Autor Data Novembro de 1977 Secção Enigma Policiário [20] Competição Volta
a Portugal em Problemas Policiais 8ª Etapa (Lagos – Odemira – Santiago de Cacém – Grândola – Alcácer do Sal –
Setúbal) Publicação Passatempo [42] |
Solução de: ACONTECEU NA MADRUGADA Agente Kapa «A verdade
iniludível do patético acontecimento» poderá ser encontrada através da
eliminação, um a um, dos vários suspeitos, Vejamos como fazê-lo, segundo a
ordem por que foram interrogados. Na parte final
da solução, alguns «pensamentos» de três intervenientes da história,
completarão o nosso trabalho. O TRABALHADOR – É ilibado no próprio texto.
Mas acentuemos que foi ele quem deixou inscritas as pegadas bem vincadas no
solo. FAUSTO – Foi o primeiro a sair do local do crime e
possui um alibi sólido – a presença do médico. RENATO – Seria um excelente suspeito, uma vez não
possuir um alibi convincente. Digamos que não tinha motivo para o delito (era
um bom credor) e, quer no texto, quer nas palavras que proferiu, nada existe
que o inculpe. Três
pormenores pretenderam criar dificuldades: o primeiro,
reside no aspecto limpo das suas botas; porém, isso
terá de ser considerado natural num homem retratado como «snob».
O segundo pormenor reside no «gasto
chinó» com que ocultava a calva. Com efeito, os cabelos encontrados na camisa
do morto, «transmitindo uma sensação de arestas vivas», e que eram «negros
por reflexão e avermelhados à transparência» não pertenciam, de forma alguma,
ao gasto chinó usado por Renato, que
ele para mais coçava constantemente. Uma terceira «rasteira» foi lançada ao
referir-se que Renato era o mais alto – e, portanto, o mais apto (?) a
simular o enforcamento. Claro que isto não o inculpa, tal como a afirmação de
que a «morte tinha sido um fim justo» para Olavo. MENDES – É o homem da voz irritante e que, apressado
por natureza, quando chega «já sabe tudo»! E por que não? Se foi avisado
telefonicamente (e não foi pelo Inspector, pois
este não lhe dirigira antes qualquer palavra), é de admitir que lhe tivessem
dito algo sobre o enforcamento do Velho. Aliás, como até sucedeu em relação a
Henrique. Natural, portanto, o seu desabafo de que «falido como estava só lhe restava uma solução… antes que alguém se
lhe antecipasse». (A palavra amizade não imperava naqueles gananciosos
jogos de cartas). O seu alibi é
até convincente, pois garante que a mulher e a família dela (sem especificar o grau de parentesco) estiveram com ele até
de madrugada. É um típico exemplo de agricultor apressado e «fala barato», até sem motivo aparente para qualquer crime,
pois era o maior credor. Também se
fosse culpado não iria falar, por certo, da forma como o fez. Não é Mendes o
suspeito que procuramos. Tal como se pode referir para os anteriores, nada
existe no texto nem no depoimento que o possa inculpar categoricamente. E é
assim que, por exclusão de partes, nos resta HENRIQUE. Um Henrique que, curiosamente, é o que mais fala no texto… e o último a ser interrogado.
Curiosamente, é o único que
evidencia um instrumento susceptível de ter
produzido os golpes e que usava sempre. Curiosamente, é o último (com o Mendes) a sair de casa
do Velho, e quando já chovia. Curiosamente, é ainda o único que se sabe ter saído, bastante
cedo de sua casa e naquela fatídica madrugada. Neste campo de conjecturas, nenhum outro surge com tantos «predicados»
para ser suspeito. Mas só isto
não seria suficiente para o inculpar. Para além disso – e o que é fundamental
– Henrique MENTIU nas suas declarações. É, aliás, o único que mentiu deliberadamente,
Vejamos em quê: 1.º) – O
pormenor de por “largo tempo» ter
disfrutado de visibilidade com a luz vinda do quarto de Renato – o único aposento que dava para o seu
caminho. Tal não seria possível numa noite em que ele corria para fugir à
chuva… e duma luz que provinha dum quarto, necessariamente –e pelo menos –com as vidraças fechadas. (Renato só acendeu
a luz quando lá chegou e, porque estava a chover, por certo teria cerrado a
própria janela. Entretanto, até surgir a luz, Henrique já estaria algo
afastado). 2.º) – O Inspector informou-o que Olavo se tinha suicidado – por duas vezes isso transpira no texto.
Fê-lo, aliás, intencionalmente – para o pôr à vontade. Quando o viu usar (por
instinto) a «longa navalha de que nunca
se separava» atirou-lhe de chofre a «casca de bananas: «foi com essa arma que o matou?» Ora a
pergunta era inconsequente a mais, na aparência: se houve um suicídio, porque
considerava a seguir a questão de crime? E o «nosso homem» respondeu também
de forma inconsequente: «Porque havia de o fazer?» – disse. Quer dizer que
NÃO SÓ NÃO RESPONDEU DA FORMA MAIS NATURAL (por exemplo: «o quê?! Não me
disse que Olavo se matou?), COMO NÃO REFUTOU OU ESTRANHOU A POSSÍVEL
EXISTÊNCIA DE GOLPES NO CADÁVER. Logo, Henrique
sabia, interiormente, que o corpo havia sido violado. Quando serenou e falou
seguidamente («Repare que não possuía razões para lhe fazer mal»)
já era tarde para desfazer o erro da sua resposta impulsiva. 3.º) – Outra
mentira, aliás muito flagrante e importante nesta solução, reside no factor tempo: Nunca as primeiras chuvadas da Estação
poderiam causar «prejuízos enormes» nas sementeiras. E que sementeiras?
Vinha? Pomar? Horta? Claro que não, pois a única referência é para cereais.
No caso do milho, sabe-se que é descamisado e debulhado digamos na transição
Setembro/Outubro, meses em que não há outras sementeiras. Por outro
lado, ele saíra muito cedo de casa, por volta das 6,30 horas (sensivelmente
duas horas e meia antes do «rápido» das nove). Portanto, era ainda bastante
escuro, tal como o texto evidencia, para que pudesse
divisar os tais «prejuízos enormes». Henrique é,
por conseguinte, o frustrado homicida. E dizemos frustrado, porque quis
matar… mas chegou tarde para o fazer. É, assim, o suspeito que se nos afigura
dever punir. Olavo morreu, efectivamente, por suicídio. O investigador viu isso
imediatamente; como é óbvio, o texto não podia mencionar que o corpo
apresentava a língua deitada para fora, espuma na boca e narinas, hemorragia
nasal, possível ejaculação de esperma, etc. Todavia, muito claramente,
referia que as feridas apresentavam «os
bordos pálidos, lívidos e um pouco retraídos». Tecnicamente,
isto garantia que OS GOLPES FORAM DESFERIDOS APÓS A MORTE DE OLAVO. Portanto,
simplesmente, houvera suicídio. Um suicídio que o texto tanto pretendeu
sugerir… sobretudo porque «tudo estaria
normal se não fossem aquelas feridas». O Pensamento de Olavo «Não tenho
outra saída, arruinado como estou. Isolado, sem família, cada vez ficarei
mais empenhado. Hoje será o meu último jogo. Quando eles saírem… Atarei a
corda, colocá-la-ei à volta do pescoço e, depois, afastarei a cadeira… E
deixarei de ter problemas… O Pensamento de Henrique “Já reavi algum dinheiro, mas tenho de receber mais. O melhor
é voltar lá, pois assim a chover não haverá ninguém. Baterei à porta e, sem
palavras, ameaçá-lo-ei com a navalha e cobrarei o que puder, pois o Velho já
me deve pouco. «Gaita para o
tempo, que não vejo quase o caminho. Já me enlameei todo! Mas que é isto: a
porta aberta?! O Velho não responde! Que se passará? É melhor entrar – mas
tenho que descalçar-me, se não ficará tudo marcado de lama, «Meu Deus»! O
maldito enforcou-se! Velho infame! …Doido de
raiva e frustração, Henrique desferiu os desnecessários golpes, mas que horas
antes seriam mortais. Quando voltou à entrada da casa, na pressa de calçar-se
e desaparecer dali, nem sequer se lembrou da porta. Que continuou
aberta para a madrugada… O Pensamento do Inspector «Claro que «tudo estaria normal» (no texto) se não
fossem os golpes. Caramba! Não é vulgar ver assim um suicídio com o corpo
desrespeitado. Já tenho a primeira
ideia. Veremos agora quem deu as navalhadas depois da morte legal. (É
evidente que ninguém iria matar o Velho e fazer a cena de suicídio. Seria
estúpido e, para mais, QUEM O PODERIA FAZER SOZINHO,
SENDO O VELHO TÃO FORTE?). Mas… e os cabelos?? «Já ouvi o
Fausto, Renato e Mendes. Nenhum deles o fez. Vejamos o que dirá agora o tal
Henrique. Aguardemo-lo. «Pronto! Lá se
«estendeu» ele ao comprido. Até uma navalha trouxe! Que santa
ingenuidade para afastar suspeitas… «Ah!... agora preciso resolver a questão dos cabelos. Não são
naturais, pelo que teoricamente podem pertencer a uma cabeleira postiça. Mas
estando tão gasto o chinó de Renato, isso não é possível. Como é que os
cabelos aparecem na camisa do desgraçado? E donde provêm, com aquelas
características? «Uf! Lá meti
eu os pés na lama. Que tempo… e que férias as minhas (logo o camponês se
havia de lembrar que eu estava cá)! Deixa-me sentar aqui, à procura de melhor
inspiração. O campo é bonito, sem dúvida, e o dia hoje promete. Belas
maçarocas, estas. O velho obteve uma boa colheita – em milho e palha. «Claro! É
isso! Os cabelos são barbas de milho.
É natural que Olavo os tivesse, pois era o seu trabalho de agora. E elas
pegam-se tanto... Não me
desculpo por ter tardado tanto a minha segunda
ideia… |
© DANIEL FALCÃO |
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