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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 25 de Junho de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 41 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 46 A ÁGUIA-CAPTIVA Na penumbra do templo, de altas e arrendadas
paredes de sandalo, os brazidos
dos perfumadores sagrados picavam o próprio fumo azul com o oiro de centenas
de estrelinhas. Ao fundo, acocorado sobre uma banqueta anã, entre
budhas de quatro braços – o “sumo” o “Deus-Vivo”, pançudo, com o umbigo enjoiado por um enorme diamante, craneo esferico, a calva
untuosa e os olhitos semi-cerrados que melhor
sabiam ver o invisível do que o palpável – parecia dormitar… Tintaneou o gongo – e da sombra dum portal surgiram vários sacerdotes, de
negras vestes – e de tão inexpressivos rostos como os dos budhas,
espalhados pelo templo. Cercaram o “sumo”. O “sumo” continuou na sua
catapléctica imobilidade. Eles não o fixaram com o seu vesgo olhar; o “sumo”
não os olhou tampouco… Dir-se-hiam cegos todos. Os seus lábios apenas tremeram; e as palavras que
dos lábios saíram eram apenas murmúrios. – Deus! Injuriaram-te… – Quem me injuriou? – Não… sabemos… Mas injuriaram-te… – Como me injuriaram? – Matando a “Águia-Captiva”! O rosto do “Deus-Vivo” nem se crispou… Os olhos afectaram uma infinita insensibilidade. Houve um silencio.
Depois indagou: – Não morreria a “Águia-Captiva”
de morte natural? – Não, Deus, não! Nós vimo-la… Tres feridas abriram no seu corpo… Tres
fios de sangue pintam fogo na noite da sua plumagem negra… Tres balas cometeram o sacrilegio… Outro silencio. “Deus-Vivo” reflectia
ou esmolava aos Deuses d’alem-ceu um conselho para
a vingança. – Nenhum dos meus filhos teria ousado atacar a
sagrada Águia… Pela cidade de Tserkin não andam
loucos que fossem provocar a Nossa Colera… Só
estrangeiros podiam cometer este atentado… E um dos sacerdotes, abemolando ainda mais a voz,
propoz: – Iremos prégar a
guerra santa contra os diabos brancos… O povo assaltará a hospedaria da
Ponte, onde estão os estrangeiros… E a agonia de cada um dos sacrílegos será
tão longa… tão longa, como alta é a torre que eles violaram. Os olhos do “Deus-Vivo” relampaguearam,
um só instante… As vestes negras dos sacerdotes agitaram-se ao de leve. – Não! E ordenou: – Yonkong! Tu, que já
estiveste em Pekin e lidaste com estrangeiros e os
conheces, tu és o escolhido para a missão de Divino Castigo. Vai tu sósinho á hospedaria da Ponte… Minh’alma
te guiará… Nós só queremos a morte do sacrílego – a morte rápida… As torturas
aguardam-no. Além da Morte numa agonia eterna… Mata-o – porque mata-lo é
entrega-lo á Justiça dos Céus! Mas… cuidado! Que só morra o sacrílego e não
outro… E Yonkong, sussurrou: – E se eu me equivocar? – Não te equivocas! A nossa alma apontará á tua
inteligência o verdadeiro culpado… * * * Tserkin era a cidade da seita… Nela habitava o “Deus-Vivo”, o sumo sacerdote…
E a uns kilometros da Porta Amarela erguia-se a
torre gigantesca da “Águia-Captiva”… Media talvez,
cem metros… E, no topo, numa jaula gradeada com fortes bambus, vivia a
“Águia”… Nenhum acesso existia para o topo da torre… Todas
as semanas reuniam-se os sacerdotes e do templo saía a escada dos trezentos
degraus que apoiavam a torre… Um dos sacerdotes subia com a água e a carne
para a alimentação da Águia… E depois recolhiam a escada ao templo – e mais
ninguém, em Tserkin, podia contemplar sequer a
“Águia-Captiva”. * * * Yonkong entrou na hospedaria da Ponte… Havia oito estrangeiros… Quatro mulheres - e
quatro homens. Os homens eram todos militares – enviados á China em missões especiaes dos seus governos… Estavam todos reunidos em redor de uma mesa,
jogando… Um deles ganhava… Um deles ia perder a vida, dentro de poucos
minutos… Havia um capitão da artilharia franceza; um tenente da engenharia americana; um major da
aviação britânica e um coronel do Estado Maior italiano... E Yonkong, oculto por detraz de uma coluna e olhando, uma por uma, as insígnias
das armas dos quatro oficiaes, não hesitou em
apontar a pistola a um deles… Estralejou um tiro… Ouviu-se o baque dum corpo…
O matador da “Águia-Captiva” estava castigado… * * * Quem era ele…? * * * NOTA: Foi mantida a grafia da época (1927) ############### GENTIL MARQUES
RECORDANDO DE REINALDO FERREIRA (Continuação) “O MÊS DE
OUTUBRO NA VIDA DE UM HOMEM…” Pois foi em Outubro (de 1911) que Reinaldo Ferreira
e Mário Domingues se conheceram no velho “Colégio Francês”. Residia Reinaldo no terceiro andar do número 29
da Avenida Almirante Reis, um prédio que ainda existe, tal como nessa altura,
com uma porta verdosa e um perfil então ligeiramente aristocrático para os
prédios da época. (Pormenor curioso, para os interessados: na parte
debaixo do mesmo prédio, no número 29-A encontra-se actualmente
a "Agência Funerária Alfredo Magno & Carlos Gomes, Lda.". Para
Reinaldo Ferreira, supersticioso como era, isso seria de muito mau
presságio...) Foi também em Outubro de 1912, se a memória não
me engana, que Reinaldo Ferreira, Cristiano Lima e mais dois ou três
companheiros - todos na força dos seus quinze anos, e inspirados pelo
prefácio escrito por Batalha Reis no livro "Prosas Bárbaras" de Eça
de Queiroz - quiseram fundar um cenáculo... ”E alugou-se para o efeito um quarto, sem
mobília, na Rua Dona Estefânia. A mobília sairia das nossas casas...! (Outra observação digna de registo e de
interesse: nesse tempo, o jovem Cristiano Lima chamava ao jovem Reinaldo
Ferreira “O Zola da Avenida Almirante Reis”...) A Tertúlia não durou muito tempo - mas a amizade
manteve-se através de todas as vicissitudes da Vida! Foi ainda em Outubro de 1913 que se verificou o
reencontro de Mário Domingues com Reinaldo Ferreira. Ambos se tinham
empregado. O Mário como praticante de uma Companhia de Seguros. O Reinaldo
como empregado de escritório, numa fábrica de tecidos, lá para as bandas de
Alcântara. Claro que um emprego destes não podia amoldar-se
ao talento de Reinaldo Ferreira. Em breve o largou, para se dedicar apenas
aos seus escritos. Então já colaborava em revistas francesas de
Cinema e recebia orgulhosamente em sua casa envelopes endereçados a "Mr. Reinaldo Ferreira – Avenida Almirante Reis, 129-3°, Lisbonne". Em Outubro
de 1913, também – e com 17 anos incompletos – entrou para a redacção do jornal "A Capital", levado por esse
grande jornalista chamado Hermano Neves (pai do Dr. Mário Neves) – que como
já referi na minha crónica anterior – criando a primeira secção de Cinema na
Imprensa Diária Portuguesa. E sempre o mês de Outubro com ele... Em Outubro de 1925 alcançou um dos maiores
triunfos da sua carreira de repórter. Regressou da Rússia, onde escrevera
sucessivas reportagens de nível internacional, e proferiu uma importância
conferência na sede do Sindicato dos Profissionais da Imprensa, em Lisboa. Um
ano mais tarde, em Outubro de 1926, publicou a famosa entrevista de Reinaldo
Ferreira com o "Repórter X" (vendo-se os dois na mesma foto, um em
frente do outro, por hábil truncagem) - trabalho que deu volta ao Globo,
traduzido e adaptado em vários países. E ainda um ano depois, em Outubro de 1927,
Reinaldo Ferreira entrevistava sensacionalmente a bordo de um iate, o
poderoso Mr. Singer, rei universal das máquinas de
costura, que conseguira escapar até então à perseguição dos melhores
jornalistas de todo o Mundo. Igualmente em Outubro – mas de 1928, no dia 28
(comemorou-se o 50.º aniversário da efeméride o ano passado – e ninguém deu
por isso) foi Reinaldo Ferreira homenageado com um grande banquete no Palácio
de Cristal, no Porto. Em Outubro de 1930, assinalou-se outro relevante
acontecimento na vida de Reinaldo Ferreira: a sua partida para Londres, já
então consagrado como o melhor repórter do seu tempo! E em Outubro de 1932 ganhava como autor teatral,
apresentando no velho Teatro Apollo a sua peça "Táxi 9297", sobre o
assassinato da actriz Maria Alves, que também
serviu de tema para um filme com o mesmo título e realizado por ele próprio.
Fama, aliás, que se cimentaria nas lides teatrais e sempre no mês de Outubro,
com a estreia do "O homem da cabeleira branca", em 1930, no também
velho Teatro Gymnásio e com a peça "O homem
que mudou de cor", no São Luís, em 1935. (Para a atenção dos leitores mais curiosos esta
peça baseava-se numa novela com título idêntico que ele publicara
primeiramente na revista espanhola "Blanco y Negro" e depois
traduzira em português. O seu grande amigo Mário Domingues sempre julgou que
lhe servira precisamente de inspiração para essa obra...). Mas ao assunto, terei de voltar ainda, afinal de
contas, em próxima crónica. (Texto de
1979)
Fontes: Secção Correio
Policial, 25 de Junho de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Agosto de 2025 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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