22 de Março de 1957. É publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”, orientada por Jartur – curiosamente, por lapso tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”.

Domingos Cabral, com 15 anos completados recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos.

Sabendo, por isso, que era habitual o uso de pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um, acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido pelo Autor (Jartur), após resolver o caso, dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”… De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho…

In Mundo dos Passatempos, 1 de Setembro de 2007

 

 

 

 

 

 

 

Correio Policial, 26 de Março de 2021

 

 

PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a editar)

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CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER X”

CONCURSO DOS CONTOS MISTERIOSOS Nº 26

CONTRA-ESPIONAGEM

– Você é jornalista? Se eu soubesse escrever para o público; se eu soubesse coser palavras bonitas e chamar as cousas pelo verdadeiro nome, não havia, pela certa repórter que me batesse. Tenho vivido muito, meu caro senhor… Tenho vivido, sobretudo, em épocas dos grandes acontecimentos, porém, verdadeiros carrosseis á minha volta.

«Como a memória é boa, arquivei material interessante que podia encher centenas de gazetas. E para isso, bastava só que eu me limitasse a recordar as minhas aventuras contra a espionagem, durante a guerra.

«Como sabe pertenci á polícia inter-aliada. Chefiei uma brigada, sob as ordens do adido norte-americano. A minha especial missão era investigar as ligações de toda a costa portugueza com os submarinos.

«A minha brigada compunha-se de três detectives. O Albano, rapaz inteligente e vivo, mas porco como nunca vi outro…; Rocha – um pobre bronquítico e asmático, que depois degenerou em tuberculoso; e o Dias, que passava a vida a contar a história dum naufrágio em que, a poucos metros da costa africana, ia morrendo afogado por não saber nadar.

«Ah, por meados do verão de 1917, recebi informações secretas comunicando-me que todas as semanas se aproximava um submarino alemão, próximo de Espinho e que os cavalheiros conseguiam desembarcar, comunicando depois com determinados espias que os aguardavam no rochedo.

«Parto imediatamente para Espinho com os meus três auxiliares. Levava comigo dados suficientes para me orientar… As suspeitas caiam sobre uns cambistas que já tinham sido surpreendidos a trocar libras falsas. Como V. sabe a libra falsa era, durante a guerra, o vestígio máximo da visinhança dos submarinos alemães.

«De investigação em investigação descobri que a passagem do submarino frente a Aveiro estava combinada para as quintas-feiras. Eu chegara a um sábado. Era preciso esperar.

«Comecei a frequentar o teatro, para matar o tempo. Funcionava então uma companhia de zarzuela espanhola, em tournée por Portugal. O Dias, que tinha prosápias de conquistador, enamorou-se logo de Lolita, a primeira triple da companhia. E, aqui entre nós, que ninguém nos ouve, o Dias tinha bom gosto. Lolita era uma linda catalã – uma verdadeira Vénus. Uma manhã, a que assistimos ao seu banho – Lolita tinha alma de peixe e passava uma hora dentro de água – quiz que o seu enamorado Dias a acompanhasse… Não houve forma… Parecia um gato, a fugir da praia, entre as gargalhadas de toda a companhia de zarzuela… de mim próprio, que não pudera resistir áquele ridículo.

«Bem… Chegou a quinta-feira… Era meia noite quando saímos do hotel… Pelo caminho para a praia, encontramos Lolita que vinha do teatro… Queria por força que o Dias fosse para o teatro.

«– Não pode ser! disse-lhe eu. Vamos em serviço…

«Acompanhou-nos durante alguns metros, dependurada nos braços do namorado – e por fim, foi obrigada a deixar-nos de vez…

«Chegados ao local distribui os meus homens pelos rochedos – e fiquei, no maia alto de todos, aguardando o momento de deitar a mão ao agente do submarino, quando tentasse desembarcar.

«Meia noite… uma hora… Duas… Três… E quando eu desesperava vi surgir, muito ao longe, uma luzita vermelha…

«Estava uma noite branca de luar – e foi-me fácil aperceber a aparição lenta do dorso do submarino… E, logo a seguir, a luz vermelha, pirilampiou sinais marconicos.

«Era o grande momento… Aproximava-se a hora do meu maior triunfo como detective. Prender um oficial dum submarino – era, realmente, uma glória…

«De olhos fixos no lume do mar, vi que lançavam á agua um pequeno barco “yedwo” e que esse barco se preparava para aproximar-se da praia… Remaram durante algum tempo – mas a minha atenção foi derivada para um traço branco que ia riscando as águas azues, em direcção ao submarino… Quando esse traço atingiu o barco – o barco parou; parou – e voltou para traz. Pouco depois apagou-se a luz vermelha e o submarino submerge, como por um alçapão de mágica…

«Quando voltei a mim e o raciocínio se me aclarou – compreendi que alguém se lançara ao mar, nadando, para avisar os alemães, de que a polícia os aguardava na praia.

«Em suma, um fracasso!

«Apitei e reuni os meus homens.

«– O que há, chefe?

«– Nada! Voltamos para o hotel.

«E uma vez fechado no meu quarto puz-me a reflectir… A minha missão só era conhecida pelos três auxiliares que me acompanhavam. Houvera uma traição? Se traição não havia quem se deitára ao mar, nadando até ao barco dos alemães, avisando-os da cilada que lhes tinha preparado?

«Passei a madrugada em claro; mas ao romper da manhã atinei. Quem se deitara ás aguas e avisara os oficiaes do submarino foi…

Raciocinem! Releiam as linhas a “itálico”.

(NOTA: Foi mantida, nesta transcrição, a grafia da época.)

* * * * *

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nome completo: Reinaldo Ferreira

Nascimento: 10 de Agosto de 1897, Lisboa

Morte: 4 de Outubro de 1935, Lisboa

Ocupação: Repórter, jornalista, dramaturgo e realizador de cinema

 

Em 1917, com dezanove anos – nasceu em Lisboa no dia 10 de Agosto de 1897 – arrepia os lisboetas com o crime, tão tenebroso quanto inexistente, da Rua Saraiva de Carvalho, que metia malfeitores empuçados, um presumível cadáver e um vilão, apropriadamente designado como "o homem dos olhos tortos". A história veio a lume n' "O Século", em forma de cartas enviadas "por um desconhecido", que se assinava Gil Goes. E a coisa atingiu tais proporções que o jornal achou prudente revelar o embuste. Mas o folhetim, finalmente assumido como ficção, prosseguiu até ao seu desenlace, e não tardou a transformar-se em livro – "O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho" – que José Leitão de Barros tentou mesmo adaptar ao cinema com o título "O Homem dos Olhos Tortos". Segundo Joel Lima, minucioso biógrafo do Repórter X e autor de um extenso prefácio à recente reedição conjunta das suas histórias do "Dr. Duque, o Cartomante do Raciocínio" - uma espécie de Nero Wolfe "avant la lettre" – a Cinemateca Nacional conserva ainda mil metros de película rodados para este abortado projecto.

   

 

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Fontes:

Secção Correio Policial, 26 de Março de 2021 | Domingos Cabral

 Blogue Repórter de Ocasião, 31 de Janeiro de 2025 | Luís Rodrigues

 

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