M. CONSTANTINO

(21.Abril.1925 – 30.Novembro.2019)

CALEIDOSCÓPIO 77

EFEMÉRIDES – Dia 17 de Março

Patrick Hamilton (1904-1962) – Anthony Walter Patrick Hamilton nasce em Hassocks, Sussex, Inglaterra. Actor, assistente de palco e novelista, escreve também peças de teatro e para rádio. É classificado como um dos autores mais dotados e mais admirados da sua geração. Publica 4 livros de mistério/detective, 3 deles com o personagem Ernerst Ralph Gorse. O livro Hangover Square (1941), em termos de percepção psicológica e realismo, é considerado pela crítica como uma das melhores e das mais emocionantes obras escritas sobre um assassino esquizofrénico. A peça de teatro Rope (1929), baseada no caso verídico Loeb-Leopold, é mais tarde um filme de Alfred Hitchcock. Outra peça notável do autor é Gas Light (1938), ou Angel Street nos EUA, com o detective Rough, adaptada duas vezes ao cinema e que estreia no Teatro da Trindade em 28 de Setembro de1949 com o nome A Luz do Gás.

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Richard Martin Stern (1915-2001) – Nasce Fresno, Califórnia, EUA. Começa por escrever contos policiários na década de 50. É autor de 26 romances, 6 dos quais da série Johnny Ortiz. O livro The Bright Road to Fear (1959) ganha o Edgar Award para Best First Novel desse ano. A sua obra mais conhecida é The Tower, de 1973, um dos livros que este na base do filme The Towering InfernoA Torre do Inferno (1974) com Steve McQueen e Paul Newman.

A Torre do Inferno foi editado em Portugal em 1976 pelas editoras Civilização e Círculo de Leitores. Está também editado Tsunami! no volume 9 da colecção Livros Condensados das Selecções do Reader's Digest.

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TEMA – FICÇÃO CIENTÍFICA

O HOMEM QUE NÃO NASCEU – Original de Ane Revis

À medida que os anos passavam e se tornava adulto, mais se robustecia em si o curioso desejo de viajar no Tempo, de poder ir livremente ao passado, a fim de conhecer a mãe, quando ainda viva, já que fora assassinada antes de ele nascer. Nunca se descobrira o criminoso; e, amiúde, pensava como gostaria de desmascará-lo. Também, de si para si, considerava injusto e limitado o período da vida humana compartimentada num lapso do largo espaço abrangido pela história da Humanidade; achava, igualmente, que, do mesmo modo que se pode compulsar qualquer compêndio de história clássica, deveria ser possibilitada – àqueles que tivessem motivos fortes para ter perfeito conhecimento de determinado facto – a capacidade de o verificar ao vivo.

No entanto, apesar de querer desesperadamente e de se interessar pelo muito pouco que encontrava descrito de forma vaga, não tinha a mínima esperança de realizar tal façanha; todavia, conseguiu-o!

Ao emergir no passado precisamente na época desejada, mal queria acreditar no que fizera, e assim: com tamanha facilidade. Pareceu-lhe mesmo insignificante o esforço final, quase sem valor, como se apenas despertasse um simples dom latente. Com notável precisão e rapidez, passou para o local exacto do momento escolhido pelo subconsciente, sem entender muito bem como fora, possível: e, agravada pela náusea e mal-estar naturais, não pode deixar de sentir uma ponta de medo.

Sim, era então verdade: o homem podia vencer o Tempo! O homem – essa máquina potencial e estranha – tinha em si os dados para responder a todas as questões equacionadas claramente e no verdadeiro sentido. Bastava haver um objectivo forte – e o seu, para si, era-o!

Atordoado pelo que conseguira, sem esperar tão cedo ter êxito, e pela sorte de acontecer no seu quarto – vizinho daquele onde se dera o drama a que tanto queria assistir –, tomou consciência, desde logo, da atmosfera diferente que o envolvia, da mudança do ambiente geral. E, duma forma indefinida, sentiu saudade desse tempo que não conhecera, do aconchego que nunca verificara ali, na mesma casa, indo ao ponto de apreciar a agradável fragrância feminina que perfumava o ar.

No lugar da cama um berço armado à espera duma vida a sua. Comoveu-se. Foi tomado de violenta emoção e deu-se conta de não estar emocionalmente preparado. Compreendeu que, assoberbado pela ânsia da sua vontade e enganado pela falta de confiança no feliz resultado, não pensara em fazer o ponto das possibilidades a enfrentar, nem calculara as reacções possíveis perante o inesperado. Agora, a profundidade do que encontrava mostrava-lhe como se precipitara, considerando-se irresponsável.

Quis voltar atrás. Não houve tempo! Algo, no quarto ao lado, o alertou – foi ver.

Junto à jovem mulher, grávida (a mãe), dormitando em repouso sobre o largo leito, apenas o marido (o pai): mais ninguém. Mas o crime ia acontecer na hora certa, impressionando-o extraordinariamente. Assistiu, petrificado pelo espanto e horror, ao instante em que o pai feria de morte, a sangue frio, com ódio no olhar, a vítima adormecida, sem parecer haver motivo.

Numa fracção de segundo, avaliou a verdadeira razão dos silêncios do pai sobre o acontecimento e o porquê de não se lhe arrancar uma descrição completa da morte da mulher e, até, porque nunca se encontrara o assassino. Percebeu como ele achara o álibi quase perfeito – que resultara – ao correr a chamar o médico que fizera nascer a criança, ainda viva, mas não pudera salvar a mãe.

Esqueceu que lhe devia duplamente a vida; não pôde dominar-se. Atacou o criminoso, não querendo saber quem era, sem atender às circunstâncias especiais da sua estada ali, com fúria e raiva, utilizando o cinzeiro de alabastro, levado pela dor de se ver lesado do bem que nunca haveria de ter: o carinho de mãe.

No ímpeto da surpresa, o pai deixou-se dominar, aterrado pelo imprevisto; e ele bateu com força, loucamente, sem piedade e sem parar. Só quando o viu inerte, correu para junto da mulher que morria.

Lágrimas de desespero e mágoa não o deixaram ver os movimentos convulsos da criança, ainda viva. Perdeu então, subitamente, a vontade de viver, a noção do Tempo a que pertencia, ignorando as regras a cumprir, a respeitar, dispondo-se a ficar ali, segurando as mãos da mãe, que iam arrefecendo. Absurdamente, quis assistir ao próprio nascimento, sabendo, em consciência, que não devia.

Começou a sentir-se fraco, muito fraco. Perguntou-se como seria possível estar dividido, se poderia ver-se a si mesmo, achando importante entender, esforçando-se por se concentrar.

Ectoplasma, talvez…

Quis reagir, afastar a lassidão. Ocorreu-lhe, num lampejo, que o médico não viria para o fazer nascer, já que impedira o pai de o ir chamar (quando o matara) e a criança (que era ele) nunca veria a luz.

Os pensamentos esvaíam-se, tornavam-se difusos na sua mente, careciam da convicção que já não tinha. O fim ia chegar, provocado levianamente por si mesmo. E antes de deixar de ser aquele em que se tornara (porque vivera), e perder a forma actual (já que não viveria por estar a morrer no útero materno), por instinto, e na ânsia de protecção, achou ainda forças para se abraçar ao corpo que o encerrava e onde ficaria, levando consigo a vaga sensação de haver vingado a mãe – talvez o verdadeiro objectivo

TEMA – O CASO DO DIA

TODOS DIZEM O MESMO

Parece anedota, mas não é! Quanto mais esquiva e fechada em si, maior o desejo do Don Juan das Milhariças em quebrar os cadeados da beldade e entrar na sua intimidade. O homem não é louco nem ajuizado, só procurava o melhor e, por conta dos seus créditos o fato de riscas verticais, bem penteado, perfumado, olhos melosos e piscadeiros como as asas de um beija-flor, já ultrapassara dúzias de altos muros e janelas ainda mais altas, apertando a si opulentos e macios seios a poucos passos das camas apetecidas, onde as vítimas descuidadas, surdas às virtudes, desatinadas de espírito e insaciáveis de corpo, se abandonavam até ao êxtase. Saída entre vãs promessas, lençóis arrefecidos e trocados, o Don Juan, herói de muitas batalhas, deleitado de vaidade, busca outra porta por abrir.

Alda, a belíssima esposa do chefe da polícia, guardada a sete chaves, não disfarça um estremecimento quando os olhares beija-flor a atingem mas… uma vez por todas, num descargo de consciência, telefona ao marido. Eis que o galã, ainda não dobrara a esquina próxima, um veículo da polícia, ruidosamente, pára a seu lado e três possantes guardas da lei atiram-no para o fundo do carro. Aguarda-o o chefe, a que se juntam os captores.

– Entra homem. A casa é tua; está à vontade!

– Perdão chefe – responde Don Juan das Milhariças, cabisbaixo, isto é, parecendo humano. Continuou: – Perdão, sou um louco, um louco!

O chefe nada diz. Pensa. Sai, telefona.

Cerca de vinte minutos depois, dois alentados enfermeiros seguram-no e enfiam-lhe a camisa-de-forças com que entrará no hospício.

Ainda grita: Mas eu não sou doido doutor… Mas o director do hospício, pensando na sua desprotegida, linda e airosa esposa, responde:

– Todos dizem o mesmo…

O chefe encolhe os ombros, tira da estante o Código Penal e enfia-o no cesto dos papéis velhos.

M. Constantino

In Policiário de Bolso, 17 de Março de 2012

 

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