Autor Data 13 de Novembro de 1994 Secção Policiário [176] Competição Prova nº 10 Publicação Público |
O CASO KEOPS Abílio Fazia já algum tempo que não
me encontrava com o Bernardo, o que me causava alguma insatisfação, pois
assim não tinha oportunidade de acompanhar os seus casos policiais, por vezes
apaixonantes. Contudo, naquela manhã de sexta-feira, o telefone tocara e o Inspector Bernardo convidara-me a acompanhá-lo até à “Casa
do Egipto”, um museu que reunia algumas peças e alguma da história desta civilização,
outrora das maiores do mundo. Uma vez lá chegados, fomos
conduzidos até um dos gabinetes destinados aos investigadores, onde fora encontrado
morto o famoso egiptólogo Marques dos Santos. O cientista havia sido alvejado
pelas costas quando trabalhava no seu computador pessoal, situado numa
secretária ao fundo do gabinete, de frente para uma janela. Aquela que se
presumia como arma do crime fora encontrada perto da porta de entrada do
gabinete. O médico legista, numa primeira análise, indicara que o crime tinha
sido cometido pela madrugada, entre as 2 e as 3 horas da manhã. Três outros investigadores compartilhavam
o gabinete e os seus segredos com o falecido: António de Sena, o seu grande
rival; Margarida Claro, uma investigadora muito íntima da vítima, e o jovem
Manuel Sereno, ainda estagiário. Como é evidente, o Inspector
procurou ouvir todos eles. Foram as seguintes as
declarações de António de Sena: – Sim, eu trabalhava com
ele aqui. Não concordava muito com os seus métodos. Sei que ele estava
convencido da descoberta próxima de um novo túmulo no Egipto. Sei também que
todos os dados que ele reuniu estão ali no computador, num ficheiro KEOPS.TXT,
porque ele me disse. Mas eu sou “alérgico” às novas tecnologias. Nunca mexi
nesse computador. Todos os meus estudos estão ali, naqueles “dossiers” amarelos. Aliás, ultimamente só a doutora
Margarida utilizava o computador, pois o doutor Santos estava com problemas
de visão. – Parece não acreditar
muito na hipótese desta descoberta – perguntou Bernardo. – De facto, Inspector, não acredito. – Como explica que a arma
aqui encontrada fosse sua? – inquiriu Bernardo. – Como sabe que é minha? – retorquiu Sena, visivelmente perturbado com a pergunta. – Verifiquei as iniciais AS
inscritas na mesma. Instintivamente, o cientista
abriu uma das gavetas da sua secretária. – De facto, não está aqui. Mas
asseguro-lhe que nada tenho a ver com isto, Inspector. – Contudo, também não tem álibi. – Saí daqui por volta das
20 horas e fui para casa onde permaneci até hoje de manhã. A minha esposa e
criada podem confirmá-lo. De seguida, ouvimos
Margarida Claro: – Estive aqui ontem à noite
a apoiar o doutor Marques nos seus estudos. Passei algumas das suas
conclusões para o ficheiro KEOPS.TXT. São relatórios relacionados com a nova
descoberta. – A que horas abandonou
este local? – perguntou Bernardo? – Não tenho a certeza, Inspector. Foi pouco depois de o Manuel ter saído…
Espere! Como habitualmente, fiz a segurança em disquete do ficheiro que lhe
falei, e como a cópia regista o dia e a hora, posso assim responder à sua
pergunta. – Onde tem essa disquete? –
inquiriu Bernardo. – Trago-a sempre comigo. O Inspector
colocou a disquete no “drive A” do computador,
digitou DIR A: e observou que a disquete em causa continha apenas um ficheiro
denominado KEOPS.TXT, gravado às 23h43 do dia anterior, sobre o qual se debruçou
por uns instantes. – Muito bem. E depois, para
onde foi? – insistiu Bernardo. – Fui a um “pub” onde costumo ir conversar um pouco com os amigos e
permaneci lá até tarde, mas não consigo precisar as horas. – Suponho que alguns desses
amigos possam testemunhar… – Sim, Inspector!
– respondeu Margarida com um ar seguro. Por fim, ouvi Manuel
Sereno: – O homem não me dava uma
vida fácil. É que eu sou novato aqui. Ele estava sempre a exigir resultados.
Foi o que aconteceu ontem. Estive aqui a fazer as pesquisas para ele até cerca
das 23h40, altura em que recebi um telefonema da minha mulher, reclamando a
minha presença em casa. – Há-de
concordar que não tem um grande álibi. Onde guarda você o “segredo da esfinge”?
– perguntou Bernardo. Visivelmente espantado e
inseguro, o jovem ficou quase sem resposta. – Como sabe o senhor disso?
– perguntou Manuel Sereno. O Inspector
limitou-se a mostrar-lhe a disquete de segurança que se encontrava na posse de
Margarida. – Bom, isso está tudo bem
seguro em minha casa. – Em sua casa? Porquê? Não
existe um cofre aqui no museu? – inquiriu Bernardo. – Existe sim, Inspector. Todavia, o doutor Marques dos Santos achou que
não era um local seguro. Penso que ele desconfiava do doutor Sena – respondeu
Manuel Sereno, mais aliviado. – Calculo que esse
documento lhe rendesse um bom dinheiro numa universidade americana. Sem a
presença do doutor Marques, você estava mais à vontade – insistiu Bernardo. – Nunca me passou pela cabeça
uma coisa dessas. Além disso, aqueles papéis nada valem sem algumas das
conclusões que constam do ficheiro KEOPS. E não sei se sabe que eu não tenho
nem sei a “password” do computador – respondeu o
jovem, visivelmente irritado. – Tudo isso é verdade, meu
amigo, mas quando aqui cheguei o computador estava ligado – retorquiu
Bernardo. Num pequeno diálogo com o
porteiro que guarda o museu durante a noite, este confidenciou-me que
qualquer dos quatro cientistas possuía urna chave de uma porta das traseiras,
pelo que poderiam ter entrado e saído sem que ele desse por nada. Disse-me
ainda que nada registara de anormal naquela noite e que não tinha ouvido tiro
nenhum, o que não me admirou, pois a arma do crime estava munida de silenciador.
Bernardo sentou-se com o
lápis na mão direita, o habitual bloco na outra, e olhou para mim como se
fosse iniciar o desenvolvimento de uma teoria sobre o caso, quando eu o
interrompi. – Estava aqui a pensar numa
– disse eu. – Então… – Vamos ali ao computador.
Sabes que existe um utilitário que permite ver os últimos comandos
utilizados. Deixa-me ver… Cá está ele! Digitei uma tecla e o
computador mostrou, por ordem cronológica, as últimas instruções utilizadas: … DATE TIME DW4 COPY C: \DW4\DOC\KEOPS.TXT A: TIME DATE CLS DIR A: … Foi então que o Bernardo, num gesto de
satisfação, colocou a sua mão sobre o meu ombro e disse: – Obrigado, deste-me uma
grande ajuda. |
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© DANIEL FALCÃO |
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