M. CONSTANTINO

(21.Abril.1925 – 30.Novembro.2019)

CALEIDOSCÓPIO 75

EFEMÉRIDES – Dia 15 de Março

Lillian de la Torre (1902-1993) – Lillian de la Torre Bueno McCue nasce em Manhattan EUA. Contista exímia, publica o primeiro romance Elizabeth Is Missing em 1945. Cria uma série de contos Dr. Sam: Johnson, Detector, com os personagens Samuel Johnson e James Boswell. É eleita presidente da Mystery Writers of America em 1979.

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Lawrence Sanders (1920-1998) – Nasce em Brooklyn, New York City, EUA. Jornalista durante 20 anos começa por publicar em 1968-69, na revista Swank, um conjunto de contos protagonizados pelo investigador de seguros Wolf Lannihan, mas torna-se célebre com o livro The Andersen Tapes (1969) que inicia a série Edward X. Delaney com um total de 5 títulos, ganha o Edgar para Best First Novel em 1971 e é adaptada com sucesso ao cinema; o segundo livro desta série The First Deadly Sin (1973) é também um filme de sucesso onde Frank Sinatra interpreta o papel de Denaney. O autor escreve mais 16 romances entre 1971 e 1998 e cria ainda a série Peter Tanget (2 livros), Commandement (4 livros), Timothy Cone (2 livros) e escreve a série Archy McNally, com 13 títulos metade dos quais com Vincent Lardo como co-autor. O escritor usa os pseudónimos Lesley Sanders e Mark Upton e tem três dezenas de livros editados em Portugal.

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TEMA – OS GRANDES TEMAS DA FICÇÃO CIENTÍFICA

CYBORGS

Um dos temas evidenciados na ficção científica diz respeito à estreita conexão homem – máquina. O designativo de cyborg (ciborgue) para tais casos, resulta da combinação das palavras cybernetic e organism, reflectindo, na prática, a aplicação ao organismo da ciência da cibernética, já que esta, no seu conceito e em breves termos é a ciência do controle e comunicação no homem e na máquina.

O princípio básico do cyborg não é novo para o homem que, durante séculos, se tem modificado a si mesmo, progressivamente, com dentes de matéria não humana, membros artificiais, válvulas cardíacas, etc…

Novo será a retro-alimentação e auto-regulação em perfeita simbiose, e tão perfeita para que entre a carne e o metal não haja destrinça. Em síntese, um cyborg seria um sistema humano – máquina auto-regulado (homeostase), cujas partes mecânicas estariam unidas às biológicas de um modo tal, integral e sistemático, como o coração humano está para o resto do corpo.

Ocorre, naturalmente, uma inquietante pergunta: será humano ou máquina?

Na medida em que a humanidade se vai modificando à sua vontade ou necessariamente, e pode comunicar conhecimentos às gerações futuras, a perspectiva clássica acerca da evolução humana mudará dramaticamente. Pode mesmo dizer-se que, com o advento dos cyborgs, o homem terá cumprido o ciclo completo da sua existência.

Vanguardista de ideias e proposições, a temática não poderia ficar estranha à literatura de ficção científica e aparece mesmo antes de o termo obter enquadramento. Os casos de The Cybernetic Brains e Wolfbane, respectivamente de Raymond F. Jones e C. M. Kornbluth em colaboração com Frederik Pohl. Mais interessantes e mais recentes, Gray Matters de William Hjortsberg e Catchworld de Chris Boyce. No entanto, aponte-se, o termo nem sempre tem sido entendido na sua verdadeira dimensão: os ciberhomens da série televisiva Doctor Who, são apenas e tão só robôs; bem diferente e imaginariamente plausível é a série também da T.V., The Six Milion Dollar Man extraída da novela de Martin Caidin, Cyborg.

Em Moderan, do bem pouco conhecido mas muito interessante David R.Bunch (1925-2000) num planeta devastado e envenenado pela guerra, resta recorrer aos armazéns de componentes importantes onde os homens recebem substitutos orgânicos, até que, para alguns, ocorra os Novos Processos – a transformação da espécie. A um jovem rei entre os demais, é-lhe dada a prorrogativa de observar a própria adaptação a cyborg.

bisturis na cavidade ocular esquerda; bisturis na cavidade ocular direita. Agora extraem o globo ocular esquerdo… o direito… há sangue… enquanto as enfermeiras de aço, esterilizadas, dinâmicas, ocorriam eficientes e frias…

Na maior parte dos casos há tácita aceitação. É o caso da bailarina da um conto de C.L. Moore (1911-1987), uma personalidade admirável, a quem nem os obstáculos físicos ou técnicos, nem a presença de amigos de outros corpos, podem impelir prosseguir o destino reservado a uma bailarina – cyborg.

Para Flaccus, o cyborg de Jack Dann (1945), é símbolo de confiança e força, a nova condição…

Flaccus recordou que tinha posto a armadura. Podia sentir que estava fortemente envolvida em redor do corpo, aguardando o sinal que transmitia aos músculos. Era a sua própria força. A armadura, dermo-esquelética de metal ligeiro provida de sensores que antecediam todos os movimentos e os transmitiam aos músculos artificiais. Com ela Flaccus podia sustenta nos braços mais de mil quilos, mil quilos em cada mão, ou…

Quentin, personagem de um conto Henru Kuttner (1915-1958), reduzido a cérebro, sente-se bem com a sua situação. Não é um super-homem, mas um rapaz comum, com um bom físico, e que teve que adaptar-se a um novo corpo. Faltam-lhe alguns atributos, mas em compensação…

Leio literatura de evasão, embebedo-me mediante uma irritação eléctrica, tenho paladar ainda que não para comer. Vejo espectáculos da T.V.. Tento conseguir todos os prazeres sensitivos puramente humanos que posso... sim, agora pode resolver problemas infinitamente mais complicados,'com os cálculos que exigem reacções em fracções de segundo, como conduzir uma nave espacial..."

Nem todos os autores são positivos a este ponto. Damon Knigt (1922-2002) que em Ask Me Anything, Four in One desenvolve problemas patéticos a alto nível, em Masks aborda o efeito psíquico de alguém perder o corpo.

Este homem foi mutilado integralmente. Só um impacto mental geral pode compensar uma perda tão catastrófica. Perdeu a base fisiológica de todas as emoções humanas. Carece de coração que acelere as suas batidas, de glândulas… Não Pode sentir o amor, temor, ódio, afecto. Porém pode e deve aceitar um funcionamento limpo e uniforme como norma. Quando olha a carne suada de outras pessoas, a única emoção que pode sentir, repugnância… este homem é um eunuco. Sabido que é inteligente, ocultará a verdade a si mesmo?

A tecnologia ciborg abarca a engenharia biológica, as próteses, a tecnologia espacial e dezenas de campos diversos. Poderia desenvolver ampla variedade de seres humanos com adaptações especializadas para explorar o espaço ou viver nos oceanos.

A relação entre a técnica ciborg e as viagens espaciais, assunto primariamente abordado por Thomas N. Scortia, tem lugar próprio assegurado. O impacto psicológico no espécime humano revela-se, com dramática estrutura – é uma opinião pessoal – na narrativa de Frederik Pohl, Man Plus.

Um ser humano está em causa, um ser humano não parece particularmente importante, quando existem oito biliões vivos. Não é mais importante, por exemplo, do que uma partícula microscópica numa memória. Mas uma única partícula pode ser decisiva quando transporta um pedaço essencial, e a importância de Terraway era precisamente esta. Era um belo homem, como o é a maioria das pessoas. Famoso também. Ou tinha sido.

Roger Torraway, coronel (aposentado) da Força Aérea dos Estados Unidos, bacharel em Arte, Licenciado em Arte, doutorado em Ciências (honoris causa), casado, uma mulher linda, que adorava, que andara no céu duas a três semanas juntamente com outros cinco astronautas, tornara-se famoso. Agora era preciso conquistar Marte, manter uma colónia em Marte antes que a Rússia o fizesse. E Roger era parte integrante desse projecto. Nenhum ser humano pode viver em Marte. Mas se se remodelar um ser humano? Nada há que respirar em Marte; tiram-se os pulmões do corpo humano e substituem-se por sistemas de renovação de oxigénio em miniatura. O sangue do corpo humano ferveria; muito bem, elimina-se o sangue. O corpo humano precisa de alimento: substitui-se por máquinas e o alimento diminui. Apenas o cérebro é que deve ser alimentado. Elimina-se a água do ciclo de beber, circular, evacuar ou transpirar, revista-se o corpo com uma pele especial anti-radiação, ore lhas de morcego, olhos infra-vermelhos.

O homem transforma-se num organismo cibernético: um cyborg.

Não tinha aspecto humano. Os seus olhos eram brilhantes, globos facetados de vermelho. As narinas dilatavam-se com pregas de carne, como o focinho de uma toupeira, em forma de estrela. A pele era artificial; a cor era muito bronzeada, mas a textura era a da pele de um rinoceronte. Nada naquilo que se podia ver tinha a ver com o aspecto com que nascera. Olhos, orelhas, pulmões, pele – tudo fora mudado ou aumentado. No meio das pernas não havia nada. Nem pénis, nem testículos, nem escroto; nada a não ser carne artificial, brilhante, com uma ligadura transparente sobre ela escondendo as cicatrizes. Era como se nunca lá tivesse existido nada. Dos sinais diagnósticos de virilidade… nada.

Terminara a insignificante operação e aquilo que restava não era nada. As últimas alterações visíveis eram a ponta do iceberg. O que tinha sido feito dentro dele era muito mais complexo e muito mais importante.

Fechava os olhos mas não dormia.

O cérebro corria invocando pensamentos de sexo, de comida, ciúme raiva, filhos, nostalgia, amor.

Os psicólogos tentavam compreendê-lo em testes tortuosos, mas dentro de si manteve uma cidadela de privacidade que não permitia que invadissem.

Tudo em ordem para a grande missão.

O problema que não solucionara era o que faria se por qualquer razão, quando estivesse concluída a missão, não o pudessem reconstituir logo de seguida. O que não era capaz de decidir era se se suicidaria ou mataria tantos quanto pudesse dos seus amigos, superiores e colegas.

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M. Constantino

In Policiário de Bolso, 15 de Março de 2012

 

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