|
||||||
22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 2 de Abril de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 29 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 27 MEIO-AMOR Ruy Duque podia, realmente, orgulhar-se do seu
triunfo na vida. Apaixonara-se, deste a primeira hora da sua carreira
consciente, pela arte teatral – e logo á primeira tentativa a sua obra
inicial fôra aceite pela empreza
e tivera um êxito retumbante. Mas, a razão mais forte do seu orgulho não
constava apenas duma vitoria artística, de ser solicitado por todos os
teatros, que esmolavam, quasi, as suas produções;
não constava apenas do aplauso do publico que o glorificava… Ia mais longe a
sua ventura: é que, desde que havia teatro em Portugal, desde Gil Vicente até
aos revisteiros mais transigentes com a grosseria da geral, nenhum escritor
de teatro conseguira a fortuna que ele amealhara, ao cabo de poucos anos. Mas Ruy Duque dedicára-se
ao teatro, como um industrial ás suas fabricas. De manhã até á noite, todos
os seus recursos de inteligência, de inventiva, de cultura coincidiam sobre o
papel em branco, como o fogo sobre palha. Houvera temporadas que todos os
teatros de Lisboa contavam com duas e trez obras
suas nos seus reportórios. Já se vê que tal excesso acabára
por secar a fonte milagrosa da sua imaginação. E ele, que até ali se
contentara em derramar o suco da sua fantasia – teve de defrontar-se com a
inútil realidade do seu esgotamento. Não era homem para se dar por vencido facilmente.
E se a inventiva fazia greve – a vida, mina inexgotavel
de assuntos, passaria a fornecer os argumentos para os seus dramas, para as
suas comedias, para todas as suas peças teatraes. E essa reviravolta não o prejudicara, antes pelo
contrario. A sua ultima obra, “Meio-Amor”, estreada no Nacional, ia já na centessima representação e prometia eternizar-se no
cartaz. Entretanto, o assunto da sua comedia, “tão original e pitoresco”,
como o designára a critica, não era imaginado por
ele… Fôra a vida que o trouxera, inteiro, completo,
sugestivo… Ele contentára-se em ouvir e sujeitá-lo
aos moldes da sua técnica especial. * * * Acabara Ruy Duque de remeter para o Banco o
produto da sua ultima liquidação com a Sociedade dos Autores, quando o creado lhe veio anunciar uma visita. – Não estou em casa para ninguém! – declarou. – Perdão! – retorquiu o creado…
O senhor Melo Rodrigues afirmou-me que desejava vê-lo! Bastava saber quem era
para o receber imediatamente. – Melo Rodrigues? Porque não o disseste logo?
Manda-o entrar… Havia um contraste flagrante entre a falsa
alegria com que o dramaturgo acolhera o nome do visitante e a palidez que lhe
embranqueceu o rosto. Melo Rodrigues era um velho de hercúlea
compleição, a barba branca a nevar o fato negro que usava desde a morte da
mulher – havia vinte anos. – Sênte-se, sr. Melo… - convidou Ruy, num esforço de cortezia insincero. – Não me sento, Ruy. Não posso sentar-me. E tu
sabes porquê… Enquanto não me provares o contrario, considero-me em casa dum
inimigo! – Sr. Melo… Não diga isso! Eu… seu inimigo? Eu…
filho do seu melhor amigo? – Não negues… Mas já que queres tomar essa
atitude – ouve-me as causas da minha indignação. Há muito que ouvia falar do
teu ultimo êxito – e ontem, contra os meus hábitos, fui ao teatro. Vi a tua
peça – e compreendi logo que aquela originalidade, aquele ineditismo não saira do teu cérebro. Tu contentarás-te
em copiar o drama secreto da minha vida… – Por Deus, sr. Melo! – Não mintas! Não creio na possibilidade de
inventares tal trama. “Aquela filha, que era o único sol da fria
velhice de um pobre pai – encarnava a minha Lucinda. Não pode existir, nem na
imaginação mais fecunda, uma pequena tão meiga, tão doce, tão amiga do pai…
Também não é possível inventar esse monstro sem pernas, que anda num carrinho
de rodas, que consegue enamorar a filha obediente até á loucura do rapto – se
não conhecesses o Norberto… «Norberto era o pintor; recolhi-o em casa… O
aleijão apaixonou-se por Lucinda… E o peor é que
Lucinda se apaixonou “Este drama só é conhecido por três pessoas: por
mim, por Lucinda, e por Norberto. Ele surge e espalha-se, atravez
da tua obra. Na tua obra eu sou o tirano, o infame, o destruidor de corações.
Eu só quero que tu me digas quem foi que te contou o meu segredo: Norberto ou
Lucinda! – Nenhum dos dois! Inventei-o! * * * Ruy declamara esta frase com tal firmeza que Melo
Rodrigues saiu convencido. E ao vêr-se de nove só,
o dramaturgo sorriu-se e disse para com os seus botões: – Pobre velho. Enfraquecido deve estar o seu
cérebro porque, de contrário, veria que o único que me podia inspirar o meu
“Meio-Amor” era… Raciocinem! Releiam
as linhas a itálico e decifrem… NOTA: Foi mantida na transcrição a grafia da época (1927). * * * (Capas de publicações de Reinaldo Ferreira, extraídas, com a devida vénia,
do livro “O Porto do Repórter X”, de Joel Lima).
Fontes: Secção
Correio Policial, 2 de Abril de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Fevereiro de 2025 | Luís Rodrigues |
|||||
© DANIEL FALCÃO |
||||||
|
|