M. CONSTANTINO

(21.Abril.1925 – 30.Novembro.2019)

CALEIDOSCÓPIO 70

EFEMÉRIDES – Dia 10 de Março

Sam Ross (1912-1998) – Sam William Rosen nasce em Kiev, Russia. Emigra para os EUA onde se torna jornalista. Escreve episódios para conhecidas séries de televisão como The FBI, Mannix e Naked City. Publica cerca de vinte livros entre 1947 e 1973. Destaque para He Ran All the Way (1947), Someday, Boy (1948), The Sidewalks Are Free (1950), The Tight Corner (1956), The Hustlers (1956), Ready For The Tiger (1964), Hang-Up (1968), The Fortune Machine (1970), The Golden Box (1971), e Solomon's Palace (1973).

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Boris Vian (1920-1959) – Boris Vian nasce em em Ville d’Avray, França. Escritor, poeta, ensaísta, tradutor, cenógrafo, músico, compositor actor… escreve romances, opera, peças de teatro num total de 40 livros. Em 1944-45 publica textos, sob os pseudónimos Bison Ravi, um anagrama de Boris Vian, e Hugo Hachebuisson. No entanto o seu pseudónimo mais conhecido é Vernon Sullivan com o qual escreve romances policiários. Boris Vian é tradutor de escritores clássicos do policial negro americano – Raymond Chandler, Dashiell Hammet – e de acordo com o seu editor decide apresentar-se como tradutor do autor americano Vernon Sullivan, um escritor inexistente, que é ele próprio. O primeiro livro J'Irai Cracher Sur Vos Tombes (1946) é um sucesso de vendas, mas acaba por ser proibido por ser considerado demasiado violento; mais tarde é adaptado ao cinema. Seguem-se Les Morts Ont Tous La Même Peau (1947), Et On Tuera Tous Les Affreux (1948) e Elles Se Rendent Pas Compte (1950). Estes livros estão editados em Portugal; o primeiro tem o título Irei Cuspir-vos Nos Túmulos (1973), Nº 28 Colecção Livros de bolso Clube do Crime, Europa-América. Os três seguintes são publicados pela Regra do Jogo, na Colecção Série Negra, respectivamente com os Ns. 15, 10 e 13 e com os títulos Os Mortos Têm Todos a Mesma Pele, Morte aos Feios e Elas Não Dão Por Ela. Mais recentemente a Editora Relógio d'Água também tem vindo a publicar alguns livros nas Obras Escolhidas de Boris Vian.

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Åke Edwardson (1953) – Nasce em Eksjö, Småland, Suécia. Pertence à nova geração de escritores policiários escandinavos. Jornalista, assessor de imprensa nas Nações Unidas publica o seu primeiro romance em 1995 Till Allt Som Varit Dött (Para todos os que morreram em tradução literal). Tem alguns livros traduzidos para inglês: Death Angels (2009)/Dans med en angel (1997), The Shadow Woman (2010)/Rop FråN LåNgt AvståNd (1998), Sun And Shadow (2005)/Sol Och Skugga (1999), Never End (2006)/ LåT Det Aldrig Ta Slut (2000) e Frozen Tracks (2007)/Himlen ÄR En Plats På Jorden (2001). Os seus romances são protagonizados pelo Inspector Erik Winter, o Inspector Chefe mais jovem da Suécia. Åke Edwardson é por três vezes o vencedor do prémio para melhor romance atribuído pela Swedish Crime Writers' Academy.

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TEMA – ENIGMA POLICIÁRIO

Estamos no fim-de-semana, um dia de descanso se for esse o caso. Apresentamos um enigma policiário, da autoria de Jartur Mamede (João Artur Mamede) confrade radicado no Porto que se tem destacado na problemática policiária, como solucionista, produtor e contista de relevante mérito, seccionista e actualmente o melhor e maior coleccionador de secções policiárias, empenhado em conseguir instalar o Arquivo Nacional de Problemística Policiária.

Alô, Jartur, força!

O MISTÉRIO DAS PANTUFAS

O telefone tocou no gabinete particular de Marcos Dias, e eu atendi. Do outro lado do fio uma voz trémula perguntou pelo jovem detective. Como este estivesse a meu lado, passei-lhe o auscultador. A conversa foi breve, e a avaliar pelas expressões faciais do meu amigo algo de extraordinário se passara. Quando desligou, Marcos agarrou-me por um braço e, sem qualquer explicação, arrastou-me para a saída. A escada foi galgada num ápice, e entrámos no Mercedes de Marcos, estacionado junto do edifício. O carro arrancou velozmente e fomos deixando para trás ruas e avenidas. Sem atender às leis da prudência, Marcos conduzia como um doido, não atendendo os sinais do tráfego e assustando os peões, dos quais por sorte se desviava. Eu fechava os olhos amiúde e começava a adivinhar tragédia quando ele, na realidade, pareceu ter chegado. Embraiagem e travão foram pisados simultaneamente, e com um golpe de volante que envergonharia Carraciola, o meu amigo tentou estacar o veículo para não atropelar o pobre homem. Conseguiu-o milagrosamente, tirando uma impecável tangente ao indivíduo, que mal se apercebera do perigo. O carro galgou o passeio e iria amachucar-se na parede de um edifício se o pé de Marcos não continuasse pisando o freio. O homem que por pouco não fora vítima do excesso de velocidade de Marcos aproximou-se do carro e esboçou um sorriso amarelo ao notar a nossa atrapalhação. Em boa verdade, nós estávamos mais desconcertados do que ele. O homem balbuciou algo que não lográmos perceber e afastou-se, gingando o corpo sobre as pernas, uma das quais era mais curta, apesar da suplementar altura de cortiça que lhe guarnecia o sapato. O funcionamento dos nossos corações normalizou-se, e o sangue, que por momentos desaparecera; voltou-nos o rosto. O susto passara para dar lugar a uma tremenda vontade de rir. E gargalhámos ruidosamente, enquanto Marcos dirigia o carro pela via. O término da viagem aproximava-se e Marcos foi reduzindo gradualmente a marcha, até imobilizar o veículo junto dum luxuoso edifício. À porta esperava-nos uma mulher idosa.

Entrámos no elevador e nele ascendemos ao quarto andar. A mulher fez-nos atravessar um comprido e estreito corredor e deteve-se junto de uma porta entreaberta, pela abertura da qual se nos oferecia à vista um quadro pouco agradável: deitado na cama estava um homem com o pescoço ferido e coberto de sangue já coagulado, que também manchara as roupas do leito. Imediatamente nos atirámos ao trabalho. A nossa primeira preocupação foi procurar no aposento qualquer indício revelador, o que não conseguimos. Seguiram-se as investigações da praxe. Elevador e escada foram cuidadosamente examinados, e desse estudo resultou o nosso primeiro êxito. Em cada degrau da escada, estavam, lado a lado, as marcas de qualquer género de calçado, que logo deduzimos tratar-se de pantufas de quarto. Porém, aquelas marcas não estavam impressas em todos os degraus da escada, porquanto na véspera a mulher a dias somente encerara o lance que unia o terceiro andar ao quarto, e neste precisamente é que as pegadas eram visíveis. Este era um pormenor valiosíssimo, mas deixou de o ser quando soubemos que, dias antes, um vendedor ambulante havia fornecido daquelas pantufas a todos os inquilinos do prédio. No entanto ficámos sabendo que o culpado residia ali, ou então se servira das pantufas de qualquer dos inquilinos. D. Rosa, assim se chamava a mulher que nos acompanhava. Informou-nos que a porta principal fora, de manhã, encontrada aberta, e só os inquilinos possuíam chaves. Pelas janelas, o acesso só seria possível no primeiro piso. Todavia, aí as janelas não tinham sido violadas. Também de manhã, o ascensor estacionava no rés-do-chão, o que vinha provar ter sido utilizado depois das duas da madrugada, hora a que voltara a energia eléctrica, que a central cortada às vinte e três horas do dia anterior. Nada mais soubemos que pudesse conduzir-nos à decifração do enigma, e então procurámos averiguar quais os inquilinos que teriam interesse na morte do milionário Casqueira. Eram seis os suspeitos. Naquela mesma tarde, eu e Marcos fomos interrogá-los. A primeira porta em que batemos foi-nos franqueada por Benilde, uma jovem modelo, que em tempos fora noiva de Casqueira. Os aposentos da rapariga situavam-se no terceiro andar, e foi aí que a interrogámos. Disse-nos que se havia recolhido cedo, e que não mais saíra do quarto. No mesmo piso interrogámos os irmãos Sousas, que nos afirmaram ter estado a trabalhar até ao momento em que faltara a luz, pelo que se haviam deitado. Em seguida, descemos ao andar de baixo, e aí falámos com o Aníbal, que nos disse ter recolhido a casa cerca das vinte e três horas, e logo se deitara, tendo sido “como averiguámos", o último a servir-se do elevador antes de faltar a corrente. Interrogámos, depois, o Sr. Saul, aquele que quase íamos atropelando horas antes. Garantiu-nos que se tinha deitado logo após o jantar. No primeiro piso vivia também o Afonso, que, segundo nos disse, recolhera a casa já depois de a luz ter faltado, pelo que subira as escadas às escuras, como não podia deixar de ser. D. Rosa dissera-nos que acabara de encerrar aquele lance pouco antes das vinte e três horas, e que se preparava para prosseguir quando faltou a energia. Ouvimos ainda as declarações de outros inquilinos não suspeitos, embora nada mais necessitássemos saber para que atinássemos com a decifração do caso. Utilizando-se apenas dos elementos colhidos, Marcos Dias logrou desvendar o mistério que envolvia aquela morte. Pouco depois, o Mercedes voava pela estrada e atravessámos a povoação a toda a brida. Recomendei a Marcos um pouco de calma, mas ele não me quis ouvir. Súbito, uma derrapagem e uma lavagem brusca quase me fizeram levantar do banco. Desta feita não fora um despreocupado peão a causa de tal… nem tão pouco uma miragem feminina… – “Há leitão” – dizia o letreiro, encimado por um ramo de louro…

Quem foi o culpado?

M. Constantino

In Policiário de Bolso, 10 de Março de 2012

 

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