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CLUBE DE DETECTIVES |
I TORNEIO
“O LIDADOR… das CINZENTAS” Prova nº 2 |
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UM DIA DE FÉRIAS ESTRAGADO Autor:
Zé - Viseu
Passavam apenas 240 minutos das 8 horas, quando acordei, naquela manhã de Agosto, na praia. Não sei porquê, mas nem em férias me liberto da obrigação de me levantar cedo! Toca o telefone. Atendo, meio a dormir: – Bom dia, Schumi (não percebo, mas alguns amigos tratam-me assim). Espero não te ter acordado, mas tenho um problema! Reconheci a voz do Raul. – Não tens minhoca, para a pesca? – Estou a falar a sério. Fartei-me de telefonar para o meu tio e os meus primos, desde ontem à noite e ninguém me atende. Meti-me no carro e vim ver o que se passava. – Estás cá? – Estou… deixa-me falar! Pedi à senhora que trata deles e da casa que me abrisse a porta. Quando entrámos, demos com a porta do quarto do tio fechada, por dentro, e ouvimos a T.V., ligada. A D. Rosa diz que saiu daqui, às 20, e estava tudo normal. Calculo que estejam todos lá dentro, pois os quartos dos primos têm as camas feitas, tal como a Rosa as deixou. – Já vou. Não toques em nada! Vesti-me e vi que continuava a chover. Aliás, desde as 22 que tinha sido uma “tromba de água” (o exagero é da falta de café). Chuvas de Verão, resignei-me. A casa não era longe da minha, mas deu para recordar que tinha estado a tomar café, na noite abafadíssima da véspera, com o Carlos e o João, os sobrinhos mais chegados do Severiano. Severiano, velho, chato e avarento, estava mirradinho; mais para lá do que para cá, mas não se decidia. Por isso, estes sobrinhos não o largavam nem se largavam, controlando-se, ferozmente, na ânsia de ficar bem no testamento e não deixar que o outro “levantasse qualquer coisa, por conta”. O Carlos até deixara de viver com a mulher, já que o João, solteirão militante, vivia com o tio (prescindo de comentar a qualidade da mulher do Carlos e a da herança, porque também não quero qualificar os irmãos). O Carlos, às 21,30, disse que precisava de ir para casa, pois andava com os intestinos “às voltas”. O João, apesar de se queixar do contrário, seguiu-o, como uma sombra. As bicas, paguei-as eu… por exclusão de partes! Abri o portão da vivenda e atravessei o quintal, enlameado. Forreta, pensei, nunca pavimentou a área circundante da casa! Entrei. Comecei por abraçar o Raul e pedi à D. Rosa que falasse um pouco mais baixo e devagarinho. Sem café, aqueles guinchos pareciam sirenes de filmes americanos. “Não me sujem mais a casa, que me deu um trabalhão a limpar”! Rais parta a mulher! Mas era verdade. A senhora tem pilhas de longuíssima duração, mas fizera um trabalho perfeito – nem ponta de sujidade! Apenas as inevitáveis pegadas dela, do Raul (ambas menos nítidas, porque a “sargenta” impusera uma limpeza cuidadosa) e as minhas, bem marcadas, porque, sinceramente, berros é coisa que eu não consigo descodificar, para mais, de manhã cedo. Telefonei, do meu móvel, para a polícia (naquela casa, só havia um telefone fixo, no quarto do velho, e eram proibidos telemóveis – modernices, que só servem para gastar dinheiro). Vieram os meus velhos amigos Chefe Dias e Subchefe Tó, com o Guarda Ricardo, que conduzia a viatura, descaracterizada. Contámos o que sabíamos – a Rosa, o Raul e eu. Rosa foi dispensada. Nós, os dois, ficámos, afastados, tanto quanto possível, da porta do quarto. Porta arrombada pelo guarda (o Dias e o Tó são muito mais personagens de filme intelectual). Entraram os chefes, depois de breve contacto, a sós, com Ricardo. Nós espreitámos, a seguir. O tio, cheio de sangue, na cama. Carlos e João pareciam dormir, profundamente, cada qual no seu sofá. Pelo menos, os troncos oscilavam, ao ritmo da respiração. Sentámo-nos e esperámos (e eu, sem café!). Saíram, primeiro, os primos. Quais “zombies”, desabaram num sofá, ao pé de nós. Muitos minutos depois, saíram Dias e Tó. Ricardo estaria na rua ou à porta. Os dois primos afirmaram não fazer ideia do que se tinha passado, pois tinham caído num sono profundíssimo, de que ainda não tinham acordado completamente. Dias pediu o número de telefone, para contactos, posteriores (dispensou identificação pessoal, por conhecimento). Carlos, com a mão esquerda (que ostentava um pequeno penso adesivo), escreveu o número do telefone da vivenda. João não resistiu a provocar o primo: – Ainda não tinha dado por isso, mas resolveste, finalmente, tirar a aliança. Realmente, o teu casamento já acabou há muito! – Não chateies. Tu nem jeito tiveste para arranjar quem te aturasse! (resmungou Carlos). – João tentou um gesto de agressão, com um cinzeiro, na mão direita. – Calem-se e deitem-se – berrou Tó. – Falaremos, quando estiverem em condições! – Os primos, trôpegos, recolheram às boxes. – Agora, nós, meus meninos – acordei, enfim!, eu: –Vamos ser sintéticos, que temos muito que fazer: Quarto com casa de banho privativa. Porta de entrada no quarto e janelas, bem fechadas, por dentro. Não há o mais leve vestígio de pegadas de sapatos ou de entrada de gente (para além de nós). Quarto limpíssimo. Os três, de tronco nu, cuecas e descalços. Três copos, com restos de (aparentemente) água, sobre um pires, cada um junto a um deles. Cada copo tem apenas as impressões digitais de uma pessoa, todas diferentes. Nenhum pires contém qualquer impressão digital. O homem foi morto à facada, com golpes desferidos na parte superior do tronco, à direita e à esquerda, com orifícios de entrada indicando trajectória inclinada. Devido à quantidade desses golpes, o velho sangrou bastante, antes de se “apagar”. Sob o braço direito, e na zona envolvente, restos de um velho termómetro, partido. Diria, a olho, que não morreu depois da meia-noite. Nada de anormal, na casa de banho. – E não há pegadas, à volta da casa, a não ser as nossas três; e outras três, também muito recentes. Todas no carreirinho, entre o portão e a porta da casa. – Afirmações, peremptórias, do guarda Ricardo. – E, agora, tu (convidou-me o Dias), que tens a mania de resolver mistérios destes! Mesmo sem café, disse-lhes o que pensava ter acontecido. – Estou de acordo, afirma Tó. Se as perícias, análises, autópsia (e tudo o resto que sabes ser dos livros) confirmarem as tuas deduções, tens 10, neste problema!!! – Encontramo-nos ao almoço, no local do costume – convidei eu, ao sair. Entrei no passeio, ao mesmo tempo que os carros da comitiva técnica dobravam a esquina. Pelo sim, pelo não, vou tomar o pequeno-almoço. Convido-o, caro confrade, a vir tomar café comigo, para trocarmos ideias sobre o caso que me estragou um dia de férias… { publicado no boletim “O LIDADOR… das CINZENTAS” nº 10 de Dezembro de 2004 } |
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© DANIEL FALCÃO, 2004 |
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