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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 7 de Maio de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 34 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 35 CRIME OU SUICÍDIO? Durante alguns anos a morte de Liliana Thomas
constituiu um blindado enigma. Numerosos foram os detectives
profissionais e amadores que tentaram gretar o opaco invólucro que a
envolvia, zeloso e invencível – mas todos eles estilhaçaram a sua argúcia,
como frágil bastão vibrando sobre o granito. E só há mezes
um compatriota de Liliana, fazendo serena álgebra com os vagos pormenores e
dispersos vestígios da sua tragédia é que conseguiram atinar com a
verdade. * * * Alguns azes do cinema tinham projectado,
nos intervalos dos “studios”, em Los Angeles, umas ferias folgadas, de passeata pela Europa. Compunha-se a
alegre caravana yankee, que viera de peregrinação pagã até Paris, de dois
matrimónios, celebrados em todos os cartazes do mundo, e de dois artistas
solteiros. Os casaes eram Mary e James Dalford, Diana e William Krauss…
Os solteiros eram a delicada e ingénua, cristalizada na puberdade – Liliana
Thomas – cujo corpo esguio e cujos olhos de creança
espelhavam a eterna candura da sua alma, e o celebre
e trágico chinez – Tchon Ling, feíssimo e genial, ao mesmo tempo. Os seis tinham conquistado, simultaneamente, a gloria e a fortuna. Os seus “films”
projectavam-se em todos os “ecrans”
do globo. A sua passagem pelas aldeolas da Irlanda ou pelos grandes
boulevards de Paris provocavam a mesma pasmaceira do que em New Iorque ou em
S. Francisco. Neófitos da grande capital, depressa se
estontearam no redemoinho dos seus encantos. Pareciam colegiaes,
em primeira pândega com a carteira recheada pela generosidade paterna e assim
passaram o primeiro mez, perdendo as noites e as
madrugadas, na feira única dos «cabarets» de Montmarte. * * * Ao inicio do segundo mez
de estadia em Paris, os dois casaes - os Krauss e os Dalford notaram que
a sua alegria febril não estava em ritmo com os sentimentos dos outros dois
companheiros de viajem: Liliana e Tchon. Liliana mostrava-se apreensiva, silenciava-se,
imóvel, no meio das festanças dos caveaux. Era a
primeira a enfastear-se das noitadas – era a única
que resistia, às vezes, às perseguições pela colina diabólica das mil luzes. Tchon, por sua vez, perdera a sua europanização ruidosa,
a sua adaptação exagerada e exibicionista aos costumes de Paris nocturna... O seu rosto ganhara uma frieza e uma
imobilidade quasi cataléptica. E aos camaradas dos studios não foi
difícil investigar as causas daquela metamorfose. Tchon apaixonara-se por Liliana e perseguia-a talvez; Liliana sentia terror
e repugnância por Tchon. * * * Fosse do champagne
bebido com desacostumada abundancia, fosse porque tivesse havido transigência
ou mudança de atitude por parte dos dois artistas solteiros – a verdade é
que, uma hora depois de estarem no Caveau Coucasien, na Rue Pygalle – nem Liliana se manteve na sua nostálgica
tristeza, nem Tchon se conservara na sua atitude de
gelo. Ambos se riram, brincaram – e até dançaram. Às três da manhã dois táxis os conduziram ao
Hotel Continental, perto da Praça Vendôme…
Despediram-se no hall e entraram
para os respectivos quartos. Na manhã seguinte, a creada
do andar, admirada do silencio que reinava na alcova de Liliana, perguntou
várias vezes se podia entrar com o pequeno almoço, sem obter resposta…
Assustou-se. Chamou o gerente… Foi preciso arrombar a porta. E viram
então Liliana caída junto ao fogão… No peito, branco como cristal, floriam as
rosas vermelhas do sangue. Estava morta. Uma bala a fulminara… * * * A suspeita da polícia coincidiu, sem uma
hesitação, com a que os Krauss e os Dalford ocultavam no fundo dos seus pensamentos. O chinez Tchon, chamado e interrogado, conservou-se num granítico
silencio. Houve um detalhe, porém, que o podia comprometer: é que, uns hospedes retardatários do Hotel
Continental, tinham-no visto frente à porta do quarto de Liliana, às cinco da
manhã. – De facto parei por lá a essa hora – mas não
entrei. Juro que não entrei. Junto ao cadáver tinha sido encontrada uma
pistola… Tentaram averiguar se a pistola pertencia a Tchon.
Ele encolheu os ombros. – Tive, de facto, uma pistola dessa marca e desse
calibre, mas ela desapareceu há dias do meu quarto… Não sei se é a mesma. Não
tenho mesmo forma de o comprovar. Tchon foi preso, mas não houve maneira de organisarem
o processo. Gorgeteados pelo ministro dos Estados Unidos, vários detectives
de renome intentaram esfacelar o mistério. Uns garantiam que só Tchon podia ter assassinado Liliana… Outros, negaram-no…
Outros ainda atribuíam aquela morte ao suicídio – suicídio que fosse
provocado pelo terror de algum ataque que o chinez
intentasse contra Liliana. E passados mezes o
processo foi arquivado com o título de «O suicídio ou assassinato de Liliana
Thomas?...» Só anos depois é que um polícia yankee,
interessando-se pelo caso, deu resposta a esta interrogação. E para isso
bastara-lhe fixar-se num detalhe. A morte da delicada estrela cinematográfica
fôra devida a um _________________________. Releiam as palavras
em itálico deste conto; e uma ligeira reflexão sobre elas vos dará a
decifração deste mistério... CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 36 A NOITE QUE DUROU CEM HORAS O velho Ricardo Lameiras viajava muito… Andara
pela linha equatorial como os equilibristas andam pelos arames de circos.
Portugal, mal teve tempo de o conhecer. Emigrara muito novo – mas não fora a
fome que o levara a despalmar-se… Tinha a ânsia vagabunda da gente lusa – e
como herdara um pequeno pecúlio soubera, com talento capitalisar,
com ele, as emprezas que ia engendrando por esse
mundo de Cristo fóra. Em Jamaica, em Timor, na Abissinia, primeiro, e depois, perfurando, à força de
audácia, as florestas coaguladamente virgens do
Amazonas; percorrendo o Arizonas, na época em que
longas caravanas, perseguidas por flechas dos peles-vermelhas, farejavam os
segredos ocultos nos fundos dos barrancos; e fixando-se por fim, numa cidade
de Califórnia – Santa Mariana – envelheceu, feliz, bem instalado e optimista… Não amealhara fortunas… As riquezas ganhas
aqui – eram queimadas acolá, lubrificando a inquietação indomável. Mas
conquistara o suficiente para repousar, recordando o muito e o bom que
soubera viver… A história inverosímil do velho Ricardo Lameiras
foi-me revelada por um sobrinho seu – que há muito se diluiu, na terra-mãe,
num cemitério florido do Minho. Chamava-se Telmo – e lidara durante alguns
anos com o tio que o chamara a essas Américas fantásticas, não no interesse
de suavizar os últimos dias, a credito de uma fortuna, com os desvelos de um
parente – mas para dispor de um herdeiro que decorasse as suas memorias e as
transmitisse às gerações sem fim… * * * Era madrugada – e eu esperava impaciente a manhã
para regressar a casa. E Telmo, que me acompanhara na ceata, apercebendo-se
do meu nervosismo, disse: – Se tanto te pesam essas trevas, que apenas
enegrecem a cidade há oito ou nove horas, o que não sofrerias tu se te
encontrasses, em trevas, mais negras do que estas – durante cem horas? Encolhi os ombros e retorqui: – Isso é um disparate inverosímil! – Não tanto como pensas… O meu tio Ricardo já
passou por um tormento assim… – No extremo norte da Escandinávia, junto aos
esquimós? – Não… Na região mais iluminada do sul, de mais
suave clima de toda a Califórnia, fronteiriça ao México. Negócio não há… A
agricultura explorada em redor não dá proveito à cidade… Os agricultores,
quando querem divertir-se, preferem Los Angeles, ou mesmo S. Francisco… Os cinco
mil habitantes de Santa Mariana são, como meu tio, velhos fatigados e pouco
enriquecidos que em Santa Mariana encontram as doçuras de um clima
acalentador, a calma de uma aldeia – e os divertimentos sossegados de uma
cidade de quinta ordem… “Apesar da sua insignificância – o governo honra
Santa Mariana com um destacamento militar de perto de trezentos homens. Não
que os habitantes de Santa Mariana sejam desordeiros ou revolucionários. Mas…
É que, de paredes meias com o México, o
contrabando fez-se, durante muitos anos, numa tão larga escala que assustou
as alfandegas. * * * «A cousa passou-se em princípios do actual século… As águas de Santa Mariana que nunca tinham
sido afamadas, tornaram-se perigosas… O sheriff
achou por bem encontrar um novo fornecimento para a cidade… Havia a poucos kilómetros, uma fonte… Para que a canalisação
fosse perfeita contrataram vários técnicos, vindos, cada um de seu sitio
diferente e que nunca se tinham encontrado anteriormente… Eram eles Jhones Kans, engenheiro de S.
Francisco; William Watson, antigo
farmacêutico, de grande fama, no México e que ultimamente abandonara a
profissão para ir, como contramestre de uma empreza
de construções, em S. Diogo; e o mexicano Rosas, arquitecto,
há muitos anos residente no Texas. «Uma manhã, o despertador retine, à hora
habitual… e o meu tio, despertando-se não conseguiu perscrutar as negruras
que o envolviam. Às seis horas naquela época, o sol ardia sempre em Santa
Mariana… Volteou o comutador eléctrico – mas a
escuridão apenas foi ferida por uma ligeira claridade – tão ligeira que ele
levou tempo a distingui-la… Ergueu-se e, tateando, foi à janela para abrir as
portas de par em par… mas a escuridão continuava na densidade… «Alarmado e apoiando-se aos móveis, saiu do
quarto… cá fora estava o creado negro único
serviçal de meu tio, acocorado e medroso, atribuindo a bruxedos de algum
génio mau, aquelas inesperadas trevas… «Ah! Mister Lameiras… Está tudo negro em Santa
Mariana as gentes andam a chocar-se nas ruas… «Meu tio abandonou cautelosamente a casa e
esbarrando com todos transeuntes lá conseguiu aproximar-se do «Bleck Nossé» – o «bar» de que
era «habitué»… Pelo caminho foi
pensando que fenómeno podia ser aquele… Eclipse, não era… «Tempestade Seca»
tampouco seria – visto que estava longe do norte da Sibéria onde elas são
frequentes… «Mas ao encontrar-se com o primeiro amigo – que
dificilmente reconheceu – aquele mistério tornou-se, mais intrigante ainda… A
população estava alarmada… Não era apenas as trevas que a assustavam… É que
nem a electricidade, nem fósforos – nenhuma luz, em
suma, conseguira trespassar o negrôr daquela noite
que se prolongava indefinidamente… «Quizeram telegrafar
para as cidades mais próximas. O telegrafista em vão teclou no aparelho marconico. Os fios não transmitiam os seus apelos
desesperados… O comandante tentou enviar alguns dos seus soldados a pedir
socorro, mas quem se arriscava áquela escuridão
cerrada que não se adivinhava até onde ia?... «A angustia dos habitantes de Santa Mariana
dilatava-se, à medida que as trevas se coagulavam mais… Chegou a noite – e
eles tiveram a esperança que do céu caísse a platine das estrelas… As noites
de Santa Mariana não conheciam a toldagem das
nuvens… Mas… vã esperança… Levantaram os astros e o céu pareciam tão negro,
como de dia… «Outro dia amanheceu… E no terceiro, um novo
detalhe veio complicar mais o mistério… É que as creanças
de Santa Mariana afirmavam às mães que já viam… que já viam alguma cousa… Que
o sol – um sol muito pálido lambia de amarelo aquela casaria branca da
cidade… * * * “Meu tio
deitara-se, transido de terror… Pela primeira vez na sua vida ele temia o
sobrenatural… Temia até o fim do mundo… A violência daquele fenómeno fizera
com que o seu espírito tão forte, sempre, ante os perigos, se igualasse ao espírito
frágil, infantil, primitivo do serviçal negro… «De manhã, uma súbita sacudidela nervosa o agitou
no leito… Não despertara ainda - e já no subconsciente entrara a luz do sol,
que, em labaredas coadas pelos cristaes invadia o
quarto. «Depois, abrindo os olhos, e vendo o sol, pulou
para fóra da cama e bailou, numa alegria aloucada.
Era quasi um regresso á vida… E saiu… E toda Santa
Mariana bailava com ele, num furioso entusiasmo… «A luz vencera as trevas! – as trevas que tinham durado
precisamente cem horas!... Deus fizera as pazes com a pacata velhada de Santa
Mariana… * * * «Quando os espíritos serenaram; quando o
telegrafo vibrou os primeiros comunicados; quando se soube que o fenómeno das
trevas apenas atingira a zona circunvisinha à
cidade; quando os agentes de informação secreta do México participaram, que
durante aqueles quatro dias o contrabando atingira proporções jamais
ultrapassadas, em cem anos de candonga – o sheriff tornou-se apreensivo e mandou vir alguns detectives de S. Francisco… «Os detectives
farejaram, agitaram-se – e acabaram por decifrar o enigma… Aquelas trevas não
vinham do céu… os habitantes de Santa Mariana tinham bebido a cegueira na
água empeçonhada pelos contrabandistas… O bando conseguira deitar na água uma
composição química verdadeiramente prodigiosa, difícil de analisar – mas de
tal poder e exactidão que cegara, durante cem horas
justas, os cinco mil habitantes de Santa Mariana. Fez-se um inquérito: os três dirigentes das
obras da canalização foram presos… E após longos interrogatórios descobriu-se
que um só podia ser o autor genial da proeza… Esse era… Raciocinem; releiam
as linhas em itálico; pensem qual dos três saberia realizar aquêle prodigioso produto químico; e encham o
coupon: Nota: Na transcricção
destes dois contos/problemas foi mantida a grafia da época (1927).
Fontes: Secção
Correio Policial, 7 de Maio de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 30 de Abril de 2025 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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