|
||||||
22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 21 de Maio de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 36 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 39 O CRIME DO ANTÓNIO CONSELHEIRO – Hom’essa! Então…
nunca ouviu falar do António Conselheiro? Pois admira! António Conselheiro
pertence á História Contemporânea do Brazil… É
mesmo um personagem invulgar. Palpitavam naquele coração todas as virtudes e
todos os defeitos da raça – elevados ao mesmo exagero desequilibrado… Amoroso
e odiento; dôce como cordeiro – feroz como hiena da
selva; sanguinário até ao vampirismo – sentimental até á pieguice. «Mas toda a gente conhece as proezas do António
Conselheiro… Ele – depois do crime – conseguiu fanatisar
todas aquelas regiões em redor – e daí é que lhe veio a fama. O governo, para
o combater, foi obrigado a mobilisar tropas e mais
tropas que se escapavam aos pântanos que empapavam os caminhos eram picadas a
fôgo pelos fusis das suas
guerrilhas. Tinham-no quasi por profeta – como
aqueles “popes” ortodoxos que na Rússia dos czares chefiavam os operários e
as virgens vermelhas contra os cossacos, erguendo o Cristo, como protector das turbas enlouquecidas. “Mas… eu lhe conto a história… Foi há mais de trint’anos.” “António Conselheiro, descendente de portuguezes, era viajante de comércio e percorria o norte
do Brazil, montado só na egua
e de carabina a tiracolo… Um dia enamorou-se… Era uma mocinha trigueira, de
lânguido e dôce olhar, tão suave, tão leve, tão
diáfana que a gente só lhe via a alma branca, esquecendo-se de admirar os
encantos do seu corpito e do seu rosto apenas esboçados… “Másculo, forte, guapão
– António Conselheiro ajoelhou-se frente àquele Amor que nascia, como se fôra um altar… E ela sorriu-se. E ele casou… “O mel do noivado assucarou
várias luas – no mesmo calmo entusiasmo da primeira hora… E ele
envaidecia-se… Se era uma santa aquela que compartilhara a sua vida – e que
havia de alongar-se pela estrada, até á cruzilhada
da Morte. “A mãe de António tinha ido tratar do mal das saudades
a Portugal, meses antes de ele conhecer a mulher. E quando regressou, amarga surpreza a aguardava… É que a mãe de António, de quem ele
herdara a energia e a dureza de carácter – era senhora de áspero trato. Amava
o filho com a animalidade ciumenta das leoas para os criar. E ao ver António
casado, ao ver que o amor do filho se entronizava agora noutro amor mais
forte e absorvente, uma epilepsia furiosa a convulsionou… “Mas depois conteve-se. Que argumento podia ela
opor contra o facto consumado do casamento de António? Resignou-se, na
aparência, mas o ódio ficou refervendo ondas de ódio, no seu silêncio
carrancudo… “Dar-se mal com a nora – seria para ela a delícia
de um Paraíso! Mas quê! Se a nora era humilde e atenta e queria afôfar de atenções e carinhos o chão que ela pisava! * * * “A
felicidade de António estoirava dentro das paredes limitadas do seu peito…
Tinha a mulher… Tinha a mãe… E por isso, findas as caminhadas de comércio
pelos seringaes, através das florestas ao longo dos
rios, espaçosos como oceanos, fechava-se em casa, como Noé na sua barca… “Visitas não tinha… Apenas dois vizinhos o
frequentavam ás vezes: o Jordão, mulato agigantado e
o coxo Cabrita, que perdera a perna direita, numa emboscada de índios, lá pr’a o sertão! “Um dia, à volta do negócio, após uma semana de
ausência, a mãe chamou-o de parte, mal ele chegou a casa. A velha, que roçava
pelos sessenta, rija e ágil ainda, mas pequenina, quase pigmeia, torna-se
seca, côncava, escanzelada de tanto se consumir na sua ruindade. “– Ouve, António… É muito sério o que eu te vou dizer. Se não fosses meu
filho, calava-me… Mas como as tuas vergonhas, minhas são, também devo
prevenir-te… “António não se alarmou… A paz imensa que pousava
dentro dele não podia arrugar-se assim, com meias palavras… “– Diga mãe… “– A tua mulher tem conferências com um homem que
te quer matar. “O corpo de António contorcionou-se como o dum electrocutado… Foi preciso que a velha lhe repetisse duas
vezes a mesma frase… “– Oh! minha mãe… Não é possível… Ela é uma
santa… “– Tem-nos engano a todos… Eu que t’o digo é
porque sei… Não ia caluniar essa velhaca se não tivesse a certeza… “– Mas… tem a certeza, mãe? “– Tenho… Se eu a vi falar com esse homem! Se tu
podes ver, se quiseres… “– E com quem. Se aqui, nesses sítios, poucos são
os homens… O Jordão? Cabrita? “– Não sei… Tu verás… E cochichou-lhe ao ouvido: “– Finge que tens de partir hoje mesmo. E logo á
noite esconde-te no fundo do quintal e espera! * * *
* * “António dissimulou como poude
a tempestade que lhe ia n’alma; beijou á pressa a mulher, acavalou-se na égua
e lá foi outra vez, de alongada, com a carabina a tiracolo… “Esperou pela noite; voltou ao logar; ladeou a casa e pulando o muro foi esconder-se
dentro da sombra coagulada. “Esperou… Da igreja vinham, de tempos a tempos,
as badaladas das horas, medindo o tempo que lentamente o ia levando para o
crime… Ás onze em ponto ouviu-se uma restolhada… Enclavinhou as mãos na arma
– e esgaziando os olhos distingiu
um vulto pequeno, seco, trajando um fato igual ao seu, muito embuçado que,
aproximando-se duma janela do rés-do-chão, afastou sem ruído os batentes… E
teria entrado, talvez, se uma bala não o picasse de morte, pondo um grito de
tragédia no silêncio da noite… “António correu para o cadáver com a coronha do
fuzil no ar para esmagar o crânio onde germinara a ideia de o matar… E ao
acercar-se-lhe viu então que era… CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 40 AS SUICIDAS JAPONEZAS Era longo, o corredor do terceiro andar – no
Hotel Europa de Tokio. Formava um hotel, ele só –
sem necessidade dos outros andares. E para que essa dependência fosse completa,
não faltava, nem o salão, nem o “fumoir”, nem o
“grill-room”. Houvera, naquele dia, no Hotel Europa, um
desusado movimento… É que se festejara o aniversario natalicio
do embaixador italiano. No Japão, como aliás em todos os paizes
asiaticos, o corpo diplomático, diferente, fisica e moralmente dos naturaes,
forma outro estado, amassado, unido, isolado… Ministros, cônsules,
secretários, adidos, criam, involuntariamente, uma maçonaria: a maçonaria da
raça… O Mikado estava
agonizante. Todo o Japão deixara apagar a maquillagem
europeia sob as lagrimas da sua dôr de fanaticos. Os jornais tinham iniciado uma nova secção: a
secção dos suicidas; dos suicidas que, como os samoraes
da Idade Media, achavam que deviam morrer – quando morresse o seu imperador.
E alguns, anteciparam-se para chegarem primeiro ao Mundo da Luz – talvez para
preparar ao soberano a recpção dos Céus. Tinha proibido toda a alegria – no Imperio do Sol
Nascente. Teatros, cinemas, clubs, palacios aristocraticos de frequente festança, mantinham as suas
janelas severamentre cerradas… Era o luto que na
Europa é negro e no Japão é branco, que se estendia já sobre todo o arquipelago. Os diplomatas, artificialmente interessados na
luta da vida contra a morte, travada na alcova imperial, não queriam perder o
pretexto dos anos do embaixador italiano para se reunirem e beberem
“champagne”… E para não ferir o dictatorial
protocolo imperiosos – conjuraram um banquete, á porta fechada, nos aposentos
do ministro da Servia, instalado no Hotel Europa… Eram quarenta os convivas – mas o salão do
diplomata balcânico podia abrigá-los á vontade, de espaçoso que era. Media
talvez uns quarenta metros quadrados e tinha rasgadas, sobre a avenida,
quatro janelas largas… As estantes serviam de “bufete”; e na panóplia, cheia
de facas de refulgentes laminas – prodígios da cutelaria de Belgrado – tinham
pouzado as asas de dezenas de fitas com as côres da bandeira italiana. O jantar tinha sido uma pequena orgia – orgia em
surdina, para que os japonezes não se escandalisassem. As próprias gargalhadas eram abafadas
pelos guardanapos, que colavam aos lábios, a servir de mordaça. Findo o jantar, todos vieram para o “fumoir”, afivelando a mascara de falsa angustia. Só um –
entre tantos era sincero na sua preocupação: o ministro da Finlandia. – Que tens tu hoje, Yvan
– indagou um dos diplomatas. – Tu sabes que vivo neste paiz
ha quinze anos. Sabes que me casei com uma
aristocrata japoneza… Amo-a! Mas ela ama mais ainda
o su imperador. Fanatica
como é, só tem, neste momento, uma ambição: suicidar-se, rasgar o ventre como
fez a mãe, durante a agonia do outro imperador… Sou obrigado a vigiá-la –
como se vigia uma louca… Em casa escondi todas as facas, todas as laminas.
Esta manhã tive de lhe arrancar das mãos a navalha de barba – porque queria
suicidar-se com ela… Á meia noite, o “champagne” fizera esquecer aos
diplomatas de Tokio, a agonia do imperador. Riam-se
em francas gargalhadas – e por um triz não tinham atacado o piano com
qualquer “fox-trot” europeu… De súbito, o ministro da Finlandia
alarmou, com uma exclamação dolorosa, a alegria dos convivas. A ministra – japoneza fanática – tinha desaparecido… Aproveitara,
seguramente, um instante de distração, para pôr em pratica o seu plano de
suicídio… Calaram-se os risos e todos se lançaram em busca
da japoneza… O porteiro não a tinha visto saír. Os creados dos quartos e
do segundo andar não a tinham visto passar. Portanto ela permanecia no
terceiro… Especaram-se todos no longo corredor, fixando as
portas dos vários aposentos – tentando transparentá-las com os seus olhares anciosos… Em que aposento se teria fechado ela? Indagava,
angustiado, o marido. E o ministro italiano apressou-se a responder: – Se a sua ideia fixa era o suicídio, só podia
ter-se fechado no… Nota: Na transcricção
destes dois contos/problemas foi mantida a grafia da época (1927).
Fontes: Secção
Correio Policial, 21 de Maio de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 31 de Maio de 2025 | Luís Rodrigues |
|||||
© DANIEL FALCÃO |
||||||
|
|