Autor Data 15 de Dezembro de 2019 Secção Competição Torneio
"Solução à Vista!" – 2019 Prova nº 7 Publicação Audiência GP Grande Porto |
A ESTRANHA MORTE DO BARÃO Abrótea O Barão da Fonte Nova já
era... Bom, já há muito tempo que
devia ter partido. Não que lhe desejasse a morte, mas o homem era
persistente. Andava atrás de mim, não ele é claro, mas os seus capangas.
Sempre que me encontravam lá ia meia dúzia, ou mais, de ameaças para pagar as
rendas que tinha em atraso. Apenas ameaças, pois os fiéis lacaios sabiam
bastante bem quem eu era... Partiu numa noite escura,
tal como o seu coração. Fui acordado de madrugada.
Para mim era madrugada. Ainda não eram oito horas e se havia se havia alguém
a quem eu odiasse, esse alguém era o inventor do “telelé”,
porque este simplesmente não parava de tocar. E quando não eram chamadas,
havia sempre recurso às mensagens. O “meu patrão” não me
deixava descansar, nem que estivesse morto, e ele bem sabia que tinha marcado
no calendário a próxima semana, quando a lua estivesse em quarto crescente
para tirar férias. Bem, serviço é serviço e conhaque é conhaque, então vamos
lá mexer esses pés, dar corda aos sapatos e olear os patins, ala que se faz
tarde. Próxima paragem: o palacete do Barão Trindade, há muitos anos radicado
na Fonte Nova. De Barão apenas tinha o apelido, porque o facínora era barão
sim, mas de outra coisa. Digo era, porque alguém lhe limpou o sebo, já não
fumava nem tossia mais, e já agora esperava que os seus “cães” deixariam de
andar atrás de mim por causa dos tais atrasos. No “palacete”,
encontravam-se dois “mastodontes” a guardar a entrada da porta. Fizeram cara
feia quando me viram, decerto que esperavam outro inspetor que não eu. Fiz
uma careta sarcástica e nem esperei que me convidassem para franquear a
entrada. Depois de passar pelo
enorme hall entrei no gigantesco salão onde se
encontrava a viúva “inconsolável”; uma criadita, por sinal bastante jeitosa;
um dos meus conhecidos, Marco António, apelidado de “Coxo”, já que tinha uma
perna mais curta que outra, resultado de uma rixa por causa de “batatas”
(anafado e baixo, mais parecia uma bola de futebol, e se não tivesse o
apelido de “Coxo” ficaria bem o “Bolinhas”); o “Baixinho”, que com os seus
dois metros e pouco nada tinha de baixinho; o advogado Pinto, homem de
estatura média mas pesadão, conhecido por “Mãos-sujas” (este até tinha
direito a dormida no palacete, mas eu desconfiava que tinha direito a algo
mais); e o irmão da vítima. Deste último, Carlos, apenas se sabia que passava
a vida pelas esquinas dos cafés, de madrugada a madrugada, daí a alcunha
“Limpa-paredes”. A chorosa veio ao meu
encontro e com voz entrecortada pelos soluços ia contando que a meio da noite
ouviu um estrondo, seguido de um grito agudo, dirigiu-se para o escritório
onde sabia que o seu marido estava, e de onde calculava ter vindo o barulho,
mas a porta nem sequer se movia. «Parecia estar trancada por dentro. Como não
obtive qualquer resposta do meu marido, corri a gritar por todos quantos
vivem aqui. Até fui lá fora à casa dos seus assistentes, pois estes dormem no
pavilhão que fica a poucos metros daqui. Apenas me lembro depois que o Doutor
Pinto, o meu cunhado e o Jorge foram os primeiros a chegar. O Jorge como é
alto e forte tentou arrombar a porta, mas não obteve sucesso, depois… depois
não sei mais, até que me disseram que desmaiei.» Jorge confirmou em parte as
palavras da patroa, em parte porque ainda disse que quase deslocara o ombro
para rebentar com a porta. Acreditei, porque esta era de madeira boa, já
quase não existiam portas assim. Pouco tempo depois, continuava o Jorge a
contar: «ouvi barulho no quarto, e a porta abriu-se, o Doutor Pinto tinha
partido o vidro da janela exterior, que dava para um pequeno jardim. E foi aí
que demos com o corpo estendido no chão, ao lado do cofre que estava aberto.
Não sei o que falta porque isso era coisa do patrão.» O “Coxo” fala: «Demorei-me
um pouco a vestir, mas cheguei a tempo de ver o doutor Pinto abrir a porta,
tentei ajudar na medida do possível e ouvi ainda o
Jorge dizer para a patroa não entrar. O resto já o “senhor doutor inspetor”
sabe.» Julguei notar uma ponta de
ironia nestas últimas palavras, mas …, entrei no escritório e fui deitando
uma vista de olhos pelo interior, ao transpor a porta já aberta e
desviando-me para o lado de dentro reparei na chave colocada na fechadura,
quase junto à parede. Do lado direito, encontrava-se o corpo.
Perpendicularmente havia a tal janela que dava para o pequeno jardim, da qual
me aproximei e notei poucos pedaços de vidro espalhados pelo chão. Como não
era nenhum C.S.I., decidi, antes de falar com o Doutor Pinto, dar uma
olhadela no jardim. Chegado aqui e olhando minuciosamente reparei que
existiam pegadas bem visíveis, uma mais funda que a outra, e enormes, e estas
… bem, estas dirigiam-se para fora. Olhando melhor, duas ou três apenas iam
em direção contrária, e estranho… muitos pedaços de vidros, e aqui e ali um
ou outro pé de plantas partidos. Não podia fazer mais nada por ali, tinha de
esperar pelos meus colegas, mas ainda tinha de ouvir duas possíveis
testemunhas. Já no palacete chamei o
Doutor Pinto, que disse: «ao ouvir os gritos, como tenho sono leve,
levantei-me de imediato, o Jorge já estava na porta do escritório e foi aí
que me lembrei de entrar pela janela. Quando corri lá para fora, e ao dar a
volta para o jardim que dá acesso à janela do escritório, pareceu-me ouvir um
ruído abafado de passos e quando o luar apareceu entre as ramadas das árvores
na alameda que dá acesso à entrada principal notei um vulto que se escapulia
vertiginosamente». Antes de sair, chame o
senhor Carlos por favor – pedi eu, pensativo. Carlos, como sempre
acontecia, ainda nem sequer tinha chegado casa, mas o que ele tinha para me
dizer já não interessava muito… E os meus caros amigos o
que acham? Tenho razão? Porquê? DESAFIO AO LEITOR: Caro leitor. Desenvolva a
sua teoria, sustentando-a com os factos disponíveis. |
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© DANIEL FALCÃO |
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