Autor

Abrótea

 

Data

15 de Dezembro de 2019

 

Secção

O Desafio dos Enigmas [81]

 

Competição

Torneio "Solução à Vista!" – 2019

Prova nº 7

 

Publicação

Audiência GP Grande Porto

 

 

A ESTRANHA MORTE DO BARÃO

Abrótea

 

O Barão da Fonte Nova já era...

Bom, já há muito tempo que devia ter partido. Não que lhe desejasse a morte, mas o homem era persistente. Andava atrás de mim, não ele é claro, mas os seus capangas. Sempre que me encontravam lá ia meia dúzia, ou mais, de ameaças para pagar as rendas que tinha em atraso. Apenas ameaças, pois os fiéis lacaios sabiam bastante bem quem eu era...

Partiu numa noite escura, tal como o seu coração.

Fui acordado de madrugada. Para mim era madrugada. Ainda não eram oito horas e se havia se havia alguém a quem eu odiasse, esse alguém era o inventor do “telelé”, porque este simplesmente não parava de tocar. E quando não eram chamadas, havia sempre recurso às mensagens.

O “meu patrão” não me deixava descansar, nem que estivesse morto, e ele bem sabia que tinha marcado no calendário a próxima semana, quando a lua estivesse em quarto crescente para tirar férias. Bem, serviço é serviço e conhaque é conhaque, então vamos lá mexer esses pés, dar corda aos sapatos e olear os patins, ala que se faz tarde. Próxima paragem: o palacete do Barão Trindade, há muitos anos radicado na Fonte Nova. De Barão apenas tinha o apelido, porque o facínora era barão sim, mas de outra coisa. Digo era, porque alguém lhe limpou o sebo, já não fumava nem tossia mais, e já agora esperava que os seus “cães” deixariam de andar atrás de mim por causa dos tais atrasos.

No “palacete”, encontravam-se dois “mastodontes” a guardar a entrada da porta. Fizeram cara feia quando me viram, decerto que esperavam outro inspetor que não eu. Fiz uma careta sarcástica e nem esperei que me convidassem para franquear a entrada.

Depois de passar pelo enorme hall entrei no gigantesco salão onde se encontrava a viúva “inconsolável”; uma criadita, por sinal bastante jeitosa; um dos meus conhecidos, Marco António, apelidado de “Coxo”, já que tinha uma perna mais curta que outra, resultado de uma rixa por causa de “batatas” (anafado e baixo, mais parecia uma bola de futebol, e se não tivesse o apelido de “Coxo” ficaria bem o “Bolinhas”); o “Baixinho”, que com os seus dois metros e pouco nada tinha de baixinho; o advogado Pinto, homem de estatura média mas pesadão, conhecido por “Mãos-sujas” (este até tinha direito a dormida no palacete, mas eu desconfiava que tinha direito a algo mais); e o irmão da vítima. Deste último, Carlos, apenas se sabia que passava a vida pelas esquinas dos cafés, de madrugada a madrugada, daí a alcunha “Limpa-paredes”.

A chorosa veio ao meu encontro e com voz entrecortada pelos soluços ia contando que a meio da noite ouviu um estrondo, seguido de um grito agudo, dirigiu-se para o escritório onde sabia que o seu marido estava, e de onde calculava ter vindo o barulho, mas a porta nem sequer se movia. «Parecia estar trancada por dentro. Como não obtive qualquer resposta do meu marido, corri a gritar por todos quantos vivem aqui. Até fui lá fora à casa dos seus assistentes, pois estes dormem no pavilhão que fica a poucos metros daqui. Apenas me lembro depois que o Doutor Pinto, o meu cunhado e o Jorge foram os primeiros a chegar. O Jorge como é alto e forte tentou arrombar a porta, mas não obteve sucesso, depois… depois não sei mais, até que me disseram que desmaiei.»

Jorge confirmou em parte as palavras da patroa, em parte porque ainda disse que quase deslocara o ombro para rebentar com a porta. Acreditei, porque esta era de madeira boa, já quase não existiam portas assim. Pouco tempo depois, continuava o Jorge a contar: «ouvi barulho no quarto, e a porta abriu-se, o Doutor Pinto tinha partido o vidro da janela exterior, que dava para um pequeno jardim. E foi aí que demos com o corpo estendido no chão, ao lado do cofre que estava aberto. Não sei o que falta porque isso era coisa do patrão.»

O “Coxo” fala: «Demorei-me um pouco a vestir, mas cheguei a tempo de ver o doutor Pinto abrir a porta, tentei ajudar na medida do possível e ouvi ainda o Jorge dizer para a patroa não entrar. O resto já o “senhor doutor inspetor” sabe.»

Julguei notar uma ponta de ironia nestas últimas palavras, mas …, entrei no escritório e fui deitando uma vista de olhos pelo interior, ao transpor a porta já aberta e desviando-me para o lado de dentro reparei na chave colocada na fechadura, quase junto à parede. Do lado direito, encontrava-se o corpo. Perpendicularmente havia a tal janela que dava para o pequeno jardim, da qual me aproximei e notei poucos pedaços de vidro espalhados pelo chão. Como não era nenhum C.S.I., decidi, antes de falar com o Doutor Pinto, dar uma olhadela no jardim. Chegado aqui e olhando minuciosamente reparei que existiam pegadas bem visíveis, uma mais funda que a outra, e enormes, e estas … bem, estas dirigiam-se para fora. Olhando melhor, duas ou três apenas iam em direção contrária, e estranho… muitos pedaços de vidros, e aqui e ali um ou outro pé de plantas partidos. Não podia fazer mais nada por ali, tinha de esperar pelos meus colegas, mas ainda tinha de ouvir duas possíveis testemunhas.

Já no palacete chamei o Doutor Pinto, que disse: «ao ouvir os gritos, como tenho sono leve, levantei-me de imediato, o Jorge já estava na porta do escritório e foi aí que me lembrei de entrar pela janela. Quando corri lá para fora, e ao dar a volta para o jardim que dá acesso à janela do escritório, pareceu-me ouvir um ruído abafado de passos e quando o luar apareceu entre as ramadas das árvores na alameda que dá acesso à entrada principal notei um vulto que se escapulia vertiginosamente».

Antes de sair, chame o senhor Carlos por favor – pedi eu, pensativo.

Carlos, como sempre acontecia, ainda nem sequer tinha chegado casa, mas o que ele tinha para me dizer já não interessava muito…

E os meus caros amigos o que acham?

Tenho razão?

Porquê?

 

DESAFIO AO LEITOR:

Caro leitor. Desenvolva a sua teoria, sustentando-a com os factos disponíveis.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO