CLUBE  DE  DETECTIVES

 

CAMPEONATO NACIONAL 2003/2004

Prova nº 5

 

 

O MISTÉRIO DA VIVENDA COR-DE-ROSA

Autor: Rip Kirby

 

Domingo, 5 de Outubro de 2003, são 16:30h. O inspector Eduardo Trindade, o seu ajudante sargento Silveira e o agente auxiliar Campos chegam à Vivenda Cor-de-Rosa situada nos Olivais, assim chamada, obviamente, devido à cor da tinta com que fora pintada. Haviam sido ali chamados por um telefonema de André de Freitas, que, segundo dissera, encontrara a mãe morta sentada ao volante do automóvel no interior da garagem que se encontrava fechada.

André de Freitas recebeu-os junto da portada que fechava o muro que separa da rua o bem tratado jardim em redor da vivenda. Era um jovem ainda, não teria mais de 28 anos. Enquanto conduzia os agentes para a garagem foi informando que havia acabado de chegar, com um casal de amigos, de uma viagem ao Algarve, onde havia passado duas semanas com eles.

Ao chegar, estranhara não encontrar a mãe, Adélia Mascarenhas, pois ainda na véspera, cerca das 18 horas, lhe havia telefonado informando-a da sua próxima chegada e ela manifestara alguma satisfação por isso, pois tinha assuntos urgentes a tratar com ele. Quando abriu a garagem para guardar o carro dele viu que havia alguém sentado ao volante do carro. Não se apercebeu imediatamente de quem se tratava, tendo pensado que era o padrasto, visto o carro ser o dele. Verificou depois que era a mãe e, vendo que ela estava morta, ligou imediatamente para a polícia.

Eduardo Trindade perguntou-lhe se já tinha informado o padrasto, tendo ele respondido que sabia que ele havia viajado para o Porto na véspera, mas não sabia onde ele se encontrava hospedado nem quando voltaria. Também não tinha o número do telemóvel dele, pois não se davam muito bem.

Eduardo Trindade demorou-se um pouco a observar a garagem. Na parede ao fundo, frente ao portão para o exterior, sobre o qual existiam umas frestas que proporcionavam uma deficiente ventilação ao recinto, havia uma porta que dava acesso directamente à habitação. Na garagem encontravam-se dois carros, um Mercedes de modelo recente e um Volvo um pouco mais antigo. Soube depois que este último era o carro de Adélia. André não chegara a meter o dele na garagem. Eduardo Trindade manifestou a sua estranheza a André pelo facto de o padrasto não ter usado o carro para fazer a viagem ao Porto. André informou-o de que, há cerca de mês e meio, o padrasto tinha deixado de usar o carro em viagens longas alegando que eram cansativas. Dirigiu-se depois para o Mercedes, abriu cuidadosamente a porta do lado do condutor e observou o corpo. Antes, porém, apanhou um pano de camurça amarelo bastante molhado que se encontrava no chão junto à roda dianteira do lado esquerdo do Mercedes.

Era uma senhora com pouco mais de 50 anos, bonita ainda. Estava recostada como se dormisse. Envergava um robe de seda cor-de-rosa que se apresentava um pouco descomposto, não estava maquilhada e tinha alguns rolos na cabeça. Calçava uns chinelos de quarto da mesma cor do robe. As faces apresentavam-se rosadas e os lábios eram de um vermelho muito vivo.

Depois de feitas estas observações, Eduardo Trindade virou-se para o sargento Silveira exclamando:

Silveira, venha de lá esse relatório!

Pouca coisa há para dizer por enquanto – respondeu o sargento –, o depósito está praticamente sem gasolina, há uma mangueira com uma ponta ligada ao tubo de escape e a outra ponta presa na porta traseira do carro, que não está completamente fechada. O motor devia ter parado por falta de combustível há relativamente pouco tempo, pois ainda se encontra morno.

Pouco depois, os técnicos de dactiloscopia e o médico legista que entretanto haviam chegado retiravam-se depois de cada um ter feito o seu trabalho. Antes de sair o médico informou o inspector de que a morte havia ocorrido depois das 9h30 e antes das 11 horas.

O corpo foi levado logo de seguida e foi então que o sargento Silveira passou uma revista pelo interior do carro enquanto Carlos Campos, o agente auxiliar, tomava nota do que o sargento retirava de lá.

Do banco de trás do carro retirou um exemplar do jornal “Público” daquele dia. Do porta-luvas foram retirados uma carteira com os documentos do carro; uma pequena pistola de alarme; um recibo de totoloto registado em  2003/10/04 numa agência do Porto às 17:05:35; um bilhete obliterado para o Alfa das 7h55 de Lisboa para o Porto no dia 04/10/2003; e um talão de abastecimento de gasolina da área de serviço de Pombal. A data registada era 05/10/2003 e a hora 07h40. Foi ainda encontrado um aviso da PSP de Santarém, passado no dia 03/10/2003, às 21 horas, para pagamento de uma multa por estacionamento indevido.

Sob o assento do condutor, o sargento Silveira encontrou um talão da portagem de Alverca datado do dia presente às 08h30. O valor da taxa era de €16,65 para um veículo classe A. No banco ao lado do condutor havia algumas manchas que se apurou depois serem nódoas recentes de leite achocolatado.

Após isto, o inspector deu uma volta pela casa,não encontrando nada de especial, a não ser, sobre a mesa da cozinha, um copo com restos de leite; uma embalagem de leite com chocolate vazia, com a respectiva palhinha introduzida no orifício; dois pacotes de cavacas, um encetado e o outro intacto; e um papel onde, pelo aspecto, deveria ter estado embrulhado um bolo de chocolate. Viam-se também algumas migalhas de bolo de chocolate e de cavacas. O inspector recomendou ao sargento que levasse tudo o que estava sobre a mesa e retiraram-se.

O agente Campos conduzia, a seu lado o sargento Silveira ia lendo, de trás para a frente, o exemplar do “Público” que trouxera da Vivenda Cor-de-Rosa. No banco de trás, recostado, o Inspector Trindade seguia emerso nos seus pensamentos quando a voz do sargento o sobressaltou ao exclamar:

Inspector! Então o senhor não foi hoje a Coimbra? Os seus amigos estão lá hoje reunidos no Ateneu!

Eduardo Trindade não respondeu e o sargento continuou a folhear o jornal até que perguntou para o agente que conduzia:

Campos, você não é de Vila Nova de Gaia? – E perante a resposta afirmativa continuou:

Vem aqui uma notícia da sua terra. E leu: “Gaia já tem um Estádio Jorge Sampaio”. Está aqui na primeira página do suplemento “Público Local”, mas o corpo da notícia está na página 52.

Na terça-feira seguinte, logo pela manhã, Orlando Mascarenhas, esposo de Adélia, apresenta-se na Judiciária procurando o Inspector Trindade que lhe havia deixado um recado para ir falar com ele logo que chegasse, uma vez que não fora possível contactar com ele antes. Era um gigante com bastante mais de dois metros de altura, corpulento e de cerca de 39 anos.

 Às perguntas que o inspector lhe fez, respondeu: havia ido ao Porto para tratar de alguns assuntos. Abalara no 1º comboio Alfa de Sábado e no Porto registara-se na pensão onde ficou hospedado às 11 horas. Pretendeu apresentar o bilhete do comboio, mas os únicos bilhetes que tinha com ele era o do Alfa em que fizera a viagem na segunda-feira do Porto para Lisboa e um bilhete para o Intercidades das 17h55 do dia 03/10/2003, de Santarém para Lisboa.

 Depois de tomar um banho, saíra para almoçar e encontrar-se com alguns amigos. À noite recolheu-se relativamente cedo, pois no dia seguinte queria ir a Braga encontrar-se com outro amigo.

No domingo saiu cedo, perto das 5h30. Como previsto, foi a Braga, mas a viagem foi inútil pois não havia telefonado ao amigo a preveni-lo da visita e por isso não o encontrara. Regressou ao Porto e à pensão, onde entrou precisamente às 14h30. Todas estas informações foram confirmadas.

Era para ter demorado mais alguns dias no Norte, mas como fizera algumas tentativas infrutíferas para contactar a mulher, que nunca atendera o telefone e não tinha telemóvel, resolvera voltar antes do previsto. Por isso, fechara e liquidara a sua conta na pensão e foi apanhar o Alfa para Lisboa. Havia chegado na véspera já um pouco tarde, perto das 20h30, pelo que não procurara imediatamente o Inspector. Também todas estas informações foram confirmadas e estavam correctas.

Não sabia de nada que pudesse ter levado a esposa a cometer semelhante loucura. Talvez os desgostos causados pelo filho.

Entre as mensagens guardadas no “voice-mail” do telefone da residência, encontrava-se uma gravada no domingo às 12h50 de Orlando para a esposa, recomendando-lhe que não se esquecesse de levar na segunda-feira o Mercedes para a revisão que já estava marcada.

Ainda nesse dia chegaram os relatórios da autópsia e dos exames dactiloscópicos. No estômago de Adélia foram encontrados restos de um bolo de chocolate ainda no início da digestão e vestígios de leite com chocolate. Foram também encontrados abundantes vestígios de um poderoso sonífero. A morte havia ocorrido enquanto Adélia dormia. Os exames dactiloscópicos revelaram que no interior do carro existiam impressões digitais em grande abundância, mas praticamente impossível de as identificar. No exterior, se não fossem as dedadas de André de Freitas no puxador da porta do condutor, não haveria nada para examinar. Na embalagem de leite com chocolate que estava sobre a mesa da cozinha o exame revelou impressões, de Adélia as mais recentes, de Orlando e outras mais antigas que não foi possível identificar. No copo havia no rebordo interior uma impressão de um dedo indicador e no exterior a de um polegar de Orlando.

E estes são todos os elementos que foi possível reunir. Pergunta-se: que teria acontecido? Acidente? Suicídio? Crime?

Dê-nos a sua opinião e justifique-a pormenorizadamente.

 

{ publicado na secção “Policiário” do jornal “Público” de 8 de Fevereiro de 2004 }

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO, 2004