois fechou a porta e reiniciou o seu trabalho.

Narciso Morais olhava as folhas com as declarações quando, por telefone, lhe confirmaram que o veneno usado fora o cianeto de prata e que o frasco apenas mostrava as impressões legíveis do dr. André Palma. No frasco do medicamento apenas existiam impressões digitais do dr. João Oliveira. Alguém deitara um pouco de cianeto de prata no frasco de remédio. Também com tantos inimigos… Já sabia quem fora. Agora teria que tentar arranjar provas.

A partir deste momento, a solução do problema está na mão do leitor. De quem pensa que foi a autoria da tentativa de envenenamento? Fundamente a sua resposta.

 

{ publicado na secção “Policiário” do jornal “Público” de 23 de Novembro de 1997 }

 

SOLUÇÃO

 

Desafios policiários de PAULO

 

 

© DANIEL FALCÃO, 2005